XL - Lembre-se

10/05/1888 - Quinta-Feira

( Atenção: Este capítulo conterá conteúdo violento, mortes,  menções a assédio e abuso sexual.)




- Ah...de novo aqui.

- Você está perdendo o controle. Ficou maluca. Acha mesmo que pode ir contra toda a máfia completamente sozinha? Vai abandonar uma chance de ouro por conta de um bando de servos estúpidos e um fedelho de doze anos? É isso que você quer?

- Você não sabe nada sobre o que eu quero.

- É claro que eu sei. Eu sei melhor do que qualquer um saberia. Eu estou dentro de você. Eu sou você.

- Você já disse isso milhares de vezes. E, se realmente é verdade, você sabe muito bem que eu não quero mais fazer isso! Eu não quero mais ser uma cadela dos Moretti's!

- VOCÊ NÃO PODE!

- Eu posso e eu vou! Eu não tenho mais medo de você!

- E CLARO QUE VOCÊ TEM! POR ACASO VOCÊ ESQUECEU DA RAZÃO PELA QUAL VOCÊ FAZ O QUE FAZ?! ESQUECEU DE ONDE VOCÊ VEIO?! O QUE VOCÊ PERDEU?!

- NUNCA! E...é justamente por isso que eu não posso continuar! Você acha que o papai e a mamãe aprovariam isso se estivessem a...

- ELES ESTÃO MORTOS! E É POR ISSO QUE VOCÊ ESTÁ AONDE ESTÁ! PARA VINGÁ-LOS E TER PODER O SUFICIENTE PARA PISAR EM CIMA DE TODOS QUE DESGRAÇARAM A SUA VIDA, NOSSA VIDA! EU SEI QUE VOCÊ AINDA QUER ISSO!

- Eu quero! Mas, não desse jeito!

- Ha...HAHAHAHA! VOCÊ ENLOUQUECEU! Q-quer saber?! Eu acho que o que você realmente precisa é se lembrar do que te trouxe até a vida que você leva agora! Você se lembra, se lembra muito bem...do dia.

- Não. Você não pode...

- EU POSSO. Eu posso e você VAI ME ESCUTAR.

- NÃO EU NÃO...

- SIM VOCÊ VAI!

Senti uma força me puxar para baixo, como se me derrubasse em um chão invisível na imensa escuridão desse pesadelo recorrente.

Tentei gritar, tentei me contorcer, mas no mesmo segundo tive a sensação de perder minhas cordas vocais, os músculos do meu corpo!

Eu estava calada e imóvel! Totalmente silenciada!

- As coisas estavam difíceis em casa. O Líbano nunca esteve pior...














[20/01/1875]




















- Mamãe, papai, o que tem depois de toda essa água?

Mamãe sorriu e acariciou sua cabeça. Você era tão pura, tão pequena e inocente. Não fazia a menor ideia do que estava acontecendo. Mal sabia ao certo o motivo por estar indo embora, por estar deixando sua casa, o lugar que nasceu, de lado.

Mas, eles sabiam. Eles sabiam que se ficassem em casa, não sobreviveriam, já que a vida estava difícil demais por lá. Mesmo que não houvesse guerra, as pessoas ainda brigavam, brigavam por seus territórios, por suas religiões, e a cada dia que se passava, não parecia melhorar. Eles sabiam o quanto você ficou devastada quando descobriu que seu cachorro, quando o pequeno Nose morreu por pessoas cruéis que andavam nas ruas. E sabiam que, se algo acontecesse, você não sobreviveria sem eles.

Pelo bem de todos, ir embora foi a "melhor opção". Mas, mesmo assim, Londres não era nada do que você esperava, certo? Quando chegaram em terra firme, tudo era tão cinza, tão depressivo, sem graça alguma...

As crianças não se pareciam com você, os adultos se vestiam de um jeito estranho e era muito mais frio do que te contaram. Os arrepios e o vento congelando foi a primeira coisa que você sentiu quando desceu do navio.

A pequena Ayuni, que você era, não gostou do que viu.

Papai e mamãe seguraram suas mãos, sorrindo para você. Eles mal sabiam como falar inglês, não sabiam como se sustentariam por lá e não conheciam absolutamente ninguém. Estavam tão apavorados quanto a filha mas, precisavam te demonstrar que tudo ficaria bem.

Quanto você se deu conta disso pela primeira vez, doeu demais...não doeu?













[Em algum momento de 1877...]
















Dois anos se passaram desde que vocês chegaram a Londre. Seu aniversário passou e você chegou aos seus quatorze anos, mas isso não te animava. A família viveu miseravelmente, como nunca antes. Você se sentia cabisbaixa com absolutamente tudo a sua volta.

A casa, se é que poderia chamá-la assim, era pequena, feia e fria.

Comer era algo que pouco acontecia durante a semana e, se acontecia, era por doação de alguma padaria bondosa, ou algo do lixo que não estava tão ruim.

Na rua, as pessoas viviam tentando arrancar o Hijab da mamãe quando ela saia para pedir dinheiro.

O papai pulava de trabalho em trabalho. Mesmo que os ingleses não se importassem em contratar estrangeiros, ele não dava a sorte de encontrar um lugar fixo que pudesse pagá-lo minimamente bem.

Era péssimo.

Você não tinha nada, mais nada. Até mesmo sua cultura acabou ficando para trás.

As comidas da mamãe, as orações, a música, o Ramadan...tudo foi deixado para trás.

Só lhe restava uma coisa: mamãe e papai.

Óbvio, a vida em Londres era péssima, você sentia muita fome e tinha pena dos seus próprios pais, querendo ajudá-los, sem saber ao certo como. Mas, mesmo com tudo isso, mamãe não deixava de pentear seus cabelos, papai não deixava de te ensinar a importância de ter um bom coração, mamãe também não deixava de dar seu melhor para que você entendesse o inglês cada vez mais, e papai deixava de ter roupas mais quentes para que a mamãe pudesse usar o tecido das próprias roupas para dar a você.

Ela abriu mão do próprio hijab para esquentar sua pele, não deixar que você morresse de frio.

Eles foram contra tudo que amavam e acreditavam, porque você estava acima de qualquer outra coisa. Eles estavam tão desesperados, tão preocupados com a falta de dinheiro, a comida, o frio que piorava a cada dia que se passava que, papai, na esperança de manter sua posição de homem e prover para a sua família, tomou uma decisão.

Uma decisão horrível.








[Em um dia perdido naquele mesmo ano...]









- Eu imploro, p-por favor! Minha filha, m-minha mulher, elas passam fome, frio! Eu preciso ajudar, sustentar a casa, trazer comida!

- Eu já entendi. Porra! Toma, - Ele jogou o saco de dinheiro no chão. - pega logo.

- O-oh! Meu deus, meu deus... - Papai se ajoelhou na frente dele, com lágrimas nos olhos. Foi a primeira vez que você o viu daquele jeito. - obrigado, m-muito obrigado! Que deus te abençoe!

- Tsc! Larga do meu pé, velhote! E para de se ajoelhar. Não esquece que você tem até o final do mês pra me devolver, se não...você já sabe.

- Sim senhor, s-sim senhor eu compreendo! Vou pagar o que devo.

- Acho bom.

O homem estranho olhou para os outros dois que o acompanhavam e, foram em direção a porta.

