Visita Surpresa



— Quanto mais se mexer, mais vai doer, minha senhora.

Travei os dentes enquanto a mais velha continuava a fazer o que precisava. Hatsu tinha em mãos um instrumento que se parecia de tortura, um pedaço de bambu com cinco ou seis agulhas que eram mergulhadas em tinta preta e furavam minha pele, eternizando um padrão gravado na carne.

Eu não sabia dizer com certeza para que serviam os símbolos, mas sei que desde que Hatsu começou a os desenhar, a marca de Amarate diminuiu expressivamente a velocidade de avanço. De tempos em tempos o selo desaparecia, portanto, é necessário retocar, o que me faz entrar num ciclo recorrente de dor.

— Me deixe fazer um desenho em você depois — rebati fechando a mão em punho —, vou me sentir melhor assim.

Hatsu deu um riso e logo depois das últimas espetadas, senti um pano frio ser colocado para que a ferida não infeccionasse e em seguida o robe voltar para meus ombros.

— Se deseja ficar enfaixando o braço a todo instante, podemos parar.

Balancei a cabeça, ter a mobilidade total de volta no fim acaba compensando. Até mesmo recuperei um pouco o controle sob minha energia amaldiçoada, voltando a ver Kiran com mais frequência.

— Senhora [Nome] — Tani abriu a porta — gostaria de tomar chá no jardim hoje?

Balancei a cabeça — Por favor ajeite na varanda, não estou muito inclinada a ficar no sol. E não precisa de muitos petiscos, em dois meses que fiquei aqui minhas bochechas estão redondas como nunca estiveram antes.

A garota deu uma risadinha animada e saiu, tomei um momento para olhar pela janela da casa tradicional e ver as folhas alaranjadas subjugando completamente o verde da montanha. O clima ainda se mantinha acalorado, mas a terra começava a se preparar para a época mais fria do ano.

— Preocupada com o mestre Toji?

Franzi o cenho — Nem passou pela minha cabeça. Por que estaria?

— Já faz alguns dias que saiu com o Sr. Cérbero e não dá notícias — explicou.

Me levantei, com um pouco de dificuldade, sentindo o ombro onde foram feitas as marcas doerem — Não vou falar que ele é crescido o suficiente para se cuidar sozinho, mas pelo menos sabe bater se precisar.

Quase pude ouvir a mais velha soltar um alto suspiro, apesar de estarmos vivendo sob o mesmo teto a situação do nosso acordo não mudara. Ele era quase um fantasma que ficava andando pelos cantos e garantindo que nada de estranho iria se aproximar. Se troquei mais do que duas ou três sentenças faladas num único momento, foi muito.

Eles tentavam, Hatsu, Cérbero, mas não eram eles que precisavam falar ou fazer algo. Não sou idiota a ponto de não reparar os olhares na minha direção, as perguntas intermediadas, ou a atenção silenciosa que o homem deposita em cima de nós. Porém, um dia de desculpas nunca é o suficiente.

Segurei a dobras do yukata escuro ajustando na altura do pescoço, nunca fui a maior adoradora das vestimentas tradicionais. Contudo, se provaram ser bem confortáveis, considerando que a casa não tem nenhum resquício de modernidade, até que combinava.

Andei acompanhada de Hatsu para a larga varanda que havia nos fundos, me lembrava a casa antiga. Me sentei numa almofada em frente a uma pequena e retangular mesa que havia ali ajeitada numa posição confortável que comportasse também a barriga, a mais velha se colocou ao meu lado olhando para as plantações e então a floresta que subia a montanha.

— É uma vista bem mais bonita do que aquela nas terras Zenin — comentei cutucando de leve a lateral do ventre onde alguém parecia estar dando cambalhotas.

— Sim, me lembra meus tempos de menina. Um parente tinha uma casa como essa, tinha um riacho que passava pelo terreno, mal passava de um fio de água, mas era cristalino e da superfície dava para ver todas as pedras coloridas no seu leito. Nos dias mais quentes ficávamos descalços e corríamos por ele até que as pernas se cansassem.

A mais velha deu uma pausa — Claro que isso durou apenas até eu completar meus sete anos e minha família descobrir que não tinha nenhuma habilidade em particular, e me vender para ser uma servente.

