VII - Frio

15/02/1888 - Quarta-feira


- F-filha, n-não - Sague, sangue e sangue corria pelo rosto da mamãe. - olhe. Por favor!

- MAMÃE, PAPAI! NÃO!

- Tá vendo, putinha? É isso que acontece - Aquele moço puxou o cabelo da mamãe! Ele apontou aquela coisa horrível pra ela! Eu não quero mais! - quando as dívidas não são quitadas.

- NÃO MOÇO! NÃO, NÃO, NÃO!


- NÃO! PARA! AH! A-ah... - Meu peito ardia, batendo forte no peito. Senti meus olhos umedecerem. Lágrimas. - desgraça.

Foi tudo um pesadelo.






[...]






- Amelia, você não parece bem.

- Tenho, está tudo bem. Não precisa se preocupar comigo.

- Não sei não. Você deveria falar com o chefinho e o senhor...

- Arg! Minha cabeça!

Os dias na mansão Phantomhive não são fáceis, pude perceber isso assim que comecei meus trabalhos por aqui. Mas hoje, quando coloquei os pés para fora da cama, sabia que seria mais difícil que o normal.

Acordei incomodada com minha respiração, eu custei levantar, por falta de ar, e meu corpo não parava de tremer; evitei até tocar minha própria pele, eu me sentia fria como um cadáver. E, até agora, só parece piorar.

Não consegui prestar atenção nas ordens do senhor Sebastian, pela manhã. Esqueci minhas próprias tarefas umas três vezes e tive que perguntar a Mey-Rin. Troquei o sabão em pó por sal por acidente, me furei ajudando Finny a podar as rosas, não consegui tomar café da manhã ou lanchar e senti tontura três vezes diferentes.

Sem falar no cansaço e no sono, mesmo depois de dormir a noite toda.

- Amelia, tem certeza mesmo de que não quer descansar? Nem dormir um pouquinho só?

- Não posso, Finny. Tenho que, ahm, o que era mesmo? A-ah sim, tenho que ir à cozinha ajudar Bard a preparar uma Banoffee Pie e...

- E?

Me perdi completamente no meu raciocínio. Minha cabeça parecia girar.

- D-desculpe, esqueci o que ia dizer. Bom, eu vou à cozinha. Se precisar de mim estarei lá.

- Tudo bem. Mas por favor, descansa um pouco...

- Pode deixar.

Eu não tenho tempo para isso, preciso terminar os trabalhos. Tenho muito o que fazer.

Fiz o longo percurso do jardim até a cozinha, cambaleando de um lado para o outro, mas nada que não pudesse aguentar.

- Bard? B-Bard?

- Procurando alguma coisa?

Senhor Sebastian estava em frente ao telefone da cozinha, anotando alguma coisa em sua prancheta.

A situação de ontem não desapareceu totalmente, vez ou outra, durante a manhã, pude jurar tê-lo visto me observando pelos cantos da casa.

- Baldroy. O senhor o viu?

- Não, mas que bom que a senhorita apareceu.

- Hm?

- Bom, já que a senhorita tem se mostrado tão útil, poderia fazer a gentileza de me ajudar com uma tarefa? Se for capaz, claro.

Só pode estar brincando comigo. Não tenho disposição para isso hoje.

- É claro. Do que o senhor precisa?

Ele sorriu, arrancou uma página de sua prancheta e caminhou até mesa da cozinha. Colocou o pedaço de papel e seu lápis sobre a mesma e se sentou.

- Pode me ajudar a montar a lista de compras da casa?

É uma piada, só pode ser.

- Com todo respeito senhor, acredito que o chefe dos empregados deveria estar ciente dos itens que precisam ser repostos, não?

Não pude perder a oportunidade de alfinetá-lo.

- Infelizmente estive muito ocupado para verificar nosso estoque de comida. Mas como a senhorita tem passado bastante tempo na cozinha com Baldroy, imaginei que pudesse escrever para mim algumas das coisas que estão faltando. Afinal, somos todos colegas de trabalho. Não concorda?

Não entendo quais seriam as intenções com isso. Me fazer perder tempo? Me atarefar com coisas inúteis? Me provocar? Simplesmente me infernizar? Não tenho ideia.

Mas uma coisa eu sei, ele é persistente.

- Sim senhor.

Me sentei à sua frente, peguei o pedaço de papel e o lápis, começando a escrever tudo que vinha à minha mente.

- Alguns temperos estão faltando na casa, imagino que seria uma boa ideia reabastecer nosso estoque. Precisamos de cinco cebolas, dez tomates e uma nova cesta de pães.

- Achei que não soubesse os itens que faltavam.

