V - Alfaiate

13/02/1888 - Segunda-feira

Está nublado, ventando, frio. Por sorte não está nevando.

Encarava fixamente o teto enquanto Sebastian abotoava meu colete.

O que terá no café da manhã? Ando com vontade de beber um pouco de Darfeeling. As compras do mês da foram feitas, então deve ter na dispensa. Também preciso conferir a produção de Bitter Chocolates na Funtom hoje. E provavelmente aquela carga atrasada acaba de chegar. Que droga! Vou ter de dobrar a produção por conta disso, não posso atrasar as vendas. Temos cinco lojas na East End precisando de reposições. Deveria enviar algumas pelúcias enquanto isso com...

- Jovem Mestre? Está ouvindo?

- Ah?

Estava tão distraído e imerso em todas coisas que tinha a resolver hoje que mal me toquei em Sebastian olhando fixamente para mim, me chamando. Sem perceber já estava completamente vestido. Colete abotoado, casaco posto, mãos enluvadas, tapa-olho amarrado, bermuda vestida e sapatos calçados.

- Repita.

- Ora, ora, veja só quem estava divagando.

- Não me amole. Ande logo, o que estava dizendo?

- Perguntei o que devemos fazer sobre ela.

Ah é, essa era uma das coisas que eu também tinha para resolver.

Não posso perder mais tempo com isso, chega de embromação.

- Não há mais o que fazer. Chame os outros.

- Então, finalmente escolheu baixar um pouco a guarda.

- Eu nunca baixo a guarda. Sabe disso. E não me venha com isso, só insistiu nessa história porque queria se provar certo de algo.

- Sabe que não sou do tipo que comete falhas, mestre.

- Demônio convencido.


[...]


Perfumando, abotoando, passando. Esse é meu último vestido. Tem sido difícil lavar minhas roupas por conta do forte inverno e o fato de eu ter poucas coisas para vestir agrava um pouco a situação.

Daqui a pouco tempo, completarei vinte dias nesta mansão e devo dizer, esse trabalho tem sido mais difícil do que costuma ser.

Com o tempo descobri que existem muitas formas de descobrir os segredos obscuros dos burgueses londrinos, a maioria deles são muito burros.

Normalmente os amos não são as pessoas preferidas ou mais amadas de seus servos, existe um padrão de comportamento, um sintoma colateral da hierarquia de empregados e amos, a soberba.

E por conta desse tipo de tratamento, muitos servos que descobrem os segredos de seus amos os espalham e fazem pequenos "comentários" entre seus colegas de trabalho. Uma traição, um desvio de dinheiro, um possível caso de homossexualismo, uma serva grávida de seu senhor, que seja, sempre a algo a ser descoberto. Normalmente, basta ganhar a confiança de seus colegas de trabalho e compactuar com suas ideias que pouco tempo todos esses podres serão entregues de mão beijada.

E se os empregados não têm algo a dizer, os familiares terão. Mansões costumam abrigar dezenas de pessoas, sendo eles empregados e familiares. Esses são os mais próximos do amo, mas quase nunca estão em harmonia, esse é o ponto chave. Essas famílias criam uma imagem lapidada para todos os outros nobres, algo que possa causar inveja ou admiração, e assim, por trás eles tem o aval para trair seus maridos ou bater em suas esposas, abusar de seus filhos e engravidar primas, irmãs, tias e até mesmo sogras.

Sempre terá alguém que tem algo a dizer. Sempre.

Mas não aqui, não na mansão Phantomhive.

Eu pesquisei, pesquisei ao máximo que pude, mas as informações que consegui são rasas, de pouca importância, que não me acrescentam em nada.

Com o pouco que vi nos jornais os pais do Conde, Senhor Vincent Phantomhive e Rachel Phantomhive morreram a três anos, ainda não sei como. Deve ser por isso que Mey-Rin e os outros estavam hesitantes em falar. Além disso, a renomada médica e tia do Conde, Mademe Red faleceu um ano atrás. Também não faço ideia de como.

Familiares que possam ter informações? Nenhum. A única opção nesta lista seria a senhorita Elizabeth Midford, a prima e noiva do conde Phantomhive. Mas das poucas que a vi circular na mansão pude ver que é a mais avoada por aqui, não sabe de nada que seja útil.

Empregados? Difíceis. Nenhum deles abre a boca. Nenhum tem nada de negativo a dizer. É como se todos compactuassem com as mesmas ideias já que todos dizem as mesmas coisas. Como são gratos ao conde, como são felizes por viverem dessa forma e como as pessoas precisam conhecer seu mestre melhor.

Cheguei a cogitar que talvez os três não soubessem das atrocidades que o Conde já fez, mas é uma teoria idiota. Eles não são apenas servos, são soldados de elite, exclusivamente Phantomhive 's.

