Projeto de guarda-costas



— Ainda não entendi que diferença faz essa aliança no meu dedo — reclamei em língua nativa aproveitando a carta de estrangeira para falar com Toji.

— Colabore com o plano [Nome] — respondeu levantando o garfo até a boca —, acredite em mim. Faz diferença.

Segurei a vontade de revirar os olhos e cruzei os braços desviando os olhos da pessoa sentada na minha frente, para o café em que estávamos. O prédio era pequeno, branco como a maioria, porém a moldura das janelas e das portas eram de um azul profundo que se destacava. Havia duas pequenas mesas do lado de fora, e dentro mais algumas, turistas estavam por toda parte aproveitando o sol e as comidas locais. Quando chegamos percebi ser algo como uma praça circular, diversas lojas ficavam organizadas em envolta uma fonte de água, com apenas uma entrada e uma saída.

Girei o pescoço ajeitando a blusa justa em seguida, propositalmente colocada pra deixar explícito a barriga e o bebê crescendo dentro dela. Limpei a garganta vendo mais uma pessoa passar arrastando o olho para mesa, a mulher que passou andando quase derrubou os olhos e quando percebeu que eu olhava desviou a ponto de andar para o outro lado.

— Achei que eu devia chamar a atenção pra isca funcionar, mas parece que está fazendo um trabalho melhor que o meu — comentei erguendo a mão para o copo de água para beber o que restava dentro dele.

Toji desviou os olhos para onde a moça saiu e em seguida encarou o prato, pronto para limpar o que restava de comida nele — Ciúmes?

Cerrei os olhos em sua direção — Não tinha quando havia um pouco de sentimento bom por você, quem dirá agora que é meu guarda-costas.

Um riso ecoou — Senti saudade dessa língua venenosa, tenho pena da rosinha por ficar todos esse tempo sozinha com você.

— Tale não foi meu alvo, não se preocupe, tenho quatro meses de insultos reservados.

O homem pegou o guardanapo, limpou a boca e se levantou esticando a mão na minha direção — Sou um cara de sorte.

Pelo movimento, percebi que o plano para tirar o Corvo das sombras havia começado, nunca que ele me daria a mão daquela maneira por livre e espontânea vontade. Toji me ajudou a levantar se aproximando para dizer no meu ouvido.

— Eles já estão aqui, então seja convincente.

Fechei a mão em punho e um segundo tudo que estava na nossa mesa foi ao chão, fingi cair e puxei a toalha chamando o máximo de atenção possível. Soltei o corpo por completo, dando veracidade ao desmaio. Toji passou o braço pelas minhas costas e em seguida pelos joelhos, me levantando nos braços enquanto pedia ajuda com frases ensaiadas.

A própria dona do estabelecimento, pareceu indicar para entrarmos. Por estar com os olhos fechados consegui apenas me apoiar nos sentidos. Uma escada e um corredor depois, acabei sendo deitada numa cama fofa.

— Médico, aqui perto, venha comigo! — a mulher parecia em pânico enquanto Toji apenas concordava, a troca exasperada feita numa língua que nenhum dos dois dominavam resultou exatamente no que foi planejado.

Me deixar sozinha.

A cama rangeu e senti um par de lábios encostar no canto da minha boca, e depois um afago nos cabelos — Você é uma atriz e tanto.

O paspalho sabia que para manter a pose na frente da mulher eu não podia me mexer e tomou vantagem da situação. Senti a maçã do rosto romper em vermelho e por sorte ambos já haviam saído do pequeno quarto, abri os olhos e me sentei em seguida limpando o rosto com as costas da não.

— Espero que você não seja tão abusado quanto seu pai — disse me voz alta —, caso contrário vamos ter sérios problemas.

Foi nesse instante que senti um arrepio correr a minha nuca, e da mesma porta por onde Toji havia saído, tinha uma figura morena com cabelos brancos, praticamente fazendo do corpo uma barreira. Franzi o cenho, Alber foi mais rápido do que o planejado.

— Vamos lá [Nome], se colaborar comigo não preciso te matar — se aproximou com passos lentos e pesados —, tudo que precisa é voltar comigo pro Japão.