- Estou ciente de alguns.

- Compreendo. - Voltei a escrever, ainda sem entender o motivo desse pedido estúpido. - Acredito que meia dúzia de ovos seria um boa compra.

- Fique à vontade para anotá-los.

Continuei a escrever enquanto ele observava cada movimento meu, de maneira incômoda. É como se estivesse me analisando. Em minha visão periférica pude ver que seus olhos praticamente não se moviam, estavam fixados em minha figura. Ele sequer piscava. Estava tirando minha concentração!

- Perdão senhor, mas costuma ser tão observador?

- Às vezes.

- Às vezes?

- Apenas com aqueles que me deixam perplexo.

Ele disse com tanta simplicidade, calma, como se não fosse algo estranho de se dizer quando se está encarando alguém. Perplexo? O que quer dizer com perplexo?

Optei por ignorá-lo e continuar escrevendo, desviando totalmente do assunto.

- Frutas vermelhas, farinha, pão fresco, ovos, leite, temperos e um pouco de licor, isso é tudo. O senhor precisa de algo a mais?

- Não. Já consegui o que precisava. - Ele recolheu o papel e o lápis da mesa. - Muito obrigado pelos seus serviços, senhorita Amelia.

Ele agradeceu com o mesmo sorriso de sempre e foi embora.

Estranho.






[...]






- Sua cara tá péssima hoje.

- Obrigada por reparar. - Parei de cotucar meu brinco e o encarei feiamente. - Muito gentil, Bard.

- Hehe, desculpa por isso. Mas o que você tem?

- Não sei, eu acordei assim. - Esfreguei meus olhos e respirei fundo. - Podemos por favor nos concentrar na receita?

- Ei, ei, calminha ai. Tem alguma coisa te incomodando.

- Não, não tem.

- A é? Então deixa eu adivinhar. Hm... - Ele olhou para cima com deboche, enquanto tirava seu maço de cigarros do bolso. - Sebastian tá pegando no seu pé?

- Ah?!

- É, eu sabia!

-  C-como você...

- Vocês dois não parecem se entender muito bem. Pelo o que parecia quando ele sentou pra jantar com a gente. Sem contar que vocês dois vivem de cara feia um pro outro, não sou besta de não perceber.

- Ah Bard, desculpe por isso, eu sei que vocês o admiram, mas às vezes ele é tão...

- Chato? Enjoado? Exaustivo? Metido? É, eu também acho.

- Espera, você realmente não se dá com ele?

- Não é bem isso. Eu sou agradecido pelo que ele já fez e tudo mais, - Ele pegou um cigarro qualquer e colocou entre os dentes. -  ah enfim, não nos damos por outros motivos.

- Outros motivos? Ele te fez alguma coisa? Se fez, sabe que pode falar com o Jovem Mestre, certo?

- N-não! Ah! Não é nada comigo. É que, não sei, bem... - Bard tirou o pano de prato de seu ombro e secou a testa suada. - não gosto muito do jeito que ele trata Mey-Rin.

- Mey-Rin? Como assim?

- Não sei, é estranho. Ela, e-ela gosta dele, admira ele, mas ele não dá a mínima, ele trata ela como uma qualquer, como uma...

- Empregada?

- É.

- Mas Bard, isso é exatamente o que todos nós somos.

- Eu sei mas, ela é, p-pra mim ela é diferente.

Baldroy?! Se for o que estou pensando, seria um estranho. Afinal, eles parecem se odiar quase o tempo todo.

- Tem sentimentos por ela?

Preferi ser mais direta. Não estou lá nos meus melhores dias para enrolações.

-...

Ele se manteve quieto, não disse uma palavra, e nem precisava.

- Bard, por que não...

- Tá, tá, eu sei! Não precisa me falar. A gente tá sempre brigando, sei disso. Pego no pé dela, falo besteira e deixou ela maluca quando espalho cinzas pelo chão, ou quando me atraso de manhã. Mas, as vezes parece que esse é único jeito de chegar perto dela, de ter atenção! Merda, ela só fala do Sebastian o tempo todo, de roupas e de coisas pra decorar a casa! Eu não sou bom com esses assuntos. Além disso, eu não sou bom com mulheres, - Ele ficou quieto e olhou para os cantos, incomodado. - não me relaciono desde que...

Ele falava e falava como se tentasse se justificar. No fim ele travou a língua, freou rapidamente como se estivesse tentando impedir que algo escapasse de sua boca.

- Bard?