Uma atiradora, um veterano de guerra americano e um experimento humano. Eles podem ser tudo, menos ingênuos. Eles apenas compactuam com a ideia de não dividir as reais informações com pessoas de fora, como eu. Eu os subestimei. E se pensar dessa maneira, demorarei mais que um ano para talvez descobrir alguma coisa, ouvir algo a mais deles.

talvez. E eu não tenho mais que um ano.

Preciso dar um jeito.

E o mordomo, Sr.Sebastian? Nem se fala. Nossa última real interação foi aquela esquisita madrugada, desde então nada além de desejar um bom dia, noite ou acenos.

E as frustrações como doméstica não têm sido muito diferentes das de minha principal missão.

Esses três são completos INCOMPETENTES! Um jardineiro que não sabe cuidar de plantas, um cozinheiro que não sabe cozinhar e uma doméstica que não sabe trocar uma toalha ou limpar uma mancha! Durante os últimos dias tive de realizar minhas próprias tarefas e impedi-los de destruir a casa tentando realizar suas próprias. Ensinei Bard a fazer ovos cozidos, Mey-Rin a usar a máquina de lavar e Finny a podar sem cortar a cabeça das flores, tudo isso em paralelo com minhas próprias tarefas.

Tudo isso para agradar o bendito Conde. E se isso não for o suficiente para que me contrate, eu não ironicamente enlouqueço de vez.

Bom, chega de remoer frustrações. São sete da manhã e o dia está apenas começando. Troquei minhas roupas e coloquei meu vestido, fiz minha higiene, prendi meus cabelos e arrumei o quarto.

Saí e olhei para o corredor, a luz cinza do dia nublado e frio de Londres já invadia as janelas. A casa estava em completo silêncio.

Desci as escadas e chamei por Mey-Rin no salão principal, porém sem resposta. Não haviam produtos espalhados pelo chão ou água por todo piso. Procurei por Finny nos jardins, mas não vi nada além das Begônias que estavam começando a desabrochar. Talvez na estufa? Não, ele detestava ficar lá dentro. Se os dois não estavam por lá, com certeza estariam no escritório. Enquanto isso Bard deve estar babando no seu travesseiro.

Voltei para o lado de dentro e subi as escadas mais de uma vez. Levou um certo tempo mas com prática e bastante trabalho para lá e cá eu finalmente aprendi a andar dentro desse lugar enorme. A alguns dias me sinto bem orgulhosa por não me perder na ala Oeste ou Leste, quarto A ou B, biblioteca ou sala de música, escritório ou sala de reuniões. Agora tenho um bom mapa mental de todo esse lugar.

Fiz meu caminho até o escritório. Já de frente para a porta arrumei meus vestidos, ajeitei meu penteado e bati na porta.

- Senhor, - Bati na porta. - posso entrar? - Silêncio total. Ninguém respondeu. Resolvi insistir. - Ahm, senhor Sebastian?

Toc, toc, toc.

Mesmo batendo de novo, ninguém respondeu.

Resolvi abrir a porta.

Não havia ninguém. Tem algo errado.

Me coloquei em posição de luta, arregacei as mangas e fiz nós no fim de meu vestido para evitar tropeços. Continuei a andar pela casa, procurando por uma possível ameaça. Vasculhei da ala Oeste até a leste. Desde o quarto do conde a sala de reuniões, os três quartos de hóspedes, a sala de música e o escritório novamente. Vazios e silenciosos.

Desci as escadas devagar, andando de lado, preparada para qualquer ameaça, vinda de qualquer canto que fosse.

O silêncio era tanto que ouvia-se apenas o estalo de meus saltos com o piso.

As duas salas de festa estavam vazias, tanto a que possuía o bar, quanto a da lareira. Eu já sabia que os jardins e a estufa estavam vazios, o que me restava era a sala de jantar, a cozinha e o quarto dos empregados.

Atravessei o salão até a ala Oeste. As duas portas da sala de jantar estavam abertas como de costume. Entrei cuidadosamente, tão quieta como um coelho.

Vazia como os outros cômodos. Só me restava a cozinha e o quarto dos empregados.

Olhei para frente e ver a porta da cozinha fechada me alarmou. De acordo com Bard, aquela porta só era fechada em ocasiões específicas. Em bailes na casa, jantares importantes ou quando todos da casa viajavam. Fora isso ficava aberta para a circulação dos empregados.

Bingo.

Me aproximei, lentamente, me preparando para qualquer coisa que viesse...

- SURPRESA!

- AHHHH!

Com o susto me desequilibrei em cima de meus saltos e caí no chão.

- AH NÃO! NÓS MATAMOS A AMELIA!

- Deixa de ser tonto, Finny!

- Bard! Por que você é sempre tão grosso?!

- Ah, lá vem você de novo!