Você se escondeu o mais rápido que pode, e então, só escutou o ranger da porta e os passos se distanciando.

Na época, a cena não fez o menor sentido, você não sabia o que aquilo significava.

Bom, agora você sabe.

Enfim...os dias que se seguiram, após aquele encontro, foram completamente diferentes dos últimos tortuosos meses. Papai trouxe um estoque de comida para casa, você ganhou mais roupas quentes, mamãe chorou quando ele trouxe a ela um novo hijab e agora, sua cama tinha cobertores.

- Papai, papai! Eu e a mamãe preparamos o seu jantar!

- Olá, minha princesinha! Como foi o dia?

- Foi legal!

- Bem vindo de volta, querido. E então, - Mamãe falou com uma voz esperançosa. - como foi?

- Eu não sei querida, disseram que eu devo voltar amanhã, e então eles terão uma resposta. Estou ficando preo...

- Querido, não. Não diga aqui.

- Oh...claro.

- Não se preocupe. Volte à fabrica amanhã e tenho certeza que conseguirá o trabalho. Deus está ao nosso lado.

Ele sorriu, preocupado. Felizmente, você não sabia do que eles estavam falando, só estava contente por papai estar em casa.

Mamãe voltou ao pequeno forno improvisado, e papai te olhou de cima para baixo, esbanjando um sorriso ainda maior, o que te deixou curiosa.

- Meu bem, - Ele se ajoelhou, equiparando as alturas. - tenho algo para você.

- Para eu?!

- Ayuni! 'Para eu', não!

Seu inglês era mediano...

- P-para mim! Tem algo para mim, papai?!

- Uhum. - Ele levou a mão ao bolso. - A pouco tempo, você completou seus quatorze anos, e não pudemos fazer nada, e por isso, - De lá tirou uma pequena caixinha de madeira. - quero que fique com isto.

Papai te deu um presente, um que você jamais esqueceu.

Com os olhos cintilantes, você abriu a caixinha empolgada.

- Uau...papai! Eu adorei! E-eu gostei, gostei muito, muito! São lindos, fofos e brilham!

Ele te trouxe seus primeiros brincos. Eram simples, muito simples, mas te trouxeram um sorriso tão grande e tão largo, que para alguém de fora, soaria como se estivesse ganhando duas pedras preciosas.

É claro que mamãe ficou preocupada, afinal, ela não queria gastar o pouco dinheiro que tinha com coisas bobas mas, você sabe que te ver sorrir era o que ela mais queria em tempos tão complicados.

Ela preferiu manter como estava.

- Não pode colocá-los agora, Ayuni.

- Ah?! Por que não?!

- Porque suas pequenas orelhas não tem furos ainda.

- Ah! Mas eu queria poder usar agora!

- Não se preocupe. A mamãe pode furar para você, mas não agora. Está bem?

- Ah, por que?! Me ensina a furar! Eu posso fazer sozinha!

- O que?!

- Vamos papai! Como fura? Você sabe? A mamãe não quer me contar! Me mostra, em?! Mostra!

Você lembra de ver seus pais rindo com a sua empolgação. A maioria das crianças teriam medo de algo assim, mas papai e mamãe sempre disseram que você era corajosa.

















[...]

















Mamãe penteava seus cabelos todos os dias antes de dormir, e esse foi um dos poucos hábitos dos quais você ficou feliz de não ter de se desfazer desde que se mudou para Londres.

- Seus cabelos são uma benção, minha filha. Ficam cada vez mais lindos.

- Mamãe, eu nunca vou cortar o cabelo!

- Oh, é? E por que?

- Porque eu quero que ele seja grande e muito, muito lindo, que nem o seu! E eu nunca vou prender!

- Haha! Seus cabelos já são uma graça, meu amor.

- Mas não é tão grande quanto o seu! Eu quero ser como você...

Ela sorriu, docemente. Você nunca esqueceu como o sorriso dela te tranquilizava, como te fazia bem quando você sentia medo.

- Eu tenho certeza de que você será ainda melhor.

- Mamãe, você pode cantar enquanto mexe neles?

- Posso!

Ela continuou a pentear e cuidar, enquanto cantava para você.




















[...]




















- Olha papai! Um gato preto!

- Cuidado querida, eles dão azar.

- Ah? Não, não dão! Eles só são fofos!

Papai sorriu com a sua inocência e até inteligência. Mal ou bem, ele sabia que você era espertinha demais.

- Vamos correr, precisamos chegar logo à feira!

De mãos dadas, você e papai aceleraram o passo para a feira.

- Está ansiosa pra que a mamãe coloque seus brincos?

- Muito!

- Tem certeza? Não está com medo?

- Não!

- Nenhum pouco?

- Nenhum pouquinho!

- Hm, - Ele sorriu. - você é muito corajosa, sabia disso?

- Sabia, papai! Você sempre me diz isso!

- É claro. É importante que você saiba, minha filha. - Ele passou a mão por seus cabelos, fazendo carinho. - Ter coragem é fundamental, e nem todos tem como você. Alguns levam anos pra ter coragem de fazer coisas simples, da forma que você tem.

- Então eu sou melhor do que essas pessoas que têm medo?

- Não, não. - Se abaixando, papai te pegou no colo, enquanto caminhava. - Você não tem que ser melhor do que as pessoas que tem medo, você precisa proteger essas pessoas. Isso é ser uma boa corajosa. Boa pessoa. Entendeu?

Você assentiu com a cabeça. É claro que naqueles tempos foi difícil de entender o que você quis dizer, mas com o tempo...ficou mais simples.

Eles sempre deram os melhores conselhos. Mesmo que não tenhamos seguido todos.

- Entendi!

- Que bom... - De repente, papai pareceu encarar fixamente algumas pessoas do outro lado da rua, pelo menos, foi o que parecia. E, ao mesmo tempo, sua expressão não pareceu muito satisfeita com isso. - vamos nos apressar, está bem? Sua mãe deve estar nos esperando.

- Posso ficar no seu colo?! Posso, posso?!

- Claro que pode, meu bem.




















[...]




















- Vai ser só uma picadinha, está bem?

- Eu não tenho medo mamãe! Pode furar!

- Então, está bem...

Ela fez o furo na primeira orelha, e você lembra de ter dado um pequeno pulinho com o susto, mas não fez som algum. Você realmente queria mostrar a ela que era forte o suficiente para aguentar.

- Repita comigo, "esporadicamente".

- E-espotaticamente?

- Não, filha. "radicalmente", não "taticamente". Realmente precisamos dar um jeito no seu inglês.

- Ah! Mas eu já sei muitas coisas!

- As pessoas não vão conseguir te entender se não conseguir se adequar ao jeito inglês!

- O jeito inglês é chato...

- Ayuni!

Antes que mamãe pudesse te dar uma bronca, papai chegou em casa, com um olhar preocupado.

- Querido?

- Amor...precisamos conversar.

Eles se afastaram, indo para um dos poucos quartos com porta da casa.

E você, curioso como sempre foi, se esgueirou pelos cantos, indo até a porta e colocando seu ouvido contra a madeira...

- Eu não consigo, não consigo achar um trabalho! É como se ninguém quisesse meus serviços. Não é possível! Falta pouco tempo para a cobrança da dívida, e-eles...

- Amor, não. Fique calmo! N-nós vamos dar um jeito, eu posso procurar por um trabalho também.