— Quando surgiu sua habilidade ocular?

— Pouco depois de eu fazer dezessete anos — repentinamente sua voz suave ficou mais séria, com um tom escondido de dor. — Meu primeiro mestre era muito diferente, exigia serviços além daqueles relacionados a casa. Muitas das minhas superiores me avisaram que um dia chegaria a minha vez, mas quando ela veio, o desejo por manter minha honra foi maior.

Mantive os olhos no chão e a boca fechada enquanto sua história era levada pela brisa e embalada pelo farfalhar das folhas secas.

— Naturalmente, para aquela época, fui punida. Recebi uma pancada nos olhos que tirou minha visão por alguns dias, e quando voltei a enxergar, algo especial voltou com ela.

— Sinto muito, Hatsu.

Sua mão segurou a minha passando uma sensação de tranquilidade — O que foi feito, foi feito. Ganhei e perdi no processo, as decisões que tomei depois foram mais importantes.

— O que fez?

— Deixei de servir a quem me comprou, enquanto andava em direção ao território Zenin de mãos vazias. Encontrei a antiga madame, a mãe do mestre Toji. Foi então que senti que minha vida realmente começou. — ela deu uma pausa — Não estou falando para perdoar mestre Toji de todos seus pecados, mas não feche seu coração para o futuro.

Puxei minha mão do seu aperto — A última vez que fiz isso, não deu muito certo.

— Senhora [Nome] — Yuina abriu a porta interrompendo nossa conversa — temos uma visita. Alguém que se chama Haruna, pede para falar com a madame. Diz ter uma mensagem de alguém chamada Pinxie.

Taleyah, faz semanas que não tenho uma notícia da garota.

— Por favor, peça para entrar, e prepare mais uma xícara.

— Como desejar.

Poucos segundos depois escutei os passos vindo em nossa direção, e não importa qual imagem criei em minha mente, a figura que passou pela porta era completamente exuberante. Vestia um casaco luxuoso e no rosto tinha um óculos escuros de marca estrangeira, esbelta tinha as pernas longas junto de uma cintura fina e busto farto.

Fiz menção de me levantar, mas a mesma pediu para que eu não me mexesse.

— Não se preocupe, não sou adepta das formalidades tradicionais — a mulher se sentou a minha frente —, só estou fazendo um favor.

Hatsu se levantou dizendo que iria nos dar privacidade, olhei com cuidado a figura, ela tilha grandes olhos brilhantes voltados para mim e um sorriso no rosto de maças coradas.

— Você é bem mais bonita pessoalmente.

Não era o tipo de frase que estava esperando, Haruna tombou a cabeça para o lado ajustando os fios de cabelo atrás da orelha. — Desculpe, minha cabeça tende a ficar embaralhada quando vejo alguém tão bela.

Um riso deixou minha boca — Deve morar numa casa sem espelhos, então.

Ela riu — Aquele idiota do Toji é um cara de sorte, e até que tem um gosto descente para casas. Ainda não acredito que ele pegou todo seu dinheiro para comprar esse lugar.

— Parece saber bastante da nossa história — disse com uma leve desconfiança, mantendo os olhos atentos em seus movimentos.

— Falha minha — ela bateu na testa de leve —, talvez tenha ouvido de Cérbero meu outro nome, Perséfone. Pinxie está trabalhando para mim, manter o submundo jujutsu em ordem depois que Mundi se foi não é fácil.

Então todas as histórias que Cérbero me contou como se fosse um conto de fantasia voltaram a mente, no pequeno grupo de desajustados que eles criaram para tirar a tirania do topo. A deusa da primavera teve um papel fundamental.

— A situação parece um pouco mais clara agora — Tani pediu licença e serviu acompanhamentos acompanhados de um chá. — Disse ter uma mensagem para mim.

— Também — Haruna abriu a bolsa e tirou de dentro dela um envelope —, não se preocupe. Ela está bem, só mais dedicada ao trabalho do que nunca.

— Não soa como a Pinxie que eu conheço.

Minha companhia sorriu — Você não é a única que quer livrar o munda da existência de Minori e Corvo. Ambos estiveram andando soltos por tempo demais, é ruim para os negócios.

— Não era para um novo grupo ter assumido o lugar de Mundi? — questionei sabendo que o ex-detetive Kon, na verdade, intermediava as vontades de um grupo de clientes.