- Nada, não é nada. Eu só, s-só faz muito tempo desde a última vez que gostei de alguém. Nem sei porque abri a boca pra te contar sobre isso. Mas, eu guardo isso pra mim a muito tempo e não sei nem por onde começar. O Finnian é novo demais pra entender, não posso dizer nada pra Mey-Rin e o mesquinho do Sebastian, urg, por mim eu não olharia na cara dele o dia todo!

Um homem que assiste, todos os dias, a mulher que gosta  admirar outro homem, sem poder fazer nada a respeito, ou dizer qualquer coisa.

Digno de pena. Patético.

Deve ser "tão difícil" para o pobre Baldroy. Tão difícil não ter alguém para compartilhar seus segredos mais obscuros e frustrações mais conflitantes...

Um problema para ele, e uma grande utilidade para mim.

Preciso ser a boa amiga Amelia, certo?

- Ei... - Coloquei a mão em seu ombro, seus olhos encontraram os meus rapidamente. - sei que não faz tanto tempo assim que estou aqui, mas assim como Finny e Mey-Rin, sou sua amiga. Não precisa ser agora, mas quando se sentir mal e frustrado com algo pode compartilhar comigo. Pode confiar em mim.

Ele sorriu e ficou quieto, simplesmente não disse nada...

- Bom, eu vou...

- Ei, - Ele segurou meu punho, sem ser bruto. - espera ai.

Não gosto muito que me toquem.

- Sim?

- Você é uma boa amiga, de verdade. Fico feliz que o Jovem Mestre tenha te escolhido.

- Eu também fico muito feliz.






[...]






- Mey-Rin, espere! S-só um pouco...

- O que houve?!

- Me sinto tonta, de novo.

- Amelia, não pode continuar assim! Precisa descansar um pouco.

- Eu não posso. Ainda temos muito o que fazer.

- Não importa! Olhe só pra você. Sua pele está gelada, você está pálida e suas mãos estão tremendo!

- Mas eu...

- Por favor, sem "mas", você já se forçou muito. Volte ao seu quarto e coloque algo mais confortável. Vou pedir ao Bard que prepare uma sopa quente para você! E não se preocupe com as tarefas, avisarei ao Jovem Mestre que você não está bem.

Com certeza seria uma grande perda de tempo passar o resto da tarde deitada, mas meu próprio corpo estava me sabotando. As dores de cabeça martelavam como uma marreta; minha pele continuava fria como a de um cadáver e mesmo assim eu continuava suando; vez ou outra senti minha visão desfocar, minha concentração estava se perdendo cada vez mais e a tontura continuava insistindo em me derrubar. Era difícil até mesmo respirar.

Eu não aguentaria ficar de pé por muito tempo. Talvez minutos.

- Promete que vai conseguir cuidar de tudo sozinha?

- Prometo! Agora... - Ela retirou o cesto de roupas que estava em minhas mãos. - Desça as escadas devagar e vá deitar um pouco.

- Ah, está bem...

Desci as escadas devagar, muito devagar a tentativa de evitar que tudo começasse a girar novamente.

Atravessei o salão principal, a sala de jantar, a cozinha e finalmente cheguei ao corredor de nossos quartos. Sinto que não aguentaria dar mais de dez passos a essa altura.

Eu só queria me deitar e...

Minha porta está aberta. Por que?

Tive certeza de tê-la fechado de manhã. Nunca deixo nenhuma porta aberta, é um hábito, uma mania. Tenho profunda agonia de deixar qualquer porta que seja, aberta.

Tem algo errado.

Caminhei lentamente, sem fazer alarde. Mesmo fraca tentei me manter atenta e preparada para qualquer coisa que fosse. E quando estava perto o suficiente, empurrei a porta com força.

- VOCÊ?!

- Ora, quanto escândalo.

- O que está fazendo no meu quarto?!

Sebastian estava em frente ao meu armário, praticamente o revirando. Minhas roupas foram todas deixadas em cima da cama, o piso estava fora do lugar e as gavetas de minha escrivaninha abertas. Que MERDA ele estava fazendo?!

-...

- Vamos! Que diabos estava fazendo aqui?! Exijo saber que tipo de invasão e privacidade é...

Como um raio, ele atravessou o quarto, fechou a porta e ficou com seu rosto a pouquíssimos centímetros do meu. Sequer pude piscar enquanto ele se movia, não pude ver como ele fez tudo aquilo.

- Quieta.

O que diabos era isso?!

- O que você pensa que...

- Tem algo diferente com você, senhorita. Muito diferente.

- O que está insinuando?!