- Não! E-eu sou o provedor, eu preciso cuidar de vocês e você precisa cuidar da Ayuni. V-vamos deixar desta forma. Eu só...precisava dizer para alguém. Desabafar.

- Vai dar tudo certo, meu amor. Nós vamos superar.

- Eu, e-eu só peguei o dinheiro com eles pra que pudéssemos comer. A gente morria de fome! E...ver Ayuni tão mal estava me deixando péssimo. Foi um erro pedir algo pra pessoas assim. E-eu sei que foi!

- Você fez seu melhor pra resolver o problema! Nós só precisamos acertar algumas coisas. Nós vamos conseguir, eu tenho fé que vamos. Além disso, somos abençoados. Temos uma menina forte, esperta...

- E corajosa.

- Muito corajosa, e doce! Eu tenho certeza, tenho fé em Deus, sei que tudo dará certo.

Papai e mamãe eram grandes exemplos de amor, de ajuda, esperança. Eles realmente tinham grandes esperanças de que tudo desse certo.

E, mesmo nova demais para entender, você também tinha. Dentro de si, seu maior desejo era poder ver papai e mamãe tranquilos de novo. E, você tinha esperanças de que realmente os veria bem em algum momento.

Mais tarde nesse mesmo dia, mamãe foi te colocar para dormir. Ela tinha um olhar sensível, ferido, sofrido e cegamente esperançoso.

- Mamãe...

- O que foi?

- Tá tudo bem?

- "Está", amor.

- Mãe, só me conta. A gente vai ficar bem?

- Oh, meu amor... - Ela tocou com a mão quente e macia em sua bochecha. - independente do que aconteça, nós vamos ficar bem. Todos nós.

- Como vocês tem tanta certeza?

- Por que eu e seu pai sacrificamos qualquer coisa para proteger nossa família. Proteger você. É o que temos feito com muito orgulho ao longo dos anos. E, é o que você deve fazer quando escolher sua família.

- Mas...por que isso é tão importante?

- Você pode ser nova demais para entender, mas, no fim das contas, nossa família será sempre tudo que temos. Mas, olha, não precisa se preocupar. Seu pai é forte e dedicado. Nós vamos ficar bem, entende?

Você assentiu com a cabeça.

- Ayuni, você realmente entendeu?

- Sim, mamãe. Eu entendi.

- Que bom. - Ela sorriu, e se inclinou para beijar sua testa. - Boa noite, minha filha. Eu te amo.

- Eu também te amo, mamãe.










[Dias se passaram...]












- Aonde vamos, mamãe?

A rua estava agitada, e era uma manhã particularmente fria.

- Encontrar seu pai, querida! Ele está por aqui.

- Onde, onde?!

- Ah, ali! - Mamãe apontou. - Conversando com aquele casal, meu bem.

Você finalmente o viu. Papai estava com um sorriso larguíssimo, como você não via há meses. Ele parecia aliviado.

Ele estava apertando a mão de um homem alto, muito bem vestido e acompanhado de sua esposa, uma linda mulher de cabelos ruivos, que segurava um bebê de colo. Ambos estavam ao lado de uma linda carruagem. Eles estavam realmente muito bem vestidos...

Quando papai nos viu de longe, ele acenou, falou algo ao homem, que pareceu responder educado, e então, todos se despediram, e papai correu em nossa direção.

- Meus amores! Amores da minha vida!

Ele nos abraçou, com muita força!

- A-arg! O que foi meu amor?! O que aconteceu?

- Emprego, amor! Eu consegui um trabalho!

- O que?!

- Sim! Você ouviu, Ayuni?! Papai agora tem um trabalho!

Você não disse muito, só deu risada dos abraços e da alegria.

- M-mas como quem? Como, amor?

- É uma fábrica enorme! E-eu ainda não sei o nome, é alguma coisa em construção, mas vai ser algo com brinquedos!

- Parece ótimo, meu amor! P-parabéns!

- Graças a deus! Nossos problemas vão se resolver! Nós vamos ficar bem!

Papai estava feliz, mamãe estava feliz. Tudo parecia certeiro o suficiente para funcionar. Para ter um rumo melhor, não cheios de luxo ou algo parecido, mas ao menos...decente.






















[Três dias depois...]

























Papai falou muitas coisas sobre o novo emprego nos últimos. Ele disse que a fábrica era grande, que ele trabalhava no empacotamento, que tinha feito novos colegas e que seu chefe era mais generoso do que ele esperava. Tudo parecia dentro dos conformes.

Naquela noite, ele estava atrasado. A fábrica não era longe do lugar em que moravam e, por isso, mamãe começou a ficar preocupada.

Você continuou brincando com seus brinquedinhos velhos e improvisados quando...

A porta bateu.

Sua mãe sorriu e correu para atender a porta, ansiosa para perguntar como o dia havia sido e o motivo do atraso.

- Querido! - Você, ouviu o ranger da porta se abrindo. - Como foi o...o que?!

O tom de voz da mamãe se alterou drasticamente, o que te assustou um pouco. Levantando, você saiu de onde estava e foi atrás de sua mãe.

Foi assim que o pesadelo começou.

Sim, papai estava em casa. Mas, não sozinho. Haviam três homens com ele, todos com olhares assustadores na época. Mesmo não entendendo a situação, algo em você dizia que aquilo não era bom.

Dos três, um homem de cabelos castanhos agarrou papai pelo ombro e o jogou no chão! Você nunca mais esqueceria o rosto daquele mesmo e específico homem.

Você recuou, assustada.

- P-por favor! Eu consegui um trabalho, p-posso pagar vocês daqui a pouco! Só me deem mais tempo!

- Eu já tinha te avisado, seu imbecil. Nós não aumentamos os prazos por aqui.

Mamãe correu para ajudar o papai a se levantar.

- Não sei de que país de merda vocês vieram, mas aqui, quem não paga, apanha, e já que vocês estão devendo bastante... - Ele agarrou mamãe pelo Hijab, puxando e soltando seus cabelos. Seu coração disparou ao ver que, tanto quanto você, ela também estava assustada. - os três vão apanhar.

Ao mesmo tempo que sentiu medo, algo fervoroso pareceu subir por seu corpo, um tipo de raiva, algo que te impulsionou a agir.

- S-solta minha mãe, agora!

O homem riu, junto de seus companheiros.

- Ah, olha só. Então você quer ir primeiro, pirralha? - Ele jogou mamãe no chão, como se não fosse nada. - Tudo bem, então vai ser vo...

CRACK!

Foi tudo muito rápido! Papai havia dado um jeito de jogar um vaso qualquer no homem!

- CORRA, AYUNI!

- PAPAI!

- U-URG! - Mamãe se levantou com dificuldade e te agarrou. - VAMOS, FILHA!

Mamãe realmente tentou fugir com você. A porta estava perto, perto demais. Bastavam alguns passos apressados e vocês poderiam fugir.

Mas, não funcionou.

Os outros parceiros que vieram agarraram mamãe pelo braço, te puxando junto.

O atordoado levantou a cabeça e olhou para nós, havia sangue em sua testa.

- Seus bichos de merda! - Ele socou papai no rosto. - Acham mesmo que podem dar uma de espertos e fugir?! VAI A MERDA! MALDITOS!

Papai se manteve firme, cuspindo sangue e olhando aquele monstro nos olhos.

