Capítulo 28. Alice

         A manhã amanheceu cinzenta e com cheiro a chuva. Alice vestiu a sua roupa de corrida colocou os fones nos ouvidos e foi correr. À medida que Alice percorria as ruas desertas de Lisboa, foi como se toda a frustração da semana estivesse a evaporar do seu corpo. Alice sentia saudades de Daniel, do seu sorriso, dos beijos trocados. Nos últimos dois dias não falou com ele. Cada vez que o telefone tocava e o nome dele aparecia na tela, o ar faltava-lhe, sabia que se atendesse o telefone começaria a chorar. A mente de Alice só conseguia pensar na conversa que tinha tido com o Dr. Saul, há dois dias atrás, quando foi receber os resultados dos exames de rotina que tinha feito.        

— Alice o resultado é inconclusivo. O que não nos dá nenhuma segurança.

— É melhor removermos também o ovário esquerdo. Na minha opinião médica, é o mais seguro. Mas a decisão é tua.

        Daniel deveria querer ter uma família, ter filhos dele. E se ela removesse o único ovário que tinha, ela ficaria estéril, não poderiam ter filhos biológicos. Isto se a relação evoluísse nesse sentido. Essa realidade faz-lhe doer o coração. Os pensamentos estavam a atormentá-la.

        Ela deu por si a correr em direção à casa de Daniel. Estes últimos dias tinha ficado na casa de Débora, o que sido reconfortante, mas estava com saudades de casa, do seu espaço.

        Quando estava próxima da propriedade, viu um carro escuro estacionado, Daniel saiu do carro passou a mão pelo cabelo num gesto de impaciência. Os olhos dele foram na direção dela.

        Alice engoliu com força, a inquietação cresceu dentro dela. Sentia-se culpada por não ter-lhe atendido as chamadas telefónicas. Sentiu-se desconfortável. Tinha que falar com ele. Iria terminar tudo, antes que fosse tarde de mais. Mas por algum motivo só esse pensamento fazia-lhe doer o estômago.

        Ela apaixonou-se por Daniel há muito tempo atrás. Mas não tinha sido a hora certa e agora também não era. Talvez noutra vida.

        Daniel começou a avançar na direção dela, instintivamente Alice recuava à medida que ele avançava. 

        Ela começou a correr o coração batia-lhe fortemente, como se fosse saltar pela boca, neste instante o céu foi ficando cada vez mais escuro começando a cair pequenos chuviscos, segundos depois a chuva ficou mais forte. Daniel alcançou-a e agarrou-a pelo braço, fazendo Alice voltar-se para ele bruscamente. Agarrou-a com mais força e beijou-a rudemente.

        Alice sentiu as lagrimas nos olhos misturadas com as gostas da chuva, tinha sentido tantas saudades dele. Alice agarrou-se ao cabelo dele como se fosse a sua única corda de salvação. A língua de Daniel agitava-se contra ela, tudo era impreciso e caótico. Faminto. Eles estavam descontrolados, esquecendo-se que estavam no meio da rua. 

        Mas precisamente quando estava prestes a perder qualquer aparência de controlo, Alice encostou as duas palmas das mãos ao peito dele e afastou-o.

        — Daniel, espera...

        Alice estava sem fôlego. Daniel olhou para os lindos olhos cor de avelã e viu tristeza, o que o deixou apreensivo. Ele inspirou.

        — Não me afastes. Quero estar contigo. — Disse colocando uma madeixa do cabelo de Alice atrás da orelha dela.

        Alice fungou.

       — Se calhar é melhor sairmos debaixo desta chuva.

        Ele acenou. Agarrou na mão de Alice e dirigiram-se para casa. Daniel sabia que algo grave se passava. Débora não lhe quis dizer o motivo, quando foi procurar por Alice. Apenas lhe disse que estava relacionado com uns exames de rotina que ela tinha feito, durante a semana e para ele ter paciência. Daniel lembrou-se que uma das vezes que falaram ao telefone, Alice estava num consultório médico.