Uma gargalhada explodiu, junto dela raiva por ser uma tola — Claro, e então tudo acaba bem, certo? Você tem o seu precioso dinheiro e eu abro a mão da minha vida pela vadia psicótica da minha irmã.

Precisava ganhar algum tempo até o idiota do meu, ainda, marido retornar e salvar o dia.

— Me diga, com sinceridade — pedi —, em que universo você acha que vou me dar pra você dessa maneira?

Alber se curvou para frente — Engraçado, teve uma época em que você não se importava tanto com a vida. Não seja hipócrita e diga que agora tudo é diferente só pela criança no seu ventre, você não é boa desse jeito e uma única vida não apaga todo um passado de pecados.

— [Nome], [Nome]... — Corvo cantou e se aproximou o suficiente para segurar meu rosto —, a única coisa boa que você pode fazer pra esse mundo já miserável, é morrer.

— É uma pena — olhei no fundo dos seus olhos —, não estou a fim.

Empurrei Corvo para o lado e virei dando espaço o suficiente para Toji puxar direto nele, mas não era um cara qualquer, os truques de Alber o fazia ser alguém potencialmente problemático de lidar, inclusive para o assassino de feiticeiros.

— Avisei que se encostasse na minha mulher para algo que não fosse usar a técnica de reversão, sua cabeça ia rolar.

Alber segurava os pulsos do Toji impedindo a esganadura, usando o pouco de ar que ainda restava para ralhar entre-dentes — Não se preocupe, tudo o que [Nome] podia me dar eu já usei.

O telhado foi arrancado logo em seguida, um barulho estrondoso similar a de uma explosão soando tão intensamente que fui forçada a tampar os ouvidos. Me encolhi no canto sentindo alguns escombros leves baterem na pele enquanto uma maldição ainda maior que a casa se erguia em direção aos céus. Seu corpo era anelado, tinha um padrão tenebroso, similar a feições humanas distorcidas grudadas uma a outra. Dois longos braços, cada um com três garras nas pontas, pareciam agarrar o ar e o impulsionar para cima.

Senti o chão embaixo do meu pé vibrar, indicando que talvez aquele segundo andar não aguentasse por muito mais tempo. Sem esperar por uma permissão, levantei seguindo para fora do quarto em direção às escadas e então, para fora do estabelecimento. Correr não é uma opção, mas andar como se estivesse caminhando na praia, também não.

Tinha o punhal de Cócito em mãos, porém era apenas como uma garantia, o que eu realmente precisava fazer era sair dali.

Inevitavelmente o pânico reinou, os capangas de Corvo soltaram maldições na praça e as mesmas estavam aproveitando para instalar o mais absoluto caos. Respirei fundo, tentando acalmar o coração e mantendo a mão na frente do corpo.

Parei para analisar qual era a melhor rota de fuga, quanto mais conseguisse evitar as maldições, melhor a chance de sucesso. Atrás de mim mais uma vez a criatura se mexeu, dessa vez atacando a praça, seu enorme corpo caiu no espaço circular, sugando para dentro tudo que tinha pela frente, pessoas e maldições menores.

Independente de onde minha carona estava, naquele instante meu caminho foi definido como sendo o oposto daquela besta. Estar com a energia amaldiçoada bagunçada me atrapalhava de uma maneira extrema, e nem é pela gravidez e sim a marca de Amarate que cresce a cada dia. Andei evitando os escombros com o máximo de cuidado e também as maldições.

Vi minha saída se apresentar com uma borda dourada, como se fosse a entrada do céu. Infelizmente o meu alívio não durou muito, pois logo ela foi bloqueada pelo estrondo de destruição vinda da luta de Toji e Alber.

— Você só pode estar brincando comigo — ralhei em voz alta — vou matar esse imbecil!

O cenário era justamente aquele que não devia acontecer, presa, num círculo de prédios semi-destruídos com uma maldição que parecia um aspirador do mundo. Sem contar, os dois babacas que se atracando.

Perto de mim acertei duas criaturas pelas costas liberando meu caminho, agradecendo imensamente — apesar das mortes —, por elas estarem se entretendo com os outros turistas preso ali dentro