- Eu já disse que vou te pagar, só preciso de mais tempo!

- Ah, sim. É claro que você vai pagar... - Ele limpou o sangue que escorria em sua testa e sorriu ainda mais. - mas, depois dessa, não vai ser com grana.

Ele acenou para um dos capangas, que agarrou mamãe e a fez ficar imóvel, de pé.

- Mãe!

- Deixa elas irem! Sou eu que devo vocês!

- Hm, deixa eu pensar... - O homem deu de ombros e ficou quieto por alguns segundos. - não.

Ele socou o rosto de sua mãe. Sua bochecha ficou roxa e ela gemeu de dor.

Seu corpo estremeceu por completo, você desejava que tudo fosse um pesadelo.

- PARA!

Impotente, foi tudo que você pode dizer.

- HA! Parar? Mas, eu nem comecei.

Ele continuou socando.

De novo.

Ela gemia de dor.

De novo.

Aparecia cada vez mais sangue em seu rosto.

De novo.

Tudo em seu rosto inchava. Ela ficava cada vez mais...irreconhecível.

E, de novo.

Eventualmente, mamãe baixou a cabeça e parou de fazer qualquer barulho, ela só respirava com dificuldade.

Você não sabia o que dizer ou fazer. Ela se sentia paralisada com o medo. Papai tinha lágrimas no rosto, mas sua expressão estava paralisada. Não havia dor, raiva, nada.

Nada fazia sentido, tudo estava muito confuso. Você não conseguia entender o motivo, a razão para estarem machucando sua família, falando aquelas coisas. O único palpite ou sensação que existia em seu peito, presenciando tudo aquilo, era que aquela situação não parecia digna de um final tranquilo. Seus olhos não podiam visualizar e sua mente não podia imaginar como aquilo poderia acabar bem.

Eventualmente, o homem parou de socar.

- Eita, cansei! - Ele olhou pro papai. - Agora, é você. Velhote.

- Papai... - Havia um pingo mínimo de esperança em sua voz. Você queria muito que tudo ficasse bem. - vamos f-ficar bem?

Ele parecia querer responder. Ele sem dúvida sabia a resposta, e justamente por isso não queria responder.

Não houve piedade.

Você o assistiu ser espancado, assim como sua mãe. Sem poder fazer nada, impotente, fraca, inútil.

Quando aquela cena acabou, o mesmo homem te agarrou pelos cabelos, com força.

- Gostou do que viu, pirralha?

Houve um silêncio absoluto.

- Ow, agora você ficou muda? - Ele puxou seu cabelo com mais força, mas você se esforçou para não fazer nenhum barulho. - Vamos ver se vai ser assim por muito tempo.

Voltando aos seus pais, ele agarrou a mamãe e a fez levantar a cabeça, erguendo seu pescoço.

Ele tirou um canivete do bolso.

- Não, n-não, por favor...

Foi tudo que seu corpo conseguiu pronunciar com o choque.

- Ah, agora você fala! Sabe, normalmente ficar gritando não ajuda muito, mas acho que ficar quieta é pior ainda.

- F-filha, - Com um imenso esforço, mamãe disse palavras trêmulas. - não olhe. N-não olhe, por favor...

- Não! NÃO, NÃO! NÃO FAZ ISSO! - Antes que você pudesse correr até ele, os outros agarraram seu braço, te impedindo de se mover. - ME SOLTA! SOLTA MINHA MÃE! MEU PAI! DEIXA ELES EM PAZ!

- É isso que acontece, menina. É isso que acontece quando você deve algo aos Moretti's.

Sangue. Muito sangue.

Antes que você gritasse mais, ao máximo que podia, a garganta de sua mãe se desfez em sangue.

O tempo pareceu congelar.

O mundo pareceu perder sua cor.

Não havia qualquer outro som no universo.

E, algo dentro de você pareceu não ser mais o que era. Como se mudasse naquele exato momento.

Sem saber o que fazer, com as cordas vocais reclusas pelo choque, seu olhar se voltou ao papai.

Ele disse alguma coisa.

Disse poucas e fracas palavras, olhando no fundo dos seus olhos. Você não conseguiu reconhecer o que ele disse, pelo choque.

O sangue escorreu pela testa dele. Jorrou, e muito.

Sem tempo algum de processar qualquer coisa, papai teve o mesmo canivete atravessado em seu crânio.

Não podia ser real.

Os corpos foram jogados ao chão, como se não fossem nada, jorrando sangue.

Você quis gritar.

Quis se debater.

Gritar por seus pais e abraçar seus corpos sem vida.

Mas, tudo isso se juntou em uma coisa só. Raiva.

- AHHH!

Em um impulso, e junto ao grito odioso, sua primeira reação foi morder um dos imbecis que te segurava.

O mordeu, mordeu com tanta força que arrancou seu dedo fora.

- ARG! MERDA! ALGUÉM SEGURA ELA!

Se soltando do mesmo jeito que gritava, você pulou no capanga logo ao lado, arranhando seu rosto, socando, batendo, gritando cada vez mais.

Você estava fora de controle.

- SUA PUTA! - O mesmo que estava sem seu dedo, a socou. Você caiu no chão com o soco. - EU VOU TE MATAR!

- Opa! - O homem de cabelo castanho o segurou pela gola da blusa, afastando ele de mim. - Não, não vai.

- QUE?! ELA ARRANCOU MEU D-DEDO! T-TÁ DOENDO PRA PORRA!

- Não começa. Você conhece as regras. Se a gente encontra uma peça interessante, temos que levar pro chefe. E, pelo que eu tô vendo aqui... - Ele foi até você, passando os dedos por sua boca cheia de sangue. Seu corpo estava exausto, fraco com o gasto de energia frenético que seu corpo teve. - ela é o caso.

- TSC! TÁ DE SACANAGEM!

- Abaixa a porra do teu tom de voz e recolhe os corpos. A gente precisa se apressar.










[Horas depois...]









Um saco tinha sido colocado na sua cabeça durante todo o caminho. E, agora, você estava em um lugar estranho. Um bar pequeno, desarrumado, com poucas pessoas.

Todos homens assustadores na época, maiores e aparentemente mais fortes que você, eles te encaravam com olhares curiosos e mortais, encaravam o sangue em todo o seu corpo.

O cheiro de tabaco e fumo era eminente, o que te fez sentir vontade de tossir.

De repente, os homens que te trouxeram agarraram seu braço e te arrastaram até um certo alguém. Um homem velho e gordo, de cabelos grisalhos, um bigode mal feito e péssimo cheiro de charuto.

- Hm... - Ele fez um gesto com a mão, fazendo os três me arrastarem para mais perto. - é mesmo, parece interessante. - Ele tragou. - Numere a mercadoria e a coloque em treinamento amanhã. Vamos categoriza-la como mercadoria de proteção.

Foi tudo que ele disse depois dos três te arrastarem para uma escadaria que levava a algum lugar embaixo daquele bar.

Eles arrancaram os brincos de sua orelha, sem delicadeza alguma, e depois, colocaram algo diferente no lugar.

Depois, passando por um corredor sujo e escuro, eles abriram uma velha porta de madeira, que dava em um quarto pequeno e escuro.

E ali, você foi obrigada a ficar.

Havia uma pequena brecha de luz, causada por um buraco mínimo no teto.