Quando me levantei, vi Mey-Rin, Bard e Finny discutindo. Atrás deles estavam o Conde e Sr.Sebastian, que segurava uma bandeja de prata com uma tampa de prato sobre.

- Aham... - o som de senhor Sebastian limpando sua garganta fez os três se calarem. - não acham que estão esquecendo de algo?

Disse olhando diretamente para mim.

- A-ah, claro! Que bobagem a nossa...- Mey-Rin se aproximou, me ajudando a levantar. - você está bem?

- S-sim, estou. Mas, o que é tudo isso?

- O Jovem Mestre tem algo pra te contar!

Finny disse em pulinhos

- Isso! Conta pra ela, Mestre!

Bard falava tão alto e animado que além de causar uma cara de incômodo no mordomo, deixava seu cigarro cair da boca.

O Conde se aproximou, com as mãos nas costas e a mesma figura impecável de costume.

- Parabéns senhorita Amelia... - Ele estende sua mão a mim. - você faz parte dos servos Phantomhive agora. Se mostrou perfeitamente digna.

Depois de tanto trabalho, tanta correria impedindo que Finny destruísse paredes, Bard colocasse a casa em chamas e Mey-Rin rasgasse lençóis, finalmente. Pelo menos isso valeu a pena, uma parte de minha missão está feita, eu entrei.

Não pude evitar o sorriso que se formava em meu rosto e o suspiro de alívio que me escapou.

Eu realmente consegui.

- Muito obrigada... - Estendi minha mão e aceitei o aperto de mão do Conde. - Jovem Mestre.

- ELA CONSEGUIU! ISSO!

Mey-Rin pulou em cima de Bard, comemorando. O mesmo a abraçou enquanto girava de um lado para o outro, enquanto Finny batia palmas, animado.

- Ei, preparei algo pra você, Amelia!

- Preparou?

Senhor Sebastian indagou Bard.

- Aham! Tá! Sebastian deu uma pequena, minúscula, bem pequenina ajuda e preparamos uma torta de limão pra você!

O mordomo abaixou um pouco a bandeja e pude ver a grande e bela torta de limão na mesma.

- Para a senhorita... - Ele disse piscando para mim. - um passarinho nos contou que é sua preferida.

Com certeza havia sido Mey-Rin.

- E ai? O que estamos esperando?! Vamos comer!

Bard arrancou a bandeja das mãos do Senhor Sebastian e correu para a cozinha.

- Bard! Que coisa! Espere por nós!

Finny correu atrás de Bard.

- Bom, já vi que tem uma comemoração te esperando. Quando terminar vá ao meu escritório. Gostaria de acertar algumas coisas.

- Ah, não! De forma alguma... - Mey-Rin se aproximou e tocou gentilmente os ombros do Conde. - venha comer com a gente, mestre!

- C-comer com, não, não! Eu não posso, tenho muito a fazer e...

- Ah, vamos chefinho... - Finny volta correndo da cozinha para ajudar Mey-Rin. - vai ser divertido!

- S-sabem que não é adequado um Mestre comer com seus...

- Ah! Quem liga?! Fica entre nós! Venham logo, se não eu vou comer tudo sozinho!

- ESPERE BARD!

Finny agarrou o Conde pelo braço e o puxou para dentro da cozinha. Durante toda essa confusão eu esperava raiva e repreensão do conde, mas ele não fez nada. Absolutamente nada. E enquanto tudo isso, o mordomo só achava graça da situação e ria discretamente para não constranger mais seu Mestre.

Na cozinha, todos estavam sentados em volta da apertada mesa redonda, que a princípio foi feita apenas para quatro passos, ali haviam seis, contando comigo e o conde. Mey-Rin perdia sua paciência com Bard mais uma vez, que ria descompassadamente depois de fazê-la se lambuzar com um pedaço de torta. Finny saboreava seu pedaço enquanto tagarelava alguma coisa com o Conde, que respondia as perguntas de todos de maneira calma e contida, mas aparentemente de bom grado.

- Ei! Amelia! Já te contamos a história da festa do chá que aconteceu ano passado?!

- Festa do chá?

- Não, por favor. Essa história não.

O Conde disse balançando a cabeça, contestando a ideia que Bard acabara de ter.

- Por que não, senhor?! Essa história é incrível! Haha!

- Não. É vergonhoso, tão...

- Que nada! Todos nós nos demos mal naquele dia! Lembra, Mey-Rin?!

- É! E foi tudo culpa sua, Bard!

- Vamos mudar de assunto antes que vocês dois comecem mais uma briga?

O Mestre sugeriu enquanto colocava mais um pedaço da torta em sua boca. Neste pouco tempo pude conhecer um pouco de sua paixão por comidas doces.

