Capítulo 9. Duas Semanas Depois
Alice acordou com o som de vozes sussurradas e o relatório médico colado ao rosto. Levantou a cabeça, descolando o relatório e pestanejou por causa da luz do candeeiro do seu quarto, tentando situar-se. A noite, negra e silenciosa, zumbia ainda no exterior da sua janela e o portátil estava ao lado dela na cama. Mas algo a acordara. Vozes.
Estremeceu. Ouvir vozes sussurradas, agora era normal, desde que recebera o relatório médico, os pais sussurravam quando ela estava no quarto até a irmã sussurrava, o ambiente estava carregado. Ela suspirou.
Alice esfregou os olhos e olhou para o relógio. Três da manhã. Os seus ossos estalaram e protestaram quando desceu da cama.
Ugh. Tinha de parar de adormecer em posições estranhas.
Alice passou uma semana a fazer vários exames: biopsia, exames de sangue, ecografia. E o resultado tinha chegado em três dias, cancro no ovário direito. Desde então passava as noite a chorar e a pesquisar na internet, tudo sobre cancro e o avanço da medicina nesta área.
Os pais tinham decidido que Alice, iria ser tratada em Lisboa, na clinica champalimaud, uma das melhores clinicas do país. Amanhã ela e a mãe iriam para Lisboa, em principio Alice iria tentar acabar o primeiro ano do curso. Os pais estavam confiantes que com o apoio da família e dos dos amigos seria mais fácil. Alice fez uma nota mental para ligar ao namorado, logo de manhã cedo, pois ainda não tinham falado, desde que Alice lhe dissera que não podia ir ter com ele no Ano Novo. Não tinha conseguido pensar em mais nada, desde que soubera que estava doente.
Ela saiu do quarto e avançou pelo corredor ao encontro das vozes. A luz fraca era visível por baixo da porta do quarto dos pais. Ela inclinou-se para a frente, esforçando-se por ouvir.
— Mãe, amanhã também vou contigo e com a mana, para Lisboa, ela precisa de mim. — Disse Mariana com a voz tremula e Alice sentiu um aperto no coração.
— Querida, tens aulas amanhã. É a primeira vez que estamos nesta situação, não sei o que vamos encontrar... — D. Ana chorava agarrada ao braços do marido.
Alice tentou afastar do rosto as lagrimas que escorriam sem permissão e entrou no quarto dos pais. A mãe estendeu-lhe os braços e Alice correu para os braços da mãe. Alice ainda não tinha visto a mãe a chorar, D. Ana tentava sempre mostrar que estava bem.
— Meu amor, desculpa estar a chorar, eu quero ser forte por ti.
— Tu és mãe... Tu és...
Mariana aproximou-se da irmã e dos pais e também os abraçou. — Mana quero ir contigo, as aulas ainda estão no inicio e se ficar, não vou conseguir concentrar-me.
— Está bem querida, vamos as três. O pai tem que ficar com o Vasco e a cuidar das coisas por aqui. — Disse a mãe abraçando as filhas.
— Obrigada mãe. Estou com tanto medo. — Disse Alice num sussurro.
— Eu sei meu amor ... Eu sei... — D. Ana não sabia o que dizer, só queria ajudar a filha e fazer com que o pesadelo, pelo qual estavam a passar desaparecer-se. — Vamos dormir todos juntos hoje.— A mãe abriu os lençóis para as filhas entrarem, o pai foi buscar o Vasco ao quarto que dormia abraçado ao Capitão América e deitou-o junto das irmãs.
O dia Amanheceu cinzento e frio, como era típico em Janeiro. Alice acordou ao som de Taylor Swift, o som abafado vinha do seu quarto. Ela tentou levantar-se da cama, mas tinha os braços da irmão ao seu redor, com todo o cuidado soltou-se dos braços da irmã.
— Mana onde vais? — Perguntou Mariana sonolenta.
— Vou ao meu quarto. — Alice deu um beijo na irmã e levantou-se da cama.
A respiração de Alice fugiu-lhe. Era David que lhe estava a ligar insistentemente, ele já tinha ligado algumas vezes durante as semanas anteriores, mas Alice não tinha atendido as chamada, nem dele nem de ninguém.
Ela suspirou e resolveu atender.
— Oi David.
— Alice! Está tudo bem? — Disse David com a voz apreensiva.
— Sim está. Desculpa não ter retomado as tuas chamadas...
— O Daniel liga-me todos os dias, para saber se te vi na Universidade, quer saber porquê não atendes as chamadas, nem respondes às mensagens... — David ri secamente. — Nem sabia que vocês tinham esse tipo de relacionamento...
Alice começou a sentir a cabeça a doer, não conseguia ter aquele tipo de conversa.
— Diz-lhe que estou bem. Mas não quero falar com ninguém.
— O que se passa Alice? Quando regressas à Universidade?
— Assim que possível. Tenho uns assuntos para tratar.
— Podes falar comigo? Não atendes os telefonemas, nem respondes às mensagens. A Rita também está preocupada contigo.
Alice sentiu as lagrimas a queimar-lhe os olhos. Tinha saudades da amiga Rita, da sua vida em Lisboa. Mas não conseguia falar com ninguém. Contar a ninguém. Não queria que tivessem pena dela. Não iria aguentar mais olhares de condescendência, das pessoas de quem gostava.
— David está tudo bem. Quando poder telefono para a Rita.
David deu um forte suspiro.
— Está bem Alice. Se precisares de alguma coisa é só dizeres.
— Obrigada.
Alice, desligou o telefone sem mais palavras, sentiu-se trespassar por um relâmpago e, depois, os seus músculos ficaram flácidos, como se tivessem esquecido de como cumprir a sua função. Uma poça. Ela estava a transformar-se numa poça de tanto chorar. Só pensava como iria lidar com tudo.
Ela olhou para o telemóvel que tinha na mão, e viu que tinha mais de vinte chamadas não atendidas do Daniel, para além de mensagens. Também a Rita e o David tinham tentado contacta-la durantes estas duas semanas. Léu algumas mensagens do Daniel, algumas perguntavam o que se passava, outras apenas diziam que ele tinha saudades dela.
Alice resolveu responder e voltou a dizer o que já tinha lhe dito quando não foi para Lisboa, como tinham combinado.
Mensagem Daniel: Não me ligues mais. Estive a pensar durante estes dias e não sou capaz de ter um relacionamento à distancia. Tivemos um bom momento juntos, apenas isso. Adeus.
Com o coração nas mãos, Alice limpou as lagrimas com as mangas do pijama e retirou o cartão de memória do telemóvel e partiu ao meio. Ela acreditava que era o melhor a fazer naquele momento e teria de arranjar força na família para ultrapassar o obstáculo que tinha surgido à sua frente, sem pedir autorização.
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