Prestando mais atenção, você encontrou um pequeno caco de vidro. Com ele em mãos e indo em direção a luz, você procurou seu reflexo, vendo o que colocaram em sua orelha. Era um brinco de manejo, dos mesmos que as pessoas colocavam nos animais, para marcá-los.

No seu dizia 'zero-cinco'.

A partir daquela noite, nem mesmo uma pessoa você era mais. Agora, você era mercadoria.

A vida mudou, se tornou drástica, cruel, fria e dolorida em questão de horas. Seu corpo ainda estava confuso, perdido e com medo da escuridão.



















[...]

















Você não conseguiu dormir e mal sabia se haviam se passado só algumas horas ou um dia todo. E teve seu primeiro contato depois de horas, quando dois homens que você nunca tinha visto na vida.

- Hora de levantar, Zero-Cinco.

Eles te agarraram pelos braços e te arrastaram por, pelo menos, cinco minutos, até uma sala estranha, que tinha uma imensa porta de ferro.

Do outro lado, havia uma imensa sala, muito espaçosa e pouco iluminada.

Havia alguém lá.

Eles te largaram ali e fecharam a porta atrás de você.

O misterioso que também estava lá deu alguns passos que ficavam cada vez mais altos.

- Oi, de novo.

Era ele, mais uma vez. O homem que espancou e matou seus pais.

Seu corpo todo estremeceu, você não conseguiu dizer uma palavra. Suas pernas estavam fraca demais para fugir e, na ridicula tentativa, você caiu e começou a hiperventilar.

Seu corpo parecia entrar em completo estado de pânico. Como um animal assustado.

- Calminha ai, - Ele te agarrou pelo ombro. - me escuta, fedelha. Eu não sei seu nome e não quero saber. A partir de hoje você é a... - Ele agarrou a fixa em sua orelha. - 'Zero-Cinco'. E, só pra você saber, tu teve sorte e deveria me agradecer. Você virou mercadoria e eu praticamente salvei sua pele, porque poderia ter deixado meus caras acabarem com você. Por isso, me escuta. Meu chefe me deu ordens específicas e por isso, eu vou te treinar. Você vai obedecer como um cachorro e caso você não faça, vai acabar fazendo companhia aos seus pais. Entendeu?

Silêncio. Nenhuma palavra foi pronunciada. De qualquer forma, isso significava que você não ia se opor.

- Ótimo. Certeza de que você vai render uma boa grana.

















[...]




















Os primeiros dias de treinamento foram um pesadelo.

- Levanta logo, sua puta!

A cada passo mal dado.

- Você é inútil! Não consegue nem socar alguém direito?! Faz como você fez naquele dia!

A cada erro cometido, era um chute, um soco, um tapa.

- Porra, erra essa mira mais uma vez e eu juro que arranco a MERDA dos seus dentes!

Errar era doloroso.

Seus desejos foram reprimidos por algo dentro de você. Seu coração sabia o quanto você queria gritar e chorar, mas não conseguia. Era como se houvessem correntes que trancassem seu corpo e sentimentos de dentro para fora.

Às vezes, você mal se lembrava do seu próprio nome, de tanto responder a 'Zero-Cinco'.

O escuro era aterrorizante e sempre que te trancavam naquele cubículo escuro e frio, ao fim do dia, as imagens nítidas daquele horrível dia vinha a tona, e a sensação era que tudo que aconteceu antes de todo o caos, simplesmente nunca existiu. Como se nunca houvesse existido felicidade em sua vida, como se tudo se resumisse ao sofrimento e a dor.

A tal ponto, estar viva não parecia tão vantajoso.














[...]














Ele te socou, seu corpo foi ao chão. Era mais um dia de treinamento árduo e doloroso.

Já tinha mais de uma semana.

A dor já fazia parte da rotina e, mesmo que não deixasse de machucar, havia se tornado algo...com que você se acostumou.

- Quantas vezes eu já disse pra você acertar no pescoço?! Você é imbecil?! Quer que eu mesmo te mostre na prática?!

E, ao mesmo tempo que a dor se tornou rotineira, a convivência com aquele monstro sem nome também. Olhar para o ele, que matou seus pais, todos os dias, era parte dessa rotina.

E o problema com o costume, é que às vezes sentimos que com ele, podemos dar algum passo a mais.

- E-eu não posso...

- Como é?!

Foi a primeira vez em semanas que você disse alguma coisa.

- Eu não posso alcançar seu pescoço, s-se você for... - Era difícil respirar com a dor. - maior que eu.

Era tudo que você podia e conseguia dizer. E, mesmo a frase mais simples, foi um erro.

- Eu não tô nem ai pras suas desculpas! - Ele te agarrou pelos cabelos. - Quem você acha que é pra questionar o que eu tenho pra mostrar, sua puta?!

- Eu s-só...

- CALA A BOCA! - Ele tirou seu canivete do bolso e ergueu ao seu pescoço. - Eu deveria fazer com você o que fiz com eles...

Houve um silêncio assustador, acompanhado de poucos segundos que poderiam te levar à morte, caso qualquer erro fosse cometido. Sua vida estava nas mãos dele, desde o princípio esteve. Mas, desta vez, você já não sentia mais tanto medo.

Não sentia porque, viver não soava mais tão glorioso quanto antes.

Ele percebeu que a ameaça não te assustou, que sua expressão era neutra, vazia.

- Mas, o chefe te quer viva. - Ele afastou o objeto do seu pescoço. - Então, eu vou fazer do meu jeito.

Ele puxou seus cabelos com força e puxou seu canivete.

Seu cabelo foi cortado.

Você viu os fios caindo, mechas, mais, mais e mais mechas sem parar. Seus olhos se arregalaram.

Aquilo, aqueles cabelos que cresceram durante anos era tudo que havia testado dos toques de sua mãe. E ele destruiu.

Você reagiu como uma casca vazia, da mesma forma que tem feito ao longo das últimas semanas. Não se moveu, não disse, não fez nada.

Mas, no fundo, você sabia o quanto aquilo doeu. Como te corroeu até a alma.

Seu corpo quis desabar em lágrimas, mas não conseguiu.

Ele agarrou suas bochechas com força.

- Amanhã tem mais, - Ele tocou meu nariz com seu canivete. - putinha.

Você sabia que não dormiria naquela noite.



















[...]



















Mais um dia. O quarto escuro parecia um pouco mais iluminado. Talvez você esteja acostumado com a escuridão, mesmo que ela tenha se tornado um grande apavoro em sua vida desde que tudo isso começou.

Você se levantou com dificuldade quando escutou a porta abrir. Os machucados espalhados por seu corpo ainda doíam muito.

- Ei, Zero-Cinco, é hora de levantar. - Um homem, cujo nome você não sabia, mas já 'conhecia', por ele te trazer comida quase todos os dias. Ele segurava uma bandeja velha e uma caixa. - Sua comida e, isso aqui.

Ele colocou ambos no chão e arrastou com o pé até você, que se agachou para pegar ambos. Sua barriga não parava de roncar.

Ele saiu.

Você devorou aquele pão, já um pouco estragado, com aquelas batatas meio cruas.

Depois de matar sua fome, a caixa finalmente chamou sua atenção. Limpando o rosto, você se arrastou para abrir a mesma.

Suas sobrancelhas se ergueram. Eram roupas novas.