- Você tem um rosto muito quadrado, sobrancelhas muito grossas; seus olhos me parecem diferentes e, óbvio, sua pele é morena demais para ser uma inglesa de nascença ou de sangue; você é claramente canhota mas só come com a mão direita; você conhece comidas de culturas muito divergentes e extremamente específicas para alguém que é, supostamente inglesa, senhorita. Você não come carne de porco e por isso sempre prepara peixe ou frango, outro fato bem interessante é que a senhorita tem um sotaque que, convenhamos, não soa nada londrino. E por fim, mas não menos importante... - Ele levantou sua mão livre, ele estava com meu caderno nas mãos. - tem um "diário" secreto que esconde em baixo do piso. Falando sério senhorita Amelia, se esse é mesmo seu nome, quem é você?

A adrenalina e o nervosismo tomaram conta do meu corpo. Estava à beira de um precipício, perto de ser empurrada, com a máscara perto de cair.

Não tinha para onde fugir, eu precisava enfrentá-lo, se não eu seria descoberta. Eu poderia não sair viva.

- Olhe só para você, tirando conclusões precipitadas sobre uma serva e sendo extremamente invasivo! Você pode até não gostar de mim, implicar comigo e me provocar o dia todo, mas... - Arranquei meu caderno de suas mãos. - invadir minha privacidade e mexer nas minhas coisas já é demais! Não é porque o senhor é o chefe dos empregados que devo tantas satisfações a você, na verdade, eu não devo NADA a você, devo apenas ao Jovem Mestre! E falando nisso, acho que ELE gostaria de saber o que está acontecendo!

O empurrei para longe de mim e sai do quarto.






[...]






- Consegue me explicar o que é essa papelada que me enviaram, Senhor Oscar?

- O-os resultados deste mês, s-senhor Phantomhive.

- Ah claro, eu sei disso. E sabe o que mais sei?

- O-o que senhor?

- Que nossas compras caíram em cinco por cento graças a seus cálculos estúpidos. E veja só... - Não pude me conter e acabei rindo, ri de indignação já que a situação não parecia real. - eu achei que estava lhe pagando para ser um contador, para impedir esse tipo de situação. Irônico, não acha?!

- M-mas senhor, não é possível! Eu, e-eu tenho certeza de que fiz tudo corretamente! Eu juro que...

- Bom, então quem sabe seja uma boa ideia checar novamente! Ou melhor, quem sabe não deveríamos checar os relatórios do mês passado? Ah sim, certamente seria coerente, assim podemos descobrir se você ainda se lembra de que cinco e cinco resultam em dez!

- C-conde, e-eu sinto muito! M-mas o senhor está sugerindo que eu cheque todos os resultados do último mês? A-afinal nós ainda...

- Oh não, não seja tolo. Não estou sugerindo que cheque, estou mandando. Ou melhor, cheque todos os resultados do ano até agora. Afinal, não te contratei para brincar com pelúcias e provar chocolates, ou contratei?

- Sim senhor! S-só por favor, n-não me mande embora. Eu tenho esposa, tenho filhos.

- Não seja ridículo, não se preste a esse papel.

- Mas senhor...

- Aqui vai uma ideia, que tal levar os relatórios para casa? Quem sabe seu filho de sete anos saiba matemática melhor que você. Agora resolva logo isso, antes que eu mesmo o faça!

Desliguei o telefone antes que me estressasse mais como o imprestável. Sinceramente, um prejuízo de cinco por cento nas vendas causada por uma simples conta de divisão?! Passei a tarde toda revirando setenta e cinco páginas para descobrir isso?! Que maldito!

Esse simples erro de cálculo que me causou prejuízos e atraso nas vendas tomou toda a minha manhã e metade de minha tarde. E isso não é nem metade da papelada que tenho para resolver.

Não tem como ficar mais insuportável!

Paf!

- Senhor!

A porta do escritório se abriu em um estrondo!

- Ah! Amelia?!

- Desculpe entrar dessa forma, mas preciso fazer uma denúncia!

- Denúncia? Que tipo de...

- Com licença, Jovem Mestre.

Sebastian apareceu logo atrás dela. O que era isso?!

- Me seguiu até aqui?!

Ela encarava Sebastian, parecia revoltada. Com certeza tinha algo de errado.

- Sinto muito, mas a senhorita...

- Vocês dois! Que diabos está acontecendo?!

- Senhor, minha denúncia se trata de Sebastian. Tenho sofrido perseguições constantes de seu mordomo! Seus preconceitos com minha pessoa e implicâncias desnecessárias têm prejudicado meu trabalho! Além disso, o mesmo teve a audácia de invadir meu quarto e minha privacidade! Acredito que, como empregados, devemos todos nos respeitar e seguir as regras! Compreendo e o respeito como chefe dos empregados mas...

