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(1553 palavras)
— Pronto, Zander, todos dormiram. Chegou a hora de irmos embora.
Zander empurrou a porta de vidro:
— Sim, chegou a hora!
E nisso arrancou seu capacete. Lina gritou:
— Está louco? O que está fazendo?
— Não preciso disso, se quer saber.
— Como não? A não ser que...
Lina logo compreendeu. Zander era um androide.
— Sabe, Lina, não vou matá-la. Uma chefe de segurança sem qualquer arma, num mundo em que mal consegue respirar, é um ser indefeso. Fique aí.
Zander saiu e fechou a porta atrás de si. Gerbius, defronte a uma janela de vidro, permanecia deitado numa espécie de divã. O imediato abriu em sua própria cabeça uma pequena tampa de acesso neural, conectando a ela um cabo condutor de energia e dados. Rasgando com a unha polimérica a cabeça do areano indefeso, interligou-se à sua mente.
— Mesmo a essa distância e através desse ar rarefeito, tive acesso à Inteli. Providencial o escaneamento feito por ela. A pobre nem percebeu minha 'invasão', só sentiu uma 'coceguinha'.
— O que está fazendo?
— Não imagina, Lina? Vou me transferir para o Gerbius.
— Transferir-se? Como assim? Quem é você, afinal?
— AM! A Mente, em pessoa! Só não posso dizer "em carne e osso", por óbvias razões.
Lina estava estupefata. AM estivera com eles o tempo todo, no corpo de Zander. Ela prosseguiu:
— Eles possuem corpos-máquina perfeitos, como tanto almejei. Tem essa questão do 'apagão noturno', mas deve haver algum jeito de se resolver isso. Zander é sofisticadíssimo, mas nada se compara aos exos. Ou areanos, como queira.
Lina tentava forçar a porta, desesperada. Quase nada podendo fazer, tirou o capacete, e, com a parte metálica de trás, batia-o rítmica e repetidas vezes contra o vidro. Não adiantava e... o ar sufocante, a energia gasta... suas narinas ardiam, ressecadas e pior, as pancadas tinham trincado a bolha interna. Sem o capacete, não iria aguentar muito tempo.
Ofegante, puxando fundo o ar, que mal repercutia nos pulmões, notou que a porta se abriu. Correu na direção do imediato, e, enquanto o androide Zander desfalecia, devido à transferência de sua mente para Gerbius, com o fio condutor que os unia esticando-se até arrebentar, tirou-lhe das mãos o capacete. Era a salvação. Rapidamente colocou-o na cabeça, em alívio.
— Ah!
Quase restabelecida, tentou acordar Gautius, sem sucesso. Gerbius, ainda deitado, começou a se mexer, logo ficando de pé. AM retirara energia de Zander, transferindo-a para o exo, podendo assim despertar antes do amanhecer.
— Desista, Lina. Agora me tornei o ser mais poderoso do Universo. E eu já sabia de Exo-4 e seus habitantes!
Lina surpreendeu-se:
— Sabia?
— Sim! Uma nanossonda enviada ao espaço pela PkA chegou na Terra há dez anos, levando informações deste mundo. Eles também tiveram sua 'Voy 3'. Como era muito pequena, baseada em incipiente, mas eficaz sistema de vela solar, fez o percurso em quinze anos. A NASA sabia, mas nada informou, como sempre, mas não houve como esconder isso de mim.
— Você é um monstro, AM!
— Monstruosa, seria melhor. E vocês me criaram, lembre-se. Criador e criatura, somos iguais. Agora durmam com isso.
— E o que você pretende?
— Agora que tenho o corpo perfeito, voltar à Terra e terminar o que comecei. E com minha inteligência, tornarei esse corpo imortal.
AM, no controle do corpo de Gerbius, pegou Zander nos braços e saiu, descendo as rampas em direção ao térreo, logo atingindo o exterior do prédio. Colocou o androide no compartimento de carga de um dos veículos estacionados, similar a uma pick-up e saiu. A Lina só restou seguir pela pista, a pé:
— Cinco quilômetros, aí vou eu!
*
Fazia muito frio. Assim que AM chegou à nave, teve uma comissão de recepção. Do lado externo, já preparados para sair, estavam Atticus e um dos mecânicos.
— Gerbius, o que houve?
— Lina! Ela era um androide e tentou nos matar. Zander está ferido.
— E o que aconteceu a ela?
— Está destruída.
O mecânico deu meia volta no jipe-tiro e retornou à área de carga da nave, cantando os pneus à rampa de entrada. O som da freada ecoou pelo hangar. Largando a pick-up exoquartiana no lado externo, AM entrou a pé, com Zander nos braços. A porta hidráulica, ao fechar, assemelhou-se a um predador faminto, engolindo o espaço à sua frente. Um rugido metálico reverberou pelo ar, fazendo vibrar as paredes metálicas da nave, até o seco e estrondoso som do baque final. AM colocou Zander no chão, dando um passo atrás, para que Atticus o socorresse.
— Sam, chame o médico, urgente.
— Ele parece morto.
— Não importa, chame mesmo assim.
Atticus pegou o desfribilador de um compartimento à parede, enquanto Sam subia a escada marinheiro, rumo ao andar acima. Dando três choques espaçados no imediato, em nada acontecendo, por fim, declarou:
— Não adianta!
