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(1374 palavras) 

Gerbius estava preocupado. O som de jatos e helicópteros já se escutava ao longe.

— Está ouvindo, Gerbius? Por terra e pelo ar, parece que o governo quer se garantir. Como será que nossos 'amigos' interestelares entenderão essa ação? Defensiva ou ofensiva?

— Essa a minha preocupação — confessou ele.

O aviso sonoro de seu comunicador o alertou. Ao examinar a tela, informou-me:

— É o Primeiro-Ministro!

Arregalei os olhos, mas era de se esperar tal ligação. Gerbius tirou o capuz de proteção e o atendeu.

O Primeiro-Ministro estava preocupadíssimo, afinal a situação era das mais graves. O governo acabara de decretar "estado de emergência", cuja fundamentação constitucional baseava-se no artigo sobre "agressão efetiva ou iminente por forças estrangeiras", no caso, alienígenas. Gerbius tentava alertar-lhe para a necessidade de não nos fazemos hostis — e se aquela já não seria uma indevida interpretação das leis, a fim de se justificarem ações ofensivas.

[— Não se trata de hostilidade, Gerbius. Entenda, precisamos nos precaver. É uma ação defensiva.]

— Compreendo, mas não sabemos como os alienígenas irão entender essa ação. E mal sabemos que armas eles possuem, podem nos dizimar com um único tiro, já parou para pensar nisso?

O Primeiro-Ministro estava irredutível:

[— Sim, já pensei, mas também não podemos nos arriscar a enfrentar um inimigo desarmados.]

Gerbius estava mais do que apreensivo:

— Inimigo? É um estado de emergência ou de guerra? Não estamos em batalha e até que se prove o contrário, não há qualquer ameaça evidente. O melhor caminho é tentar o contato o quanto antes.

O Primeiro-Ministro discordou:

[— Não seja ingênuo, Gerbius, não conte com a sorte. Tenha em mente que não sabemos quem são e o que querem. Não me venha falar de diplomacia num momento de crise como esse.]

Gerbius irritou-se, ao que lhe fiz um sinal com as mãos, querendo dizer: "Tenha cuidado com o que fala, meu amigo". Ele prosseguiu:

— Diplomacia nem é o caso, ainda não, pois não há entre as partes um atrito real ou qualquer animosidade. O caso é de se estabelecer logo um contato. Eles talvez estejam pensando em fazer o mesmo, porém, devem estar observando nossas ações armamentistas e quem sabe, já não estejam entendendo tudo errado.

O Primeiro-Ministro rendeu-se, em parte:

[— Está bem. Tem minha autorização para tentar um contato o mais rápido que puder, mas não irei mandar recuarem as forças armadas.]

— Deveria, seria um sinal de que queremos estabelecer um contato pacífico.

[— Não!] — Até eu pude ouvir o grito do Primeiro-Ministro. [— Fica tudo como está. Não quero dar o primeiro tiro, mas se o fizerem, preciso estar preparado. Faça a tua parte, que eu cuido do resto.]

Já dizia o ditado "manda quem pode, obedece quem tem juízo", mas havia um problema:

— Como faremos para os contatar?

— Eis uma questão interessante e complexa — declarou Gerbius, após colocar o comunicador no bolso da roupa de proteção, erguendo os binóculos para analisar mais de perto a espaçonave. — Creio, porém, que será simples, pois eles falam nosso idioma.

Quase não me contive:

— O quê?

— Estou tão espantado quanto você, mas olhe a inscrição na lateral da nave.

Apossando-me rapidamente dos binóculos, ansioso, li a inscrição:

— βλήμα 2¹, como pode ser isso?

— Não faço a mínima ideia.

*

Em ambos os lados o dilema fazia-se presente, mas a questão é que as autoridades em Exo-4 (conforme a nomenclatura dos terráqueos), não sabiam que a Tiro Estelar 2 era desprovida de armamentos, sendo sua única proteção a malfadada "interface dimensional", ainda em fase experimental.

— A solução será nos rendermos? Não temos no coldre um 38 que seja.

Atticus comentou, sisudo como de hábito:

— Penso que sim, Zander. Considere a situação como um jogo de xadrez: nosso rei está encurralado e sem saída, em xeque. Estamos a um lance do xeque-mate...

— Ainda não, senhores! — considerou a capitã Foz. — Temos um trunfo.

— Qual? — indagou Atticus.

— Eles não sabem que não temos armas. Pelo que se vê, estão atrasados em tecnologia pelo menos 50 anos em relação a nós. É como se ainda estivessem no início de nosso século 21. Aposto que estão com medo de um raio laser destruidor ou coisa que o valha.