Só então, você olhou para si mesma e reparou que estava com as mesmas roupas desde aquele maldito dia. Com cheiro de morte e sujeira.

Era uma blusa de botão mais masculina e bermudas meio surradas.

Não pareciam sujas e não cheiravam mal. Na época, realmente não pareceu ruim.

Era melhor do que nada.

De roupas trocadas e descalça, como sempre, você bateu a porta, avisando a quem quer que estivesse ao lado de fora, que estava pronta para mais um sofrido dia.

O mesmo que te serviu a comida, abriu a porta, e te acompanhou até aquela imensa sala mal iluminada, que a tal ponto já havia se tornado um tipo de 'zona de treinamentos' para você.

Se lembra do quanto você estava habituada? Do quanto sua alma simplesmente...existia? Sem poder colocar os próprios sentimentos para fora? Sendo tratada como um animal por aqueles porcos?

Oh, sim, era horrível e você sabe o quanto.

Chegando, o mesmo monstro de sempre estava esperando, enquanto fumava um cigarro.

- Aham! Ela chegou.

- Finalmente. - Ele jogou o cigarro no chão e pisou. Seu rosto se ergueu e ele pareceu parar por um momento, te encarando, te olhando de cima para baixo por alguns segundos. Foi um pouco confuso. Ele costumava ser muito mais impaciente, direto, ativo. - Vamos começar.

Foi mais um dia árduo de treinamento. Felizmente, ou não, você já estava bem melhor desde o primeiro dia. Papai sempre elogiou sua capacidade de aprender rápido. Seu corpo tem sofrido muito menos com os espancamentos do monstro, mesmo que ainda acontecessem.

- Um, dois e três! Anda, vai!

Você repetiu os golpes no ar, de acordo com a contagem dele, assim como te foi ensinada, na base do espancamento.

E, foi repetido com perfeição. Por sorte!

- Hm... - Ele resmungou, brincando com seu canivete, totalmente sujo de sangue seco. Você odiava aquela coisa com todas as suas forças. - nada mal.

Você ficou surpresa com o elogio. Ele nunca te elogiava. Na verdade, ele nunca falava muito mais do que xingamentos.

Mas, ele não estava elogiando seus golpes.

Te alcançando em poucos passos e ficando frente a frente com seu corpo, ele tocou sua coxa com a ponta afiada da lâmina suja.

- Bom saber que você tem carne. - Ele pressionou com mais força, vendo a lâmina afundar perigosamente contra sua pele, a poucos passos de poder cortá-la. - Pelo menos isso você tem de bom.

Seu corpo todo se contorceu de nojo, por dentro, mas sua expressão se manteve vazia, como sempre.

Na época, você quase nunca abria a boca para falar qualquer palavra. Às vezes, se sentia como uma boneca vazia, que os outros levavam para lá e cá, fazendo o que quisessem.

Eles te esvaziaram, tiraram tudo de você, te levaram ao buraco. Te mostraram o lado mais feio da vida, mesmo sendo nova demais para sequer saber que uma vida como essa existia.

E, só pioraria.


















[...]



















Dias e mais dias se foram, já não se sabia mais a quanto tempo você estava ali. Duas semanas? Um mês? Provavelmente há um mês, mas não tinha certeza de nada.

Algumas coisas mudaram.

O quarto escuro se tornou mais 'habitável'. Você ganhou um colchão velho e um travesseiro, seu corpo ainda gelava durante a noite, mas pelo menos, era minimamente mais quente e confortável do que dormir no chão.

Depois de tanto tempo no chão frio, aquilo parecia a coisa mais confortável do mundo, mesmo que não fosse.

Eles já não trancavam mais a porta, mas, você era proibida de sair daquele andar, mas, como não haviam muitas coisas ali além do seu quarto e da sala em que treinava, não tinha muito o que fazer fora de sua cama.

Alguém havia largado uma caixa de livros velhos perto do corredor de seu quarto, e por um bom tempo, aquilo foi um entretenimento. Seu inglês melhorava cada vez mais, mas isso não importava tanto, já que você não dizia uma palavra.

Além do 'conforto' mínimo que foi conquistado, algo mais estranho também passou a acontecer.

Aquele monstro começou a te tratar melhor. De forma mais decente.

Ele já não te batia ou gritava. Claro, os palavrões não sumiram, nem os xingamentos. Mas, de longe, isso era pequeno perto dos espancamentos. Além do mais, ele parou de te levar além do seu limite, então, sempre que percebia seu eminente cansaço, te deixava parar.

Na época, na sua inocência melancólica e infantil, você achou que talvez ele estivesse com pena, talvez tenha escolhido te deixar em paz e pegar um pouco mais leve com você, ou quem sabe, estivesse começando a se sentir culpado pelo que te fez.

Ah, você era mesmo inocente...

Nesse mesmo dia, o treinamento foi cansativo, não absurdamente, mas foi.

Ele não tirou os olhos de você por um minuto. Nos poucos momentos em que algum erro foi cometido, ele simplesmente dizia "De novo", ou fazia cara feia.

A falta das agressões, dos gritos e xingamentos realmente fizeram diferença, mesmo que qualquer mínimo erro ainda te desse calafrios e causasse uma frustração interna gigantesca, a sensação era de que ele poderia te espancar a qualquer momento, mesmo que não fosse.

Cansada, você se recolheu e voltou ao seu 'quarto'. Seus braços estavam doloridos e seus pés, cansados, mas era melhor só estar exausta, do que machucada.

Te trouxeram comida, algo melhor do que o que te deram de café da manhã. Faminta, você devorou até o último pedaço.

Depois disso, o sono e a vontade de se deitar vieram a toda.

Aconchegada em seu travesseiro e se aconchegando no colchão, de costas para o resto do quarto, você fechou seus olhos, esperando que o resto do seu corpo se adaptasse ao sossego e a preparasse para o dia seguinte...

Você ouviu a porta se abrir.

A escolha foi ignorar. Provavelmente seria alguém vindo pegar a bandeja. Às vezes eles demoravam para pegar, ou nem pegavam.

A porta se fechou e...o problema realmente começou quando você percebeu que mesmo com a porta fechada, ainda haviam passos rondando seu quarto.

Algo não estava certo.

Você preferiu manter os olhos fechados, pensando que talvez, se fingisse estar dormindo, nada aconteceria.

Passos e mais passos. Eles iam de um lado para o outro.

E então, algo gelado tocou sua perna. Uma mão, cinco dedos trêmulas agarraram sua coxa com força.

Você conhecia a força daquelas mãos, a brutalidade daqueles toques você sabia quem estava lá.

O monstro.

Calafrios percorreram todo o seu corpo, tudo parecia muito confuso, você não sabia o que ele queria, a razão por estar lá, o que ele estava fazendo.

Tudo que você sabia era que, se abrisse seus olhos, provavelmente tudo seria pior. O que ele faria? O que queria esconder? O que queria fazer com você?

O aperto se tornou mais forte. Você o ouviu suspirar, a respiração parecia mais acelerada, por algum motivo aquela mesma mão tremia.

Você não estava entendendo.

Ele suspirava, fazia sons estranhos, xingava tão baixo que mal dava para entender.

Aqueles minutos, aqueles míseros minutos miseráveis pareceram durar horas. Era uma situação interminável, na qual você mal sabia o que estava acontecendo. A única esperança era de que acabasse logo, que ele fosse embora, para que você pudesse ao menos associar o que aconteceu.