De repente Amelia parou de falar, enquanto olhava para mim sua expressão foi de indignada para algo diferente, parecia desconforto. Seu peito começou a subir e descer muito rápido, ela começou a hiperventilar e ficou pálida como um fantasma.

- Amelia?!

- S-senhor eu, e-eu não, não me sinto...

Sem mais nem menos ela caiu, desmaiou!

- Sebastian! Chame Sullivan, agora mesmo!

- Yes, my Lord!






[...]






- Ah, o-onde eu... - Olhei em volta, minha visão ainda estava turva e demorou se ajustar. Quando pude enxergar melhor vi Bard, Finny e Mey-Rin próximos, pareciam preocupados. O Conde estava não muito atrás dos três. - o que, q-que aconteceu?

- Olá? Está me vendo? Me ouvindo?

Uma menininha de cabelos pretos e jaleco verde apareceu em minha frente.

- Quem é v-você?

- Uma pena nos conhecermos desse jeito! Eu sou Sieglinde, amiga do Ciel.

- Nós não somos...

- Enfim, me diga. Como a senhorita se sente?

Ela disse colocando seu estetoscópio sobre meu tórax.

- F-fraca. Ma-mas o que você está...

- Ah não se preocupe, eu sou tipo uma médica, sabe? Você vai ficar bem!

- Não abuse, Sullivan. Só diga o que houve.

Ouvi a voz do Conde, que parecia impaciente, de longe.

- A-ah, desculpinha! Bom, a senhorita teve uma hipotermia. Vejamos, pele fria e pálida, tremores, dificuldade para respirar, confusão mental e sonolência. Você apresentou todos esses sintomas.

- Mas, por que desmaiei? E-eu estava melhorando quando fui ver o Conde.

- Hm, provavelmente algo te causou uma descarga de adrenalina no momento em que não se sentiu debilitada. Seu corpo não aguentou tanta agitação quando a adrenalina caiu e você desmaiou. Você lembra o que te deixou assim.

Olhei em volta mais uma vez. Dessa vez pude ver Sebastian, parado ao lado da porta, me olhando com uma expressão vazia. Não havia culpa, arrependimento, preocupação ou qualquer coisa diferente disso. Era o momento ideal, eu poderia colocar a culpa nele, acusá-lo na frente de todos e manchar sua imagem de mordomo perfeito.

- Não. Eu não me lembro.

- Hm, entendo. O importante é que você está bem. Recomendo que se mantenha agasalhada e opte por comer comidas quentes, sopas e chás. Como não é nada grave, o importante é fazer sua temperatura corporal se estabilizar. Vocês três aí, podem cuidar dela?

- Claro que podemos! Não se preocupe Amelia! Vamos cuidar direitinho de você!

Mey-Rin disse, tirando uma mecha de cabelo do meu rosto.

- Isso! E eu vou preparar uma sopa deliciosa pra você!

- E eu vou te trazer cobertores quentinhos!

Os três saíram correndo do quarto, empurrando uns aos outros.

O Conde continuou lá, longe do mordomo.

- Amelia.

- Sim, senhor?

- Tire os próximos dias para descansar. Me encarregarei de cuidar da "situação"... - Ele pareceu lançar um olhar assassino ao mordomo. - enquanto isso me certificarei de que Baldroy e os outros cuidem de você. Se precisar de qualquer outra coisa ou adoecer novamente, chamaremos Sullivan ou te levaremos à cidade.

- Muito obrigada senhor, e obrigada senhorita Sullivan.

- De nada! Uma pena te conhecer nesse estado, mas tenho certeza de que vai melhorar rapidinho!

- Espero que sim.

Eu definitivamente não imaginava que as coisas chegariam a esse ponto.






[...]






De volta ao meu escritório, encarava de pé a paisagem fria e acinzentada que meus jardins proporcionavam. Sebastian estava logo atrás de mim, parado, sem dizer uma palavra.

Senti que havia ido ao inferno e voltado, estava irritado, aborrecidíssimo! Como ele ousava?! Como ousava desobedecer minhas ordens?! Me causar problemas, dores de cabeça?! Como se tudo que tenho a resolver já não fosse o suficiente! Esse, esse...

Slap!

Me virei rapidamente e desferi um tapa em seu maldito rosto! Sua reação foi a mesma de sempre, simplesmente não reagir.

- Ficou completamente louco, por acaso? Quer perder o respeito dos outros empregados, é isso?

- Eu sinto muito pela petulância, senhor.

- Sente muito? A é, você sente? Hahaha! Que engraçado! Sabe, eu realmente acreditava que, já que você vive dizendo ter tanta "experiência de vida" seria o menos incompetente entre todos eles, mas aparentemente estava redondamente enganado, já que você não consegue seguir simples ordens e seguir um maldito contrato! Agora vamos, repita para mim, o que eu te disse ontem, mesmo? Acho que preciso refrescar minha memória.