Me contive para não rir de toda a cena, não pude deixar de achar engraçado. O mesmo jovem que vivia com a cara fechada, falava pouco, se portava como adulto e estava sempre sentado naquela cadeira em seu escritório, se estressando ao telefone e assinando pilhas e pilhas de documentos era o mesmo que estava ali sentado, com sua gravata um pouco torta, cabelos desgrenhados e boca suja de raspas de limão, rindo meio baixo e ficando sem graça com as histórias vergonhosas que seus empregados contavam.

Ele não se parecia com a típica figura de um nobre que se colocava em um pedestal amedrontador e quase desumano, um ser de sangue azul diferente dos meros humanos em volta.

Soava como algo mais humano. Deve ser por isso que todos aqui o admiram.

- Psiu.

Ouvi um som vindo de algum lugar. Olhei em volta e por pouco não percebi senhor Sebastian parado no canto do cômodo, com a bandeja vazia em mãos. Sua expressão era branda e não indiferente como de costume, soava algo mais receptivo e menos amedrontador.

- Meus parabéns.

Ele falou tão baixo que sequer pude ouvi-lo, foi um sussurro. Mas pude entendê-lo lendo seus lábios.

- Obrigada.

Respondi no mesmo tom, um sussurro quase mudo. Mas soube que ele entendeu quando sorriu de volta para mim.

- Amelia você sabia que o Jovem Mestre gosta de...

- Bard!

O Conde chamou sua atenção e dessa vez não pude evitar a risada nasal que me escapou.

É, eu com certeza já estive em lugares muito piores. Acho que com o tempo, as coisas podem se ajeitar.


[...]


- Desculpe perguntar novamente senhor, mas aonde estamos indo?

- Estou te levando a senhorita Nina Hopkins.

- Nina Hopkins?

- A senhorita Nina Hopkins é estilista da família Phantomhive há bons anos. Jovem Mestre prefere que os empregados da mansão estejam sempre bem vestidos independente das ocasiões e que tenham sempre roupas na medida. Todos nós, servos da mansão, possuímos. Agora é sua vez.

- "Os empregados são os rostos de uma empresa". Já ouviu essa frase?

- Sim, algumas vezes J-Jovem Mestre.

Preciso me acostumar a chamá-lo de "Jovem mestre".

- Eu aplico a mesma política a minha casa. De que adianta um Conde sair bem vestido se seus servos, os órgãos da casa, andam com trapos ou roupas velhas? De forma alguma. Por isso estou te levando a ela.

Eu uso trapos?!

Comecei a, discretamente, examinar meu vestido. Acredito que não esteja perto de ser um trapo, mas não está tão longe também. Já remendei alguns rasgos, esfreguei tantas manchas e o utilizei tantas vezes que algumas partes do tecido estão com a cor mais clara que outras, ou mais sensíveis e com remendos. Os outros não são tão diferentes disso.

É, talvez eu esteja usando trapos.

Já em Londres, a carruagem entrava e saia de algumas ruas, virando em algumas esquinas aqui e ali. No caminho vi alguns lugares conhecidos.

A carruagem parou assim que chegamos a Coleman Street.

- Chegamos. - Senhor Sebastian se levantou e abriu a porta da carruagem. - Vamos?

- Primeiro as damas.

O Conde me cedeu a chance de sair primeiro.

- Obrigada, senhor.

O mordomo ofereceu sua mão na descida de seu Mestre e pouco depois o cocheiro foi pago pelo mesmo.

- Céus, está muito frio!

O Conde disse, reclamando do frio que fazia em Londres naquela manhã.

- Nossa, está me-mesmo!

Disse abraçando meus próprios braços. O vento gelado rondava por Londres violentamente enquanto todos nas ruas se escondiam em seus agasalhos.

Até que me senti quente.

- A-ah?

Senti algo grande e quente cobrir minhas costas. Um grande casaco preto cobrindo quase todo meu corpo. Senhor Sebastian estava atrás de mim, era seu casaco.

- Não é adequado deixar uma dama com frio.

- Mas, você vai...

- O frio não me incomoda. Agora, vamos seguir nosso caminho. Correto, Mestre?

- Correto. Agora vamos logo, está congelando.

Andamos mais alguns metros daquela rua até chegarmos a uma grande e bem iluminada loja, o letreiro era realmente chamativo, em tons dourados, preto e marrom; a vitrine da loja possui um belo vestuário de um conjunto feminino e masculino de inverno, em tons azuis escuro.

"Hopkins' Tailor Shop", era o que estava escrito no letreiro.

- Uau.

O Conde aguardou que senhor Sebastian abrisse a porta para nós, e assim o homem fez.

Entramos na loja e era realmente admirável. Rolos de tecido, todos empilhados uns nos outros, cada um em um tom diferente; fitas de tecido espalhadas por todos os lados; cabides e mais cabides exibindo belos ternos, chapéus e combinações de espartilhos e saias de todos os tamanhos, até dos mais inapropriados.

