Toxinas



O fim da tarde e noite do dia anterior foi como — por mais estranho que seja —, um sonho. Não parecia real mesmo que eu repassasse cada passo na cabeça e cada conversa que tivemos. Quase parecia bom demais para ser verdade, Toji me segurou entre seus braços a noite e apenas dormimos, em paz, pelo que pareceu a noite inteira.

Não era tão estranho, nossos gestos e gostos pareciam estar se completando de uma maneira diferente. Quando deixamos o hotel de manhã, pela primeira vez em meses parecíamos um casal, aos olhos dos curiosos é claro, passamos pela porta simples da cafeteria — de mesas pequenas e assentos estofados —, naquela manhã atraindo alguns olhares. Podia ser pela aura que nós dois passávamos juntos ou pelo reflexo dos dois anéis de ouro ainda dispostos na mão de cada um.

A mesa escolhida foi no canto longe daquela atenção e próxima a uma janela, da onde poderíamos observar a rua. Ter entrado ali não foi uma decisão aleatória, o estabelecimento ficava nos arredores da escola de Kyoto, poderíamos observar um pouco da movimentação antes do enfim encontro com Minori.

Fizemos um pedido e apenas aguardamos, apoiei a mão no rosto enquanto observava alguns jovens fazerem o caminho para suas escolas. Quando descobri minha energia amaldiçoada, fui impedida de frequentar a escola jujutsu me pergunto como isso teria possivelmente mudado a minha vida.

Talvez nunca tivesse me encontrado com Toji, ou salvo Taleyah, talvez fosse uma vida mais simples e digna da que levo atuando no submundo. Será que ainda assim minha tola irmã estaria metida com Amarate? Apenas o pensamento da Imperatriz do Fim, fez com que a minha mão esquentasse, era inegável que a marca selada em minha palma tinha uma ligação com a maldição. O que me preocupava era o porquê.

Tinha uma teoria em mente, porém em meu âmago desejava ardentemente a ignorar e clamava para estar errada.

— O que está pensando? - Toji esticou o braço apenas para empurrar o franzido entre meus olhos —, parece que o açucareiro é a coisa mais horrível que já viu.

Um riso fraco deixou meus lábios, ergui meus olhos para ele assim como eu tinha o rosto apoiado na mão, mas em sua feição havia uma expressão de tédio.

— Talvez seja — respondi —, não precisa ficar me acompanhando. Não tinha suas próprias coisas para resolver por aqui?

— Já resolvi, só me resta aproveitar o restante do meu tempo com minha querida esposa — um brilho lascivo tomou o fundo de seus olhos, alimentando as feras que sempre pareciam estar presas atrás deles —, embora eu desejasse ser num lugar um pouco diferente. Longe daqui.

— Seja um bom menino, quem sabe assim não ganha uma recompensa — propositalmente cruzei as pernas embaixo da mesa roçando a dele processo. Em épocas antigas apenas esse gesto seria um ultraje.

Nossos pedidos chegaram e até que foi um café da manhã relativamente comum, quando saímos a agitação das primeiras horas da manhã já havia diminuído, o que tornava a tarefa de observar ao redor muito mais cuidadosa. Por fim paramos numa praça sentados num banco afastado olhando algumas mães e velhos passeando.

— A escola não parece tão idiota, como sua irmã conseguirá entrar?

— Minori tem contatos, também não é difícil para ela conseguir corromper alguém, se passar algum tempo com ela pode descobrir que minha irmã pode extremamente persuasiva.

Toji jogou o braço sobre meus ombros e olhou para as poucas árvores que estavam a nossa volta — E no que se encontrar com ela novamente vai te ajudar?

— Sabe como gêmeos no mundo jujutsu são considerados lixo, produtos incompletos, um poder divido — respondi —, eu tenho Kiran. É meu único contrato, porém é forte, Minori consegue controlar diversas maldições, só que são fracas. Desde que ela começou a caçar informação sobre Amarate sinto essa sensação inquieta, então devo ter muito mais a ver com o assunto do que gostaria.