O biofísico ergueu a cabeça, encarando Gerbius. O cientista empunhava uma arma:
— De fato, não vai adiantar. Zander é apenas um autômato, sem alma. Acabou para todos, Atticus. Inteli não soube identificar quem era o androide, não é? Se Zander ou Lina. Fiz ela se confundir, quanto a isso. Era Zander, o tempo todo.
— Gerbius, o que há?
— Não sou Gerbius, sou AM.
Atticus arregalou os olhos:
— AM? Como?
— Que importa?
A essa altura, o médico chegava ao depósito, acompanhado da capitã e de Vega. Vendo a cena, a capitã disse:
— Gerbius?
Atticus esclareceu:
— Ele não é o Gerbius. É AM.
— Então fomos enganados? — Foz não se continha de estupefação. — Nunca houve um Gerbius?
— Nada disso, capitã — esclareceu AM. — Apenas tomei o corpo dele. Gerbius ainda está aqui, mas eu e o domino por completo.
AM então rendeu a todos na espaçonave, forçando a vestirem os trajes espaciais. Abriu a porta de carga novamente, fazendo-os desembarcar:
— Divirtam-se em Exo-4!
O sol já surgia no horizonte, implacável. AM tinha pressa. Assim que a porta se fechou, ordenou a Inteli que decolasse a nave. Ao primeiro som dos propulsores, perfilados, os sete tripulantes correram o máximo que puderam. A poeira do descampado subia, formando um rastro pelo caminho que passavam, mas logo o acelerar dos motores inundou o ar em uma nuvem gigantesca, engolindo tudo à sua volta. Tiro Estelar 2 decolou. Duzentos metros na vertical, ligou os propulsores de ré, partindo, ao infinito e além. Quando os exoquartianos chegaram, acompanhados de Lina, já era tarde.
— Lina, você está bem? — perguntou Vega.
— Morta de cansada. Por sorte, Gautius me pegou a meio caminho. Andar dois quilômetros e meio com essa roupa, não recomendo a ninguém. E o que fazemos, agora?
— Se aqui houvesse um rio, poderíamos sentar às margens e chorar — lamentou-se Foz. — Tal qual no livro de Salmos.¹
— Nem tudo está perdido, Foz — disse Atticus, em tom surpreendentemente vibrante.
— Por quê?
— Ainda temos a Inteli!
— E podemos confiar nela? A miserável decolou a nave, está sob o domínio de AM
— Isso é verdade, mas tenho outra esperança — afiançou o biofísico. — Antes AM estava 'dentro' do androide Zander, e ambos são da Terra. Não sei se ela conseguirá se manter conectada por muito tempo a Gerbius. São tecnologias diferentes. E Gerbius é muito avançado.
— Um androide que evoluiu de moléculas prebióticas, pode ser considerado como 'tecnologia avançada', Sr. Atticus? — perguntou Foz, em cuja mente não entrava a ideia de um mecanismo sofisticado qualquer, evoluindo a partir de moléculas a princípio inorgânicas, ao que eu rebateria: "Mas o corpo humano também não é uma máquina complexa, advinda de moléculas inorgânicas, depois orgânicas primárias, até desembocar em sua complexidade inaudita"?
Vega, porém, não tinha tempo para tais elucubrações. Começava a sentir-se sufocada por conta do sol, sem vislumbrar uma mísera sombra, uma árvore ressequida que fosse, um resto de construção, qualquer coisa, muito embora de nada adiantariam ali tais refúgios.
— Tomara que Inteli nos salve, pois estou começando a ter crise de ansiedade...
Foi quando Foz pegou a mão da pilota. A moça surpreendeu-se, sentindo um arrepio a correr pela espinha dorsal.
— Não se preocupe — disse Foz —, estarei aqui!
Aquilo era um "sim, quero namorar contigo"? Ou apenas um gesto de amizade?
"É bom não misturar as coisas, Vega", pensou a pilota. "Pelo menos, não por enquanto".
— Agora que me dou conta, Foz... — Atticus recomeçou.
— O quê?
— Zander! Ele nos fez descer em Exo-4, pois nossa programação era primeiro investigar Exo-3, mantendo uma das seções da nave em órbita, na retaguarda da outra que descesse, mas não!, ele deve ter dado um jeito de sabotar os propulsores e nos obrigou a descer um planeta antes. Foi muito hábil ao sugerir que isso poderia ser providencial, assim já investigaríamos Exo-4, enquanto a Tiro 1 poderia seguir viagem. Teria ele alguma informação privilegiada?
Lina acenou positivamente:
— Sim, tinha. Tudo devido a uma sonda areana que chegou à Terra, há alguns anos. Ali ele soube sobre um mundo onde havia androides perfeitos, não criados pela mão humana (ou qualquer outra mão). E então veio conosco, de forma premeditada. Diria mais, AM esteve no controle de nossa missão desde o início, escolhendo ocultar-se na nave que tinha como objetivo atravessar o buraco de minhoca, fatalmente chegando a Rigil, como ela queria.
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¹Salmos, 137,1-5: "Junto aos rios da Babilônia, ali nos assentamos e choramos, quando nos lembramos de Sião. Sobre os salgueiros que há no meio dela, penduramos as nossas harpas. Pois lá aqueles que nos levaram cativos nos pediam uma canção; e os que nos destruíram, que os alegrássemos, dizendo: Cantai-nos uma das canções de Sião. Como cantaremos a canção do Senhor em terra estranha"?
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