- Disse que não mandaria a senhorita Amelia embora, senhor.

- Ah, é claro! Exatamente! E vejamos, o que você fez mesmo? Ah sim, perseguiu a garota durante quarenta e oito horas inteiras! E este maldito caderno... - Arranquei o objeto de meu bolso e o joguei em cima da mesa. - "O Conde Phantomhive possui asma. Possui grande afinidade com comidas doces e suas preferidas são blá, blá, blá!"; "Preciso evitar os abraços de Finnian, não devo fazer legumes crus para o Conde e etc.", isso são informações básicas, seu idiota! Que diabos você queria com isso?!

- Sinto muito senhor. Imaginei que se tratava de algo mais sério quando descobri que o objeto estava escondido embaixo do piso.

- É claro que estava embaixo do piso! Afinal, o que mais ela faria se achava que havia um tipo de pervertido a perseguindo dentro de casa!

Joguei o caderno no peito de Sebastian, que não fez diferença alguma. Bati minhas mãos na mesa, em agitação. Não demorou muito para que a dificuldade de respirar viesse, maldita asma, era muita agitação para um intervalo de tempo tão pequeno.

- Bocchan, respire fundo. Conte até...

- Cale a boca, não fale uma palavra... - Contei até quinze, como ele diria. E mesmo com a dificuldade para respirar insiste em continuar. - preste atenção, escute bem porque não vou repetir. A raça dessa garota, de onde ela vem ou porque o sotaque dela é esquisito não me interessa e não deveria te interessar também. Entendeu?!

- Sim, Bocchan.

- Ela é útil, serve de alguma coisa e não a mandarei embora. Se um dia ela representar uma ameaça, se um dia eu achar que ela deve sumir, então VOCÊ fará perante MINHAS ORDENS, nunca fora delas. Sinto muito se você não consegue engolir esse fato ou se você é simplesmente idiota, mas você Sebastian Michaelis, estava ERRADO! E assim que ela conseguir levantar daquela cama, você será o primeiro a ir até ela para se desculpar. Fui claro, demônio maldito?

- Yes, my lord.

Ele se curvou sem retrucar, questionar, se mostrar orgulhoso ou arrependido.

Mas eu? Ah, me senti maravilhosamente bem, no fundo eu sabia, ele sabia que havia perdido, que estava errado, que havia se humilhado, enganado pelo próprio orgulho narcisista.

Amelia, você acabou de criar uma grande diversão para mim.

- Agora saia daqui e comece a procurar um novo contador. Vamos demitir o senhor Oscar.






[...]






Bard voltou ao meu quarto com uma bandeja de sopa e chá quente.

- E então, - Ele estendeu a bandeja a mim. - como tá se sentindo?

- Melhor. Meu corpo parece menos gelado. - Peguei e coloquei a bandeja em meu colo. - Obrigada, Bard.

- De nada, e que bom que se sente melhor. Sério, você tinha que ver a cara da Mey-Rin quando ela ficou sabendo do seu desmaio. Ela não sabia nem pra onde correr.

- Ha! Acho que consigo imaginar. Mas não foi nada demais, já me sinto melhor.

- Você deveria ter avisado que não estava bem pra trabalhar.

- Eu sei, mas não imaginei que chegaria a esse ponto. Vou avisar na próxima vez.

- Além disso, o que te deu pra desmaiar tão de repente? Aconteceu alguma coisa que te estressou ou aconteceu de repente?

- Ahm... - A cena de Sebastian mexendo nas minhas coisas veio a mente. - foi de repente.

Apesar de tudo, eu não queria que essa situação criasse um escândalo com os outros servos. Não seria nada bom para mim.

- Que merda. Tomara que não aconteça de novo.

- Não vai, eu tenho certeza.

- É, eu espero mesmo. Seria melhor se você deixasse os próximos sustos pro Halloween, pode ser?

- Haha, anotado! - Peguei a colher sobre a bandeja e provei um pouco de sua sopa. - Hm, está bom mesmo. Você quem fez?

- Ahm, talvez...

- Talvez?

- Tá bem, Mey-Rin deu uma ajudinha. Não sou muito bom com sopas.

- Com sopas? Preciso te dar umas aulas de culinária.

- É, seria uma boa aprender umas coisas novas, quem sabe!

Eu segui comendo, mas ao invés de sair, Bard continuou parado ali, agachado perto ao lado da cama. Vez ou outra ele me encarava do nada...

- Está tudo bem, Bard?