— Sua raposa não sabe de nada?

— Não além do que eu já saiba. Minha melhor, e pior teoria, diz que provavelmente Minori quer a minha técnica de possessão para manifestar Amarate no mundo novamente.

Apesar de o assunto ser sério, estávamos conversando tão baixo que qualquer um que olhasse pensaria ser apenas sussurros doces trocados entre um casal. Não teorias para uma eventual morte, a minha.

Toji teria respondido, mas algo veio correndo e se chocou contra a sua perna, inclinei o corpo para a frente vendo um bebê de não mais de três anos caído sentado no chão com lágrimas prestes a verter dos olhos.

— Olha o que você fez! — soquei a perna de Toji pegando o garotinho em meus braços, implorando mentalmente para que ele não chorasse.

— O pirralho que atropelou a minha perna e eu sou o culpado? Você é inacreditável, mulher.

Olhei em volta tentando achar alguma mãe desesperada, não vendo nenhuma nos arredores, a criança puxou a parte da frente da minha blusa balbuciando palavras incompreensíveis. Os cabelos eram castanhos escuros e seus olhos tinham um brilho cor de mel gentil, bochechas redondas e coradas deixavam o pequeno muito mais fofo.

Ele se inclinou na minha direção apenas para bater na mão de Toji — Ei, pirralho não saia por aí tocando o que não é seu.

— Não é seu também — bati sua mão para longe do meu peito, me levantando em seguida para achar os pais do garoto. Um homem de aparência jovem se aproximou arrumando os óculos no rosto.

— Pelos céus você está bem, eu apenas tirei meus olhos por um segundo e ele correu! Muito obrigado, muito obrigado! — a criança se inclinou na direção dele trocando de colo, o recém-achado pai parecia ser mais novo do que eu.

— O coloque numa coleira — Toji respondeu sorrindo de maneira venenosa.

— Não ligue para ele — voltei a sorrir para o rapaz —, existem aqueles coletes que se coloca em crianças, principalmente as fujonas. Foi isso que ele quis dizer.

— Ah, sim, de novo muito obrigado — ele se curvou e saiu andando com o filho nos braços, virei para Toji chutando de leve a sua canela.

— Vai te matar ser um pouco mais educado e menos babaca?

— Potencialmente — o homem se levantou colocando as mãos sobre os meus ombros —, morrerei de tédio. Nem eu ou você, estamos do lado dos caras bons [Nome] o melhor que podemos fazer é ficar longe deles.

— Agora que tal dar um pouco de atenção para o seu tão amado marido?

— Mais? — me afastei — Tudo que eu fiz nas últimas semanas foi ficar com você, em muitos sentidos.

— Estou dizendo que talvez o assunto da sua irmã não seja grande coisa, estamos na cidade a alguns dias e não achamos nada. Dragon devia estar mentindo, não tem nada para ver.

— Com todos os problemas que enfrentamos para chegar aqui? Nunca — cutuquei seu tórax com o dedo indicador —, e o que é essa conversa de repente? Até parece que quer me tirar daqui?

Seus olhos encararam os meus com frieza, no rosto uma feição séria que quase beirava a preocupação — [Nome], me escuta, eu...

Nesse instante um vento intenso ergueu do chão as folhas secas, o ambiente se tornou mais escuro e no céu acima vi descer uma cortina de maldição. Todas as pessoas normais que estavam do lado de dentro agora estavam deitadas no chão, apenas esperando para que os vermes começassem a consumir seus corpos. As pedras cinza do cimento que fazia os caminhos estava pintada de vermelho, folhas das árvores, a pequena fonte, tudo foi tomado por carmesim.

Todos aqueles que poucos instantes atrás aproveitavam uma manhã tranquila estavam mortos; até mesmo as crianças.

— Que diria — Minori surgiu me deixando em alerta —, parece que o assassino de feiticeiros realmente tem alguma palavra. Sabia que traria [Nome] direto para mim.