A loja estava estranhamente vazia.

- Ela sempre faz isso. Sebastian?

- Sim senhor.

Sem precisar de instruções, o mordomo foi até o balcão da loja e tocou o sino de mesa.

Assim que o som se espalha pela loja, sons sons são ouvidos do fundo da loja, coisas como saltos batendo de um lado pro outro, cortinas abrindo e fechado, burburinhos e risadas.

- BEM VINDOS!

Uma mulher apressada e agitada saiu dos fundos da loja, ela era interessante. Sim, era essa a palavra.

Ela usava um penteado que se assemelhava a um rabo de cavalo, porém jogado para o lado, suas roupas eram bem, é, acho que diferentes. Ela vestia um colete masculino, em um decote um tanto chamativo, nas partes de baixo ela usava, espera, b-bermudas?!

Nenhuma mulher tem permissão para sair com isso nas ruas! O que ela tem dentro da cabeça?!

- Espera, estou vendo isso mesmo?! Não pode ser... - Ela ajeitou os óculos em seu rosto e abotoou seu colete desarrumado. - MEU CLIENTE PREFERIDO! CONDE!

- Olá Nina, eu gostaria...

- AH, VENHA AQUI!

Sem sequer o deixar terminar, a mulher o agarrou em um abraço de urso. Ela pode fazer isso?

- A-arg! Se-senhorita N-Nina!

- Awn! É impressão minha ou você cresceu, querido?! E olha só este rostinho de porcelana!

Engraçado como algumas pessoas realmente não o veem como o grandíssimo Conde Phantomhive. Parece que alguns o veem apenas como "Ciel Phantomhive", o garotinho que ainda está crescendo. O mesmo que matou setenta membros da máfia Moretti sozinho.

Um tanto cômico e estranho.

- Jovem Mestre, acaba de tomar banho... - Senhor Sebastian se aproximou dos dois e os separou, desamarrotando as roupas do Conde e arrumando seus cabelos como uma verdadeira criança. - não quero que acabe sujo.

Falando com uma pitada de acidez em seu tom.

- Ah, você está aqui... - Ela cruzou os braços e olhou o mordomo de cima a baixo. - não sabia que o Conde estava sendo seguido por animais de rua. A carrocinha não tem trabalhado muito bem.

- Acho melhor irmos embora, Mestre. Estou sentindo um cheiro horrível aqui.

Será que esses dois tem algum problema?!

- É seu senso de moda podre, mordomo.

É, eles com certeza tem.

Ela virou a cara com desprezo e acabou cruzando seus olhos com os meus. Sua expressão rapidamente mudou para algo um tanto malicioso e cheio de interesse.

- E quem seria essa mulher, que com certeza, espetacular é a palavra. Quem é?

O que há com ela?!

- Ela é minha nova serva. Pode concluir que...

- Nova serva?!

- Muito prazer, eu sou, A-AHH!

De repente a mulher correu até mim, quase se atirando, ficando perto demais. Ela retirou uma fita de costura de dentro de seu decote e começou a envolvê-la por meu corpo, sem mais nem menos.

Esse tipo de contato físico me incomoda.

- Nova serva?! Esta garota?! Ela é linda demais para isso! Olhe só que curvas, esse rosto, quadril, belos bustos e olhe só esses glúte...

- Senhorita Nina!

O Conde a repreendeu.

- Ah claro, está certo, devemos tirar as medidas mais tarde! Querida, qual a sua graça?

- Amelia Watson, s-senhorita.

- Amelia? Que nome lindo! É um prazer te conhecer querida! Me chamo Nina Hopkins, sou estilista da família Phantomhive a anos! Vamos ser grandes amigas! Agora, vamos deixar o nosso querido Conde e seu animal de rua de lado para dar atenção às suas maravilhosas curvas!

Ela me arrastou para os fundos da loja, algo que parecia ser seu ateliê e sem mais nem menos começou a levantar meus braços, pernas e passar por eles fitas coloridas e outras de costura.

Me sinto tonta.

- Hm, vejamos. Temos oitenta de busto, sessenta de cintura e cem de quadril?! Que adorável! Como uma boneca brasileira, um verdadeiro violão!

- Violão?

- Ah, nada demais, querida! É apenas um termo que usamos para identificar alguns corpos. Agora, precisamos pensar em seu penteado! Me deixe desamarrar seus cabelos e...

- NÃO!

Foi instantâneo, eu não deveria ter gritado. Inferno! Agora, a tal senhorita Hopkins estava me encarando, espantada.

- Q-quer dizer, -não! Mil perdões, é que eu n-não, bem, eu não pretendo fazer nenhuma mudança nos cabelos. Sinto muito.