- Ah? A sim, n-não é nada demais. É que eu, m-meio que fiquei pensando no que você disse hoje mais cedo. - Ele passou a mão pelos cabelos, os bagunçando mais. - Somos todos amigos, né?

- Claro.

- Então, você lembra quanto eu te disse que não me apaixonava a muito tempo?

Oh...lá vem.

- Sim, me lembro. Mas se quer saber, não acho que isso seja nenhuma vergonha, afinal...

- Eu já fui casado.

- Perdão?

Fiquei surpresa, não era exatamente isso que eu esperava.

Não imaginei que ele diria algo assim tão rápido, tão fácil. Demorei um pouco para processar a informação repentina. O quanto aquilo o abalava ao ponto de falar tanto a alguém que acabou de conhecer? 

Bom, que seja, o importante é que ele está me dando exatamente o que preciso, confiança, segredos.

- Eu perdi minha mulher e meu filho, não muito tempo antes de vir pra cá. Depois que perdi eles as coisas ficaram complicadas. Eu me enfiei em coisas perigosas e cheguei a, quase, fazer coisas nojentas

- Bard...

- Sebastian me encontrou, não sei como, mas o maldito encontrou. Eles me acolheram na mansão, depois de algum tempo olhando torto e desconfiando eu acabei baixando a guarda, confiando neles, sabe? E quando cheguei aqui, conheci Mey-Rin. Óbvio, não foi paixão à primeira vista, eu ainda sentia muita falta da minha mulher. Mas sempre que eu olho pra ela, o jeitinho desajeitado, gentil, toda cheia de manias e tagarela, eu me lembro dela. É por isso que às vezes, me irrita ver ela cair de pés juntos pelo Sebastian, ela merece mais. Pelo menos eu acho.

- Eu realmente sinto muito. Não sei nem o que dizer, mas obrigada por confiar em mim a esse ponto.

Não que eu sinta. Eu não sinto nada em relação a isso, mas...

Realmente não sei direito o que responder.

- Obrigado, mas tá tudo bem. Tem coisas que a gente não pode recuperar, mas pode guardar no coração. Sabe porque eu sou tão agradecido ao Jovem Mestre? Acho que primeiro, porque ele não me deixou ficar maluco, esse é um bom ponto, hehe. E segundo, eu nunca mais achei que poderia ser minimamente feliz depois do que aconteceu, mas depois desses anos que passei aqui, do que eles fizeram por mim, eu sinto que posso ser feliz de novo, que tenho alguma coisa pra chamar de "meu", parece que eu tenho uma família aqui. Não do jeito que era antes, ou do jeito que eu gostaria, mas é o que eu tenho, e não largo de jeito nenhum.

- Deve ser difícil lidar com a saudade da sua mulher e do seu filho.

- É, sinto desde a hora que eu acordo, até a hora que eu vou dormir. As vezes eu viro a madrugada pensando neles. Me pergunto se ele já estaria do tamanho do Mestre, ou se ainda gostaria de brincar de se esconder nas plantações, se sua cor favorita ainda seria azul. Me pergunto se minha mulher teria deixado o cabelo crescer. Será que ela teria rugas, como eu? Estaria pensando em mais um filho? Quando a gente perde alguém fica pensando nessas coisas, a gente fica, f-fica, acho que...

- Cogitando como a vida seria.


Eu não deveria ter tido isso.


- É, - Ele balançou a cabeça, concordando totalmente. - isso mesmo. Dói, sempre dói. Às vezes mais e às vezes menos, na verdade a gente só se acostuma com a dor. Mas, o mínimo que eu posso fazer é proteger o que eu tenho agora. Eu sinto que tudo que eu tenho agora foi um presente que ela me deu, lá de cima. É por isso que eu me importo com esse lugar, com todo mundo.

- Posso te dizer uma coisa?

- Hm?

- Eles são sortudos por te ter aqui. E. se quer saber minha opinião, você é mais agradável que Sebastian, com certeza. Mas, não conte a Mey-Rin que te disse isso. Promete?

Estendi minha mão a ele.

- Hehe, prometo!

Ele agarrou minha mão, forte.

E de novo, os mesmos furos. O que Bard estava fazendo para Sebastian ter o "encontrado"? Como perdeu a sua família? Como ele veio parar aqui?

Independente de sua história ser verdade ou não, existia uma verdade no que ele dizia. Quando perdemos alguém, ficamos pensando em como a vida seria se ele ou ela ainda estivesse aqui, é natural, frequente e machuca.

Eu já fiz isso algumas vezes.



























*


Oi gente! Então, mais um capítulo pra conta, em? 

Agora, que tal um papinho sobre o capítulo?