O pouco de sentimento que tinha no meu peito se retorceu, e pela primeira vez vi nos olhos verdes de Toji o sentimento de culpa. Queria negar de todas as maneiras as palavras que ouvi, esperei ouvir de alguma forma negação, porém ela não veio.

— Não foi o que combinamos, chegou um dia mais cedo — ele disse dando um passo em minha frente, como se me proteger agora, fizesse uma grande diferença.

Minori riu girando a mão — E esperar para ver você fugindo com minha irmãzinha após brincar um pouco de casinha? Nunca. Sua missão era a trazer em segurança até aqui, um mero guarda-costas, até pediu um valor maior quando os velhos da sua família a ameaçaram, por que toda essa reação agora?

Minha irmã deu alguns passos em nossa direção, estava mais pálida do que me lembrava, completamente trajada em vestes escuras e nos lábios pintados de vermelho ostentava um sorriso cínico — Não me diga que se apaixonou pela minha irmã.

Não me importava os assuntos que os dois pareciam estar discutindo, já não me valia de nada. Inegavelmente ele havia me entregue para morrer, cravando com um punhal em meu peito a verdade; o sentimento que fantasiei em minha cabeça não é real. Os sentimentos que iam e voltavam não eram nada além das toxinas dessa droga de amor queimando nas minhas veias.

Traição realmente é um sentimento desprezível, a verdade da situação iluminou as finas linhas que prendiam meu corpo revelando que eu não havia passado de uma marionete. Seguindo exatamente o roteiro escrito para mim, tola inocente, que achou ter encontrado num igual à possibilidade de uma vida comum. Como pude ser tão estúpida? A porta da felicidade só se abre para aqueles que a merecem, alguém de alma manchada como eu não tinha esse tipo de privilégio. Estava condenada a ver alegria nascendo no rosto das outras pessoas de uma cela escura nos confins de minha mente.

A energia amaldiçoada de Kiran tomou meu braço, não existia mais motivos para continuar, sem conseguir conter uma risada escapou da minha boca, meus olhos ardiam e na língua podia sentir o sal das minhas lágrimas. Meus ombros tremiam, mas não consegui diferenciar se era por conta da traição ou da raiva. A gargalhada cínica que veio junto com a realização da minha ignorância rasgou o silêncio do local afiada.

— Você quase me teve nessa — dei dois passos para trás limpando a trilha molhada pelo meu rosto —, pensei podermos nos entender. Cheguei a achar sermos iguais, só que na verdade, você é muito mais podre do que eu.

— Não, [Nome]-

A mão com as garras de Kiran pegaram seu rosto — Nunca mais diga meu nome, e a propósito meus assuntos com você acabaram.

Com o poder da yokai em sua totalidade e o benefício da surpresa, Toji foi arremessado para longe, quebrando algumas árvores no caminho e parando estirado contra a lateral de ferro das imediações. Poderia muito bem estar morto pelo que me consta.

Minori pareceu espantada por um segundo e voltou o olhar para mim — Mulheres apaixonadas são realmente assustadoras.

— Corte a conversa, já que tudo era só uma armadilha. Não tem mais necessidade de ficar aqui não é?

— Acha mesmo que depois de todo esse trabalho eu vou apenas deixar você partir? — duas grandes maldições surgiram detrás dela, fracas, mas enormes.

Entreguei o controle para Kiran, que também já estava borbulhando com aquela situação. Sua voz soou sobreposta a minha.

— Sim.










N/A: Por favor não me odeiem. A verdade da missão precisava vir a tona, eles precisavam se separar. E outra estava no título anterior "Doce Delírio" foi um delírio coletivo.

Acabou? Não, ainda tem muita coisa  pela frente.

Próximos capítulos são POV do Toji e acompanham ele nessa nova jornada.

Vejo vocês na próxima!

Até mais, Xx!

Música do capítulo

https://youtu.be/YakeqjdedVI

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