E mais uma vez, sua expressão mudou de forma repentina, alegre e energética de novo.

- Ora, que bobagem, deveria ter me dito antes! Mas sendo assim, não se preocupe querida, não tocaremos em um fio! Agora me diga docinho, quantos anos você tem?

Me senti um pouco mais aliviada.

- Vinte e dois.

- Ah, que saudade dos meus vinte e dois!

Essa mulher tem mais de vinte e dois? Ela parece mais nova que eu! E essa nem é minha idade real, é apenas a idade de Amelia.

- E você tem alguma preferência de cores?

Perguntou enquanto passava a fita em volta de minhas coxas, me dando certa agonia.

- Ahm, eu acho que não.

- AH, JÁ SEI! Aham! Quero dizer, você com certeza ficaria bem em tons de verde, ah, e vermelho! Com certeza, vermelho! Acho que talvez um verde-musgo cairia bem em você, a floresta também. Céus, você ficaria espetacular em vermelho-bordô! Nós vamos nos divertir tanto! Você ficará linda.

Vermelho-bordô. A mesma cor dos olhos do...

Q-que besteira, estou divagando! Preciso manter a atenção.

- C-certo. Mas, por acaso, o Jovem Mestre mencionou algo sobre um uniforme de empregada? Seria mesmo útil para mim.

- Ah! Como sou tonta, é claro! Quase me esqueço disso! Sim é óbvio, faremos um vestido de empregada sob medida para você, que atenda todas as suas necessidades! Agora me conte querida, por quanto consegue segurar sua respiração?

- P-por que?

- Porque usaremos muitos, muitos e muitos espartilhos e corseletes! Afinal, não posso perder a chance de valorizar essa bela cintura de boneca! Hahaha!

Essa mulher vai me matar e será por sufocamento.


[...]


- Terminamos!

Nina me puxava pelo braço, eu me sentia tonta.

Saímos dos fundos da loja com duas grandes caixas repletas de roupas. Repletas mesmo.

Vestidos, chapéus, luvas, espartilhos, corseletes, casacos e até sapatos. Não tive nem um minuto para poder respirar. Me sinto zonza.

O Conde esperava sentado no sofá, ele comia um croissant guardado em um pequeno saco de papel enquanto o mordomo encarava fixamente seu belo relógio de bolso. Olhando para a vitrine da loja as ruas pareciam mais vazias e o céu mais escuro. Quantas horas passei lá dentro?!

- Bom, já que terminamos vamos acertar o pagamento. Sebastian, as caixas.

- Sim, Mestre.

Sebastian caminhou até Nina e esticou seus braços para pegar as caixas, com minhas novas vestimentas dentro.

- Obrigada pelos serviços, senhorita Nina.

- Obrigada por se manter a meio metro de distância, mordomo.

- Pedirei a Mey-Rin que prepare um banho a nossa nova serva, deve estar suja depois de tantos de seus toques.

- Irritado por não saber tocar mulheres, como eu sei? Já me era esperado.

- Vulgar.

- Idiota.

- Promíscua.

Estes dois definitivamente se odeiam.


[...]


A viagem para a volta pareceu mais curta, talvez fosse apenas o cansaço falando mais alto. Entre um cochilo e outro pude ver o Conde igualmente cansado, ele dormia com a cabeça encostada no ombro de seu mordomo, que parecia muito bem acordado, encarando a paisagem.

Rapidamente retornamos à mansão, onde Mey-Rin e os outros já aguardavam na porta.

- Jovem Mestre, chegamos. Jovem Mestre?

O mordomo chamou pelo conde quando a carruagem parou, mas ele não respondeu.

- Ora, cochilou novamente. Que coisa... - Sem mais nem menos o mordomo envolveu-o em seus braços como um pequeno animal indefeso. - queria ao menos poder dizer que está ficando grande para esse tipo de coisa, mas se quer cresceu para isso. Ora, ora.

Ele dizia ao corpo adormecido em seus braços.

- Eu posso ajudar.

Sussurrei baixo e de prontidão me levantei para abrir a porta da carruagem.

- Ei! Amelia! Estamos...

- Shiu! Shiu!

Fiz de longe, enquanto apontava para senhor Sebastian, que saia do veículo com o Conde adormecido em mãos. Os três se calaram ao ver a cena e Finny abriu um grande sorriso ao ver o mesmo tão quieto e indefeso nos braços do mordomo.

- Obrigado. Foi um longo dia.

O mordomo agradeceu. Apenas reverenciei e sorri em resposta, em seguida fizemos caminhos diferentes. Sebastian entrava em casa enquanto eu retornava à carruagem para pegar minhas pesadas compras.

Pouco depois, Bard se ofereceu para ajudar, tornando as coisas mais fáceis.