— Digamos que eles tiveram um acidente — respondeu pegando um biscoito da mesa —, as coisas funcionam melhores quando tem mulheres no comando. Já sobre o restante, pedi para Toji e Cérbero verificarem o último local que ouvimos do Corvo, estaremos mais perto de Minori quando o pegarmos.

— Não sabia haver uma operação tão grande assim atrás dos dois.

— Mesmo entre os feiticeiros, as escolas, e o submundo, existem aqueles que significam problemas e pendem a balança do equilíbrio. Nesse caso, o senso comum é que precisam ser eliminados o mais rápido possível.

— Parece que ainda existe um pouco de sorte para mim — respirei fundo, tombando a cabeça para trás, olhando para o teto por um segundo.

— Mesmo que não fosse, tem pessoas que se preocupam com você mais do que imagina — ela bateu a mão na mesa suavemente e se levantou —, pode vir visitar a criança se quiser. Ficarei grata em a receber.

Nesse instante a porta se abriu com força.

— Sabia que não fazia sentido me mandar para um buraco como aquele — Toji disse —, o que está fazendo aqui?

Perséfone sorriu — Estou oferecendo para a querida [Nome] os meus serviços. E também a minha casa se ela desejar.

Essa segunda fala veio acompanhada de uma piscadela e um tom de flerte. Essa ação pareceu inflamar algo no homem que travou o maxilar, e indicou com o braço para Haruna ir embora.

— Por mais que eu adoraria ficar, tenho coisas para fazer — ela se levantou e acenou —, não precisa me acompanhar brutamontes, eu sei o caminho. Até mais [Nome], se cuide.

Do lado de dentro, por conta das paredes finas, a escutei falando com Cérbero, mas minha atenção caiu sob Toji que fechou a porta atrás dele e virou a cabeça em minha direção.

— O que é?

— Ela não disse nada... Estranho para você, disse?

Nunca o vi tão, desconcertado. O até então sempre confiante Toji parecia de algum modo incomodado, esse é um cenário novo.

— Quem sabe — dei de ombro —, recebi um convite tentador.

Respondi saboreando de um sentimento conhecido. Quem diria que iria viver para ver o homem com ciúmes, e de uma mulher que acabara de conhecer.

Naturalmente nasceu um riso, e mesmo que Toji ainda me olhasse confuso, não me preocupei em responder. Abri o envelope contendo a carta de Taleyah, sem estar realmente preparada para o que havia dentro dela.

Os primeiros parágrafos me deram um breve escopo do que estava fazendo nos últimos meses, mas o restante dela, dava informações sobre alguém que a muito tempo estava esquecido.

Senti a cabeça ficar leve e bati a mão na mesa, fazendo a xícara vazia tombar para o lado. Soltei o papel ainda digerindo as palavras.

— [Nome] — Toji me chamou. Não sei dizer quando ele se aproximou, mas estava servindo de apoio —, olhe para mim. Hatsu!

— Estou bem — tentei controlar a respiração, fechando os olhos em seguida.

Indiquei com a mão o papel na mesa — A carta, você sabia do meu tio? Que eles está trabalhando para Perséfone?

Toji engoliu seco — Que ele existe, sim, descobri na Tártaro. Agora a segunda parte não.

— Não é possível — balancei a cabeça segurando o tecido da sua camisa —, tem que estar errado.

— Parece bem possível para mim, visto que ele ajudou a criar uma distração para eu poder me aproximar de Mundi.

— Não Toji — levantei a cabeça para olhar em seus olhos — você não entendeu. Não existe essa possibilidade.

— Por quê? — sua voz soou baixa e preocupada.

— Ele está morto.









N/A: UOOOOOOOOOOOOO, fala sério por essas vocês não esperavam.

Obrigada por ler até aqui! Me deixe saber seus pensamentos, comente para eu saber que ainda tem pessoinhas interessadas no rumo da história (já que o baby Megumi é um divisor de águas, sofremos alguns drops no caminho, mas seguimos fortes rumo ao fim)!

Considerações:

1° Perséfone Haruna, essa mulher sabe flertar.

2° Tio 2, vilão ou homem de segredos?

Até mais, Xx!

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