Eu sei que é notória uma certa diferença de tratamento que o Ciel dá aos outros empregados e ao Sebastian. Mas, sendo bem direta, podemos dizer que Ciel tem mais empatia pelos outros empregados do que por Sebastian em si. Digamos que, na minha ótica, Ciel tenha essa diferença de tratamento por saber que a lealdade de seus empregados é diferente da lealdade de Sebastian.

Nós também podemos observar que os servos da mansão tem uma visão bem romantizada de seu Mestre, e isso fica cada vez mais claro conforme descobrimos as coisas que Ciel fez por eles e como eles são gratos por isso. É óbvio que, se alguém for capaz de te tirar de uma situação extremamente crítica, sua visão sobre aquela pessoa sempre será diferente. E, no caso dos servos, eles realmente admiram seu Mestre! (Claro que aqui falamos de Bard, Finny e Mey-Rin).

Bom, por que Sebastian fez o que fez? Sebastian é um tanto orgulhoso e detalhista, ele gosta de ter tudo em seu controle e, quando ele sente que não tem mais esse total controle, ele tenta recuperá-lo a todo custo, mas, o qual longe ele pode ir para ter esse controle? Talvez a Ayuni não saiba jogar e se comportar conforme as regras dele, o que o fez fazer o que fez? São muitas especulações, não é?! 

Um detalhe curioso, quando o Sebastian fala "Você é claramente canhota mas só come com a mão direita" , estamos nos referindo a um costume da cultura árabe.

Neste dito, em muitas culturas árabes, é considerado mais higiênico e respeitoso comer apenas com a mão direita. Isso tem raízes históricas e culturais. As práticas variam muito, mas no caso de Ayuni, que foi criada desta forma pelos pais árabes, ela só come usando sua mão direita! Sebastian estava realmente insinuando que ela não era britânica. Durante a fala dele eu citei muitos outros costumes culturais árabes que a Ayuni pratica, que também tem relação com a família que a criou.

"Ah, Jc, ela tem religião?" Eu nunca pensei sobre isso, na verdade, mas na grande maioria das vezes esses hábitos alimentares e corporais (de modo geral) vem muito mais da cultura familiar árabe do que da religião, falo por experiência própria. Por isso, não me preocupo muito com esse fator.

VAMOS FALAR DE BALDROY?!

É, podemos ver que o cozinheiro se abriu muito mais rápido para a Ayuni. Na verdade, ele foi o primeiro que realmente se propôs a falar do seu passado (minimamente) até agora. Isso se dá porque na minha percepção, Bard ainda se sente um pouco sensível com tudo que aconteceu na sua vida antes de chegar a mansão, e ele sente que não pode conversar isso com seus antigos colegas pela idade de Finny, sentimentos por Mey-Rin e etc...ele viu Ayuni como uma nova oportunidade de abertura, de conversa e amizade sem peso algum.

Acho que de alguns momentos até aqui, já ficou um pouco perceptível que ele não é o maior "fã" ou "amigão" do Sebastian. No mangá a relação deles não é tão conturbada, apesar de Baldroy xinga-lo pelas costas, vez ou outra (adoro quando ele chama o Sebastian de "babaca", no mangá). Mas, quando eles se conheceram, as coisas eram BEM conturbadas, eu garanto! A questão é que, diferente do mangá, aqui na nossa história vemos que apesar da gratidão, Baldroy ainda é capaz de suprir certa antipatia por Sebastian. E bem, ele tem seus motivos e vocês estão os conhecendo!

Tópico: Um compilado dos primeiros dias do Bard na mansão Phantomhive, pra vocês verem como ele e Sebastian sempre foram "bons colegas de trabalho" (e olha que eu só coloquei algumas KKKKK).

(Simplesmente Baldroy CUSPINDO um frangão no sapato do Sebastian.)

( Amigos! <3 )

(Sebastian falando "O frango tá pegando fogo" com o "tá", é minha religião.)

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Sieglind Sullivan: Primeira aparição no volume 19 do manga. A jovem foi regente da aldeia Wolfsschlucht, habitada majoritariamente por mulheres. Descendente da lendária Bruxa Verde, Sieglinde desconhecia a vida fora da sua terra e adquiriu conhecimentos diversos através dos livros antigos. É extremamente inteligente e estudiosa, além de se sentir sempre responsável e dedicada a proteger aquele com os quais se preocupa, a todo custo. Está sempre acompanhada de seu fiel ser Wolfram Gelzer, que em grande parte do tempo carrega a jovem em seu colo, já que seus pés foram estraçalhados quando nova, e por isso não é capaz de andar por conta própria.

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