O cocheiro se retirou e pude finalmente entrar em casa.

- E então, como foi com a senhorita Hopkins?! Ela é incrível, não?

Mey-Rin perguntou um tanto animada. Consigo imaginar o tanto que essas duas devem se dar bem.

- Sim, ela é bem animada. Olha, eu gostaria de poder contar mais, mas estou exausta. Finny, se importa de me ajudar a subir as escadas com essas coisas? Com certeza devem pesar como uma folha para você.

- Ah, isso não será necessário! Fizemos algo pra você!

- Para mim?

- Isso! Vem com a gente!

Finny pegou as caixas e, junto aos outros, fui guiada pela casa até chegar ao corredor do quarto dos empregados.

- SURPRESA!

Todos gritaram ao empurrar a porta de um dos quartos.

- Seu novo quarto de serva!

- Novo quarto?!

- Gostou? Eu mesma decorei para você!

- Ei! Nós também ajudamos! Movemos todas as malas dela pra cá!

- Ah sim, o Finny com certeza, mas você só ficou parado assistindo! Não moveu um músculo!

- Que mentira! Eu ajudei dando ordens!

-Seu descarado! Vou contar ao Senhor Sebastian que você estava fumando dentro de casa enquanto estavam fora!

- Escuta aqui...

- Gente, gente! Eu entendi que todos ajudaram, muito obrigada por isso.

Preferi intervir antes que a briga desses dois começasse a se prolongar.

- De nada! Pode ficar à vontade! Esse era o quarto do senhor Tanaka, é o mais quentinho nos dias de inverno, você vai gostar! O meu quarto é logo ao lado do seu e o dos meninos é no fim do corredor.

- Que estranho. Nas mansões que trabalhei dividi quarto com outros servos.

- Oh, não! Senhor Sebastian diz que é inapropriado colocar mulheres e homens no mesmo quarto. Ele é tão educado!

- Ou só chato.

- Cale a boca Bard!

Ignorei a inevitável discussão dos dois para avaliar o quarto. Uma pequena e aconchegante cama de solteiro, a escrivaninha de madeira com um abajur e espelho, um grande armário de madeira de duas portas e uma janela com pequenas cortinas rendadas.

Era pequeno e aconchegante, só para mim. Até que gostei.

O único problema era que a porta não tinha chaves para trancá-la.


[...]


- Ei, Amelia! Vai deitar agora?

- Daqui a pouco. Quer algo, Bard?

- Na verdade, sim. Eu prometi ao Sebastian que deixaria a bendita prancheta dele no escritório do mestre, mas acabei esquecendo. Eu ainda tenho que terminar umas coisas aqui na cozinha e queria saber se você pode deixar lá por mim. Pode ser?

O Conde está na cama e o mordomo provavelmente ocupado, o lugar estará vazio.

Oportunidade perfeita. Como não pensei antes?!

- Ah claro, sem problema.

- Perfeito! Toma... - Ele pegou a prancheta em cima da mesa e estendeu a mim. - e obrigado, de novo.

- Imagina!

Peguei o objeto e fui em direção ao segundo andar, grande parte das luzes ainda estavam acesas, por tanto não foi um trajeto desconfortável. Não vi o mordomo uma vez sequer.

Cheguei ao escritório e abri a porta lentamente, não havia ninguém. O abajur ainda estava aceso.

Entrei e deixei a prancheta em cima da mesa do Conde, ver sua imensa poltrona vazia era estranho. Nada parecia fora do lugar. A caneta tinteira repousada perto do grande bloco de folhas brancas e em branco.

Um envelope?

Demorei um pouco para perceber o envelope lacrado discretamente deixado na ponta da mesa. "The Funtom" estava escrito no mesmo.

Assuntos da empresa? Finalmente algo! Talvez uma reclamação sobre produtos de pouca qualidade, denúncias sobre a fábrica ou quem sabe...

- O que faz aqui?

Senhor Sebastian Michaelis. Não sei como, mas esse homem conseguiu entrar aqui e me encontrar sem que eu sequer fosse capaz de ouvir seus passos ou ver sua sombra. Se rastejando como uma cobra.

Ele parecia sério mais que o normal, nem mesmo seu sorriso egocêntrico de sempre estava ali, não havia nada além de uma expressão séria acompanhada de vazios olhos vermelhos que pareciam ver através de meus próprios olhos.

- Mexer nos pertences pessoais de meu Mestre não é adequado.

Preciso me manter firme, afinal não a o que temer quando se sabe que nada de errado foi feito. É preciso acreditar em sua própria mentira e incorporar a personagem da inofensiva Amelia que não faz nada com más intenções.

- Perdão senhor Sebastian, mas não sei do que está falando, vim apenas deixar uma prancheta a pedido de Bard.

Se mantenha, se mantenha! Sem gaguejar!

- Não, não veio... - Ele pousou rapidamente suas duas mãos sobre a mesa, me encurralando em ambos os lados. - é deselegante ir atrás do que não lhe é interesse, senhorita. Não concorda?

Ele se refere ao envelope? Mas se quer pude tocá-lo! C-como ele...

Vamos Ayuni, você consegue sair!

- Meus interesses são os mesmos que os seus, servir ao Jovem Mestre. Vim apenas deixar a prancheta onde deveria estar e além disso esta mesa está repleta de poeira.

- Ah, poeira?

Ele perguntou em seu tom mais irônico. Por que diabos eu disse isso?!

- Sim, poeira.

Ele levantou uma de suas mãos enluvadas e com o dedo indicador deslizou lentamente pela cômoda. Estou morta.

Ele levantou seu dedo e então...

Sobrancelhas levantadas, parecia surpreso.

Seu dedo indicador estava sujo de restos de poeira e raspas de lápis. Mey-Rin esqueceu de limpar o escritório naquela manhã. Graças a deus!

O homem não parecia muito contente, enquanto eu por outro lado, nunca me senti tão aliviada!

A sorte me salvou, de novo!

Ele me olhava como seriedade e profundidade, como se soubesse que um simples olhar amedrontador seu fosse o suficiente para espantar alguém e arrancar de sua boca tudo que gostaria de ouvir. Aquela figura alta, de ombros largos, braços compridos e face sadista com traços de Judas sabe o quanto pode intimidar as pessoas e acredita fielmente nisso.

Mas não comigo.

- Acredito que um bom mordomo se atentaria um pouco mais a limpeza das acomodações de seu amo, não concorda senhor Sebastian?

- De fato. Talvez eu deva me atentar um pouco mais à limpeza do escritório e conversar com Mey-Rin. O que acha?

Uma resposta simples sem muita ênfase em qualquer coisa que seja, como se aquilo de repente tivesse virado uma simples conversa de rotina entre dois empregados.

Preciso continuar firme.

- Acho que está tarde. Se me der licença, preciso me recolher.

- É claro... - Ele se afastou, finalmente me livrando das mãos que me cercavam ali. - boa noite, senhorita Amelia.

- Boa noite.

Eu queria correr, fugir pelos compridos corredores e ser perdida de vista pelo mordomo. Mas seria burrice, afinal quem não deve não teme. Sai a passos calmos e lentos, deixando que meus saltos batessem calmamente no piso de madeira, sem perder o equilíbrio sobre eles.

Essa foi por pouco.


*

Oi gente! Espero que estejam gostando da maneira com que a história tem se seguido! Estou fazendo meu melhor em todos os sentidos para dar qualidade e conteúdo a história!

Nesse capítulo minha intenção foi, além de finalmente inserir Ayuni na mansão Phantomhive, mostrar a intimidade que ela tem ganhado com os empregados como Amelia. A maneira com que neste capítulo ela passa a chamar Baldroy e Finnian por seus apelidos mostra a evolução de sua intimidade com eles.

A maneira com que ela passa a se referir a Sebastian como "senhor Sebastian" ao invés de apenas "O mordomo" também representa não só a certa "intimidade" que ela cria, mas também demonstra o respeito que ela passa a ter por ele ao chamá-lo de "Senhor" como os outros empregados costumam fazer, tirando Bard! Haha!

Enfim, o natal está logo ali, por tanto, boas festas a todos e um ótimo natal a todos! Não esqueça de deixar seu voto "⭐️" e comentário!

*

Darfeeling: Chá originado da sopa do Himalaia, feito de pequenas folhas chinesas, um dos melhores do mundo.

Bitter: "Amargo", barras de chocolate fabricadas pela Funtom.

Coleman Street: Uma das ruas de Londres.

"Traços de Judas": Expressão usada para descrever traços de falsidade ou mentira.

Nina Hopkins: Alfaiate estabelecida que possui uma alfaiataria chamada Hopkins' Tailor Shop, com sede em Londres. Ela é conhecida como "a alfaiate que anuncia as estações." Nina desenha e costura regularmente as roupas de Ciel Phantomhive, especialmente para ocasiões especiais. Sua linhagem familiar equipou muitas gerações da família Phantomhive.

Vincent Phantomhive & Rachel Phantomhive: Pais de Ciel Phantomhive.

Elizabeth Midford: Apelidada de "Lizzy", é a filha do marquês Alexis Leon e da marquesa Francis Midford, irmã mais nova de Edward, prima e noiva de Ciel Phantomhive.

Madame Red: Angelina Dalles é seu nome real, era  tia materna de Ciel Phantomhive e irmã de Rachel Phantomhive. Foi morta por Grell Sutcliff ao se recusar a matar seu sobrinho

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