Vega não perdeu a chance:

— Será que aqui passa Star Trek? — riu, consigo própria.

Rael interrompeu a conversa:

— Capitã, interceptei uma transmissão.

— Da Tiro 1?

— Não. Dos rádios amadores deles, se é que assim podemos chamar. E a senhora não vai acreditar.

— Fale, Sr. Infante! Sem rodeios.

— Estão falando em grego!

Todos se olharam, abismados. Foz aproximou-se de Rael:

— Grego? Como assim? Se você fosse a Vega, eu entenderia o trocadilho...

— Não! Não é uma piada, é literal: estão mesmo usando a língua grega, da Terra!

Vega nunca perdia a chance:

— Não falei? Estamos no episódio em que a Enterprise chega a um planeta e encontra Apolo, o deus grego da beleza. — Muito embora ela própria quisesse encontrar Afrodite.

Rael teve quase de concordar, mas não se tratava do grego antigo.

— Não, Vega. O grego que falam é o moderno.

— E faz alguma diferença? Já que não entendo nenhum dos dois mesmo, posso dizer com sinceridade, vão falar 'grego' para mim.

Rael lançou a Vega um olhar mais do que comum, sempre traindo seus sentimentos em relação a ela. Vega já havia percebido — e gostava, mas seus interesses, na verdade, eram outros, pois tinha uma oculta queda pela capitã. Era 'João', que gostava de 'Maria', que amava 'Ana'... E 'Ana', que gostava mais de sua nave estelar.

— Coloque no ar com tradução, Sr. Infante...

{— Não se trata de hostilidade, Gerbius. Entenda, precisamos nos precaver. É uma ação defensiva.}

{— Compreendo, mas não sabemos como os alienígenas irão entender essa ação. E mal sabemos que armas eles possuem. Podem nos dizimar com um único tiro, já parou para pensar nisso?}

— Eis aí! — socou o ar a capitã. — Esse Gerbius é um homem mais do que sábio. Já o Primeiro-Ministro nada difere dos que vemos na Terra. Ao menos sabemos agora como lidar com eles, mas todo cuidado é pouco.

— E o que faremos?

— Bem, estamos num jogo, Sr. Atticus, mas já que invocamos Star Trek, como diria Kirk, o jogo não é de xadrez, mas sim de pôquer!

— Pôquer?

— Sim! — Foz (nos secretos sonhos de Vega, 'Ana'), sentou-se na poltrona de comando e altivamente ordenou: — Rael, faça minha voz soar no exterior, num raio de 200 metros. Se falamos o português e eles o grego (e não me perguntem como), será fácil para a Inteli verter o que eu disser para a língua deles.

Inteli era o nome carinhoso dado por Vega para a inteligência artificial da nave. Assim que a capitã iniciou sua fala, o som de sua voz foi ouvido no lado externo, uma voz firme e feminina. Mesmo na atmosfera local, não houve dificuldade para que o ar conduzisse o som aos ouvidos dos exoquartianos:

[— Olá, sou a capitã Joyce Foz, da espaçonave Tiro Estelar 1. Viemos em paz, mas diante de um confronto, alerto para o fato de que vossas armas não seriam páreo para os nossos torpedos fotônicos. Nos desculpem por pousarmos em seu planeta sem prévio aviso. Precisávamos fazer ajustes em nossos propulsores, que só podem ser realizados em terra firme. Identificamos o idioma local, através da interceptação de seu sistema de rádio amador e ouvimos o que falaram o Sr. Gerbius e seu Primeiro-Ministro. Nossos computadores são capazes de tradução simultânea.

"Viemos da Terra, planeta que está a mais de quatro anos-luz daqui, ou seja, acima de quarenta trilhões de quilômetros. Nossa viagem durou dez dias terrestres, equivalentes a 240 horas. Não sei se compreendem essas unidades, é provável que não, mas dez dias representam nove voltas de seu planeta, em torno de seu próprio eixo.

"Gostaríamos que Gerbius viesse até nossa nave para conversar conosco. Nos parece que ele é uma espécie de representante ou embaixador de vosso mundo. Se estiverem de acordo, peçam a ele para vir na direção da nave. Capitã Joyce Foz desliga, no aguardo."]

— Que história é essa de armas capazes de arrasar quarteirão, Foz?

— Zander, eu não lhes disse que o nosso jogo era pôquer? Nada como um bom blefe. Dei-lhes informações suficientes para temerem, sim, uma armaria pesada.

— Aí o episódio é "O Ardil Corbomite" — explicou Vega. — E ninguém viaja 40 trilhões de quilómetros, impunemente.

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¹Βλήμα: Projétil (ou tiro), em grego.

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