        Quando chegaram à propriedade, foram para a casa de Daniel, ele deu-lhe uma toalha para ela secar-se.

        — É melhor trocares de roupa.

        Ela negou com a cabeça. — Estou bem.

        Alice sentiu-se invadir por uma sensação de medo. O mundo de Alice já se alterara tantas vezes, desde que se conhecia por gente, e agora novamente estava tudo a fugir-lhe por entre os dedos. Ainda não tinha os pés bem assentes. Como se corresse pela relva escorregadia a toda a velocidade: podia tombar a qualquer momento. Cair.

        Ela tinha que falar com Daniel, devia-lhe uma explicação.

        — Daniel... — Começou por dizer. — Acho melhor darmos um tempo... Eu...— Uma lágrima solitária caiu pela face de Alice.

        O coração de Daniel caiu-lhe aos pés.

        — O que disseste?

       — Eu acho que esta relação não tem futuro e eu neste momento tenho que concentrar-me em terminar o curso e...

        Ela fechou os olhos, a dor penetrou em si.

        — Alice, não tem de ser assim. Conta-me o que se passa. O que foi que o médico te disse.

        Numa fração de segundos ela ficou surpresa de ele saber que ela foi ao médico, mas depois lembrou-se que tinham falado no dia em que ela foi receber os resultados.

        Alice suspirou.

        — Todos os anos, tenho que fazer uma biópsia ao ovário esquerdo, para vigiar se ocorrem alterações nos tecidos. E o resultado veio inconclusivo. O que nos deixa com o coração nas mãos. A probabilidade de vir ter células cancerianas é elevada. — As lágrimas queimavam-lhe agora os olhos. — O médico aconselha-me a remove-lo, por segurança.

        Daniel abraçou-a com força, querendo tirar-lhe toda a tristeza.

        — Se remover o ovário, não vou poder ter filhos. Se a nossa relação evoluir, não vamos ter filhos biológicos. Percebes. — Alice chorava contra o peito dele. O estômago dela estava às  voltas, as suas emoções estavam ao rubro. 

        — Alice eu amo-te. — Ela olhou para ele. — Amo-te como nunca amei ninguém. Quero ter tudo contigo. Casar. Construir uma vida. Se existe o risco de ficares novamente doente, acho que deves seguir a orientação do médico. Quando chegar a altura de ter filhos, vamos adotar. Vamos ama-los da mesma maneira. Simplesmente porque nós nos amamos. 

        Alice abanou a cabeça, as lágrimas corriam silenciosamente pelas faces. — Isso dizes agora. Mas e depois vai chegar a altura que queres filhos teus e vais acabar por culpar-me.

        Ele limpo-lhe o rosto.

        — Tens-me assim em tão baixa conta? Achas que sou assim tão mesquinho? 

        Alice baixou os olhos. — Desculpa...

        — Operar é o melhor pela tua saúde. Eu quero o melhor para ti. Quero estar ao teu lado em todos os momentos: maus e bons — disse fitando-a — tu para mim és uma heroína, nem consigo imaginar por tudo o que passas-te. E aqui estás tu, uma mulher forte e linda. — Ele limpou-lhe as lágrimas com o polegar. — Não decidas por mim. Dá-me um hipótese. 

        Alice sentiu-se vulnerável pelas palavras dele. Não tinha a certeza como seria o futuro, mas ela o amava tanto. Queria superar o medo que a fazia correr dali para fora e manter-se aquecida nos braços dele.

        Ela falou baixinho. — Obrigada. Significa muito para mim.

        Daniel beijo-a, um beijo doce e delicado. Ele queria poder tirar todas as dúvidas que ela pudesse ter. Toda a dor. Porque para ele, ela era perfeita, não imaginava estar com mais ninguém a não ser Alice.














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