Foi quando você sentiu algo úmido e quente se espalhar pela curva de sua coxa. O aperto enfraqueceu, ele soltou seus últimos suspiros, depois passos se distanciaram e a porta bateu.

Tendo a certeza de estar sozinha, seus olhos se abriram, e você se moveu para tentar ver o que havia acontecido.

Seu rosto se contorceu em confusão e repulsa. Suas coxas estavam manchadas por um líquido branco, gosmento, estranho.

Você não quis tocar. Era nojento, novo e muito estranho.

A princípio, foi difícil de entender...você era só uma criança.

Na mesma noite, você tentou se limpar com suas roupas velhas, que foram largadas em um canto. Você esfregou, esfregou, esfregou e esfregou mais.

Até que sua perna ficasse vermelha, até que ardesse, até que não houvesse nada.

Mesmo sem entender o que aconteceu, mesmo sem saber do que aquilo se tratava, você se sentiu suja, se sentiu...invadida.

Foi uma noite difícil, que você esperava nunca mais ter de repetir.














[...]



















Especulando, provavelmente já faziam quase dois meses que sua vida mudou totalmente.

Aquela noite se repetiu. Muitas vezes, desde então. Algumas coisas mudaram, mas pouco.

Agora, ele ficava em um canto, agachado, te encarando. Às vezes ele ficava mais perto, mas era mais incomum.

Mas, independente do quão longe ele estivesse, ele sempre deixava vestígios daquela coisa, antes de ir embora.

Por alguma razão, você sentia que algo estava prestes a explodir, algo vindo de dentro de você. Era estranho, como um pressentimento forte.

Aquela manhã tinha um gosto, um cheiro diferente. Não se sabia porque, mas aos seus olhos, o mundo parecia...diferente. Como se algo fosse realmente mudar.

Te trouxeram comida, você comeu devagar e depois arrumou seu colchão.

Saindo do quarto, os mesmos passos foram dados na sala de treinamentos.

Ele estava te esperando, olhando para o nada, como se não tivesse pisado no seu quarto poucas horas atrás.

Deixados sós, ele deu passos lentos até você.

-Luta corpo a corpo, agora. Vamos.

Em silêncio, você obedeceu.

















[...]

















- Já chega por hoje.

Ele largou seu braço. O treinamento foi muito ativo e você mal viu as horas passando. Não que você tivesse tanta noção de tempo nos últimos dois meses...

Entendendo que poderia ir embora, você se virou, indo em direção a porta.

- Onde você pensa que vai, hm?

Seus passos pararam no mesmo segundo.

Olhando soslaio, você o encontrou andando em sua direção, a passos lentos.

Ele estava com o canivete na mão.

Você engoliu em seco.

- Sabe, - Ele continuou andando, brincando com o objeto. Você instintivamente começou a andar para trás, se afastando dele. - eu venho te observando, bastante.

Seu coração começou a acelerar.

- E você não é burra. Você sabe disso. Do mesmo jeito que você sabe o que eu tenho feito enquanto te observo. - Ele chegava cada vez mais perto. - Eu salvei sua pele, eu te ensino todos os dias, eu perco a porra do meu tempo me estressando com os seus erros e não ganho quase nada em troca. Porra, você mal fala. Então, por tudo isso, por toda essa merda... - Ele sorriu, de um jeito assustador. - você me deve.

Seu corpo bateu contra a parede, ele te alcançou e cercou.

O canivete percorreu suas pernas, seu quadril e chegou a sua blusa.

Ele começou a rasgar.

- N-não...

O canivete parou.

- Como é?

Fracamente, você tentou empurrá-lo pra longe.

Mesmo que você não entendesse muito sobre o ato, o pouco que te foi explicado ao longo da vida e...com o que aconteceu nas últimas semanas, fez um estalo em sua cabeça.

Era nojento. Sujo. Horrível.

E você não queria, de jeito nenhum, muito menos com ele.

De repente, seus punhos foram agarrados com força! Você sentiu as unhas cravando em sua pele.

- Eu não perguntei, putinha. Eu MANDEI. Você não me ouviu, é? Você me deve isso!

Agarrando seus punhos com uma única mão, ele voltou a cortar sua blusa.

Não. Não, não, não, não, não, não, não, não, não, não! NÃO!

Seus olhos se arregalaram, seu coração se tornou uma locomotiva descontrolada, sua mente apagou, você não pensava em mais nada. Tudo estava em branco.

Seu corpo ferveu debaixo para cima e aquela mesma sensação incontrolável que te invadiu ao ver papai e mamãe sendo mortos, voltou.

A raiva. Uma raiva imensa, desgovernada, cega, persistente, forte demais. Ela tomou conta. O limite foi alcançado.

"Aquilo" que estava prestes a explodir era você.

Rangendo os dentes e praticamente rosnando, você deu uma cabeçada no monstro que te prendia. Ele te soltou, atordoado!

- AI! M-merda! QUAL A PORRA DO SEU...

- AHHHHH! - Antes que ele pudesse terminar, aos gritos, você correu, pulando em cima dele e o derrubando no chão. Você começou a socar, socar e socar. Sem. Parar. - NÃO! NÃO! EU NÃO VOU! - O nariz dele sangrava a cada pancada, cada vez mais. - EU NÃO SOU SUA! NÃO SOU UM NÚMERO! NÃO SOU UM BICHO! - Sua garganta doía. As lágrimas escorriam por seu rosto, respingando sangue. - VOCÊ MATOU ELES! VOCÊ ESPANCOU! FOI VOCÊ! - Sua própria mão começou a doer. - NÃO COMIGO! - Em um impulso nervoso,  você arrancou o canivete das mãos dele,  levando acima de sua cabeça. - CHEGAAA!

Uma garganta aberta.

Sangue. Muito Sangue. Ele engasgou como um animal.

Com as mãos trêmulas,  ele tentou alcançar o canivete que perfurou sua garganta, mas era incapaz de fazer muito mais que engasgar.

Só então, você sentiu voltar a si mesma. Olhando para as próprias mãos, piscando muitas vezes e encarando o resultado de suas ações morrendo em agonia.

Pela primeira vez na vida,  suas mãos foram usadas para matar alguém.

Sua mente quebrou.  Desmoronou.

- A-ah...AHHHHH!

Você gritou e se debateu desgovernadamente, enquanto chorava...de alívio.

Ao mesmo tempo que se sentia em pânico, também se sentia liberta.

Aquele monstro não te atormentava mais.

Em meio ao caos, você viu algo brilhar no bolso do...do corpo morto.

Trêmula, perdida, mas curiosa, você resolveu chegar mais perto.

Seus olhos se arregalaram e seu corpo quis se contorcer em repulsa quando viu o que estava lá.

Esse tempo todo...ele estava com os seus brincos. O presente que seu pai te deu. Naquele momento, aqueles pequenos objetos eram tudo que restava da vida que você viveu antes de todo o caos.

Foi o que sobrou.

O mais rápido que pode, você tentou pegá-los, sem encostar no corpo...e então, os apertou forte em suas mãos, sem nunca mais querer soltar.

















[...]
















- S-senhor! - Um capanga lhe pôs de joelhos em frente ao mesmo homem velho com quem se deparou quando pisou naquele lugar pela primeira vez. - ela...ela o matou!

O homem tragou seu cachimbo.

- Sozinha? Com as próprias mãos?

Ele perguntou com muita naturalidade.

- Com as próprias mãos.

- Hm... - Ele chegou mais perto, te encarando, encharcada por sangue. - considerando que ele era um dos nossos melhores, você me deu um baita prejuízo, garota. E eu não gosto de prejuízos. - Houve um rápido silêncio. - Livrem-se do corpo dele.

- O que?!

Todos em volta se espantaram.

- Não me ouviu? Livrem-se do corpo dele e arrumem um quarto pra ela.

- Mas, m-mas senhor...

- Se a fedelha é tão forte assim e derrubou alguém com o triplo do tamanho, ela pode ser útil. Útil até demais. - Ele jogou o cachimbo fora. - Qual é o seu nome, garota?

Você engoliu em seco, confusa com como as coisas estavam se seguindo. Fazia tanto tempo desde a última vez que pensou em seu próprio nome, que o disse ou o ouviu em voz alta.

- Ayuni El-Din.

- Sei... - Ele te avaliou de cima a baixo por alguns segundos. Ver todos te analisando com tanto interesse estava ficando cansativo, e geralmente não era seguido por algo bom. - Ayuni, eu tenho uma proposta para você. Você pode continuar matando meus empregados e no final ser vendida, quem sabe, acabar morta em uma vala, ou...você ode trabalhar pra mim. Pode ter uma vida de verdade, um trabalho, comida, um treinamento melhor e um quarto decente. Tudo isso, com tanto que você trabalhe para os Moretti's. Para mim. Para o Don. Se você se mostrar útil e obedecer, quem sabe você não possa se dar bem. Agora, se você for inútil...saiba que não vou hesitar em me livrar do seu corpo. - Ele sorriu e estendeu a mão a você. - E então, temos um acordo? Vai deixar de ser a mercadoria 'Zero-Cinco' para ser uma de nós?

Depois de tudo que te fizeram passar, dos espancamentos, do frio e da fome...eles ainda queriam que você se tornasse parte daquilo.

Por míseros segundos sua vontade era fazer com todos ali à volta, o que fez com aquele monstro.

Você lembrou de seus pais. Lembrou de como eles eram boas pessoas, como não mereciam tanta dor, não mereciam ser tão maltratados por pessoas tão imundas. Seu sofrimento também foi lembrado. A fome, a sensação de ser um animal, de apenas existir e fazer o que os outros mandam, ser obrigada a aguentar um doente jorrando porra em suas próprias pernas,sem poder fazer muito a respeito, com medo de por sua vida em risco...

Tudo isso, te despertou raiva mais uma vez. Mas, uma raiva diferente.

Uma ferida incurável, um corte que rejeitava pontos, um parasita que nunca mais abandonaria sua mente e coração. Traumas que você levaria para sempre.

A raiva se tornou desejo por vingança.

Você não sabia como, quando, com que ajuda ou de que maneira faria, mas o desejo de vingança era inegável e impossível de ser silenciado.

- Eu quero.

Você aceitou o aperto de mão, e o velho sorriu.

Você escolheu viver, escolheu viver para vê-los pagar, usando de suas próprias mãos. Você escolheu chegar ao topo e acabar com os vermes que destruíram o que você amava.

Essa foi sua escolha, desde que tudo começou!
















[...]
















Senti ter domínio de meu corpo e voz de novo, só assim percebi que tinham lágrimas escorrendo pelo meu rosto!

- Você precisava ouvir tudo isso. Alguém deveria te lembrar a razão pela qual você faz o que faz! O objetivo era chegar ao topo e acabar com aqueles que acabaram com a SUA vida! Você acha mesmo que ir contra eles e virar empregadinha de um fedelho mimado é estar acima deles?!

- NÃO SE TRATA DISSO! Eu não esqueci o papai e a mamãe, e nunca vou. Eu mal sei onde eles estão, se foram enterrados ou queimados! Como acha que eu me sinto sobre isso?! Eu penso todos os dias, o tempo todo...do mesmo jeito que também penso no que eles me ensinaram. Como me ensinaram a ser uma boa corajosa, uma boa pessoa, alguém que protege as coisas que ama e se importa com! - Enxuguei as lágrimas em meu rosto. - Eu tenho certeza de que eles não se orgulhariam de tudo que eu fiz nos últimos anos, mas, pela primeira vez, eu tenho como fazer diferente. Eu...encontrei algo com o que me importo, pessoas que eu me importo de verdade e que quero proteger, como eles me protegeram no pior dos momentos. Eu NÃO vou abrir mão disso! Não vou ignorar o que eles me ensinaram...eu vou me vingar dos Moretti's, mas não vou derramar o sangue das pessoas que viraram minha família, não vou mais ser uma cadela daqueles MONSTROS! Você pode falar o que quiser, pode me atormentar com os piores pesadelos que conseguir, vai em frente! Mas, você sabe tão bem quanto eu, que as minhas novas decisões tem tudo a ver com o que eles me ensinaram, e não vão me impedir de me vingar dos deles.

- VOCÊ ESTÁ SENDO UMA VADIA IMBECIL!

- Ha! - Eu ri, o que pareceu atordoar minha voz sabotadora, escondida na escuridão dos meus pensamentos. - "Vadia imbecil"? Você sabe muito bem o quantas vezes eu ouvi isso dele naquela época. Eu não tenho medo. Pode continuar me xingando e me fazendo reviver tudo isso, eu não vou mudar de ideia.

Cruzei os braços, firmemente!

- URG! VOCÊ QUEM SABE!





- Amelia?! AMELIA!

- A-ah?! - Abri os olhos, desorientada. Aos poucos, vi rostos familiares e preocupados à minha volta. Meu-rin, Bard e Finny me encaravam, preocupados. Fiquei confusa. - O que houve? O-onde nós estamos?

- No jardim! A gente combinou de cochilar na grama depois do almoço!

- Isso! - Finny complementou. - Aí você dormiu, e quando a gente tentou te acordar, você não levantava de jeito nenhum!

- O Bard considerou jogar um balde de água em você!

- Qual é! Eu fiquei preocupado, que nem todo mundo! Só queria resolver o problema, tá?!

Sorri, vendo os três discutindo suas bobas soluções.

- Eu estou bem. Só acabei dormindo demais! - Sorri, acariciando os cabelos de Finny, que sempre amou isso. - Vamos voltar ao trabalho?

Os três concordaram, se levantando comigo enquanto falavam bobagens.

Mamãe, papai, a vida aqui definitivamente não é ruim. E, eu acho que encontrei aquela família que a mamãe sempre disse que eu gostaria de ter e proteger.


Acho que estou no caminho certo, dessa vez.




















*

Meus queridos leitores, agora vocês oficialmente conhecem toda a vida de Ayuni El-Din, as razões por trás de seus traumas e atitudes. Olha, acho que foi o capítulo mais pesado que eu escrevi até agora.

Muito obrigada pela paciência e por entenderam toda a dor de cabeça e falta de tempo que o vestibular acaba me causando, hehe...

De coração, não esqueçam de interagir ao longo do capítulo e dar suas opiniões, os comentários de vocês me incentivam a escrever e sempre dão um gás a mais!

Não esqueça de deixar seu voto "⭐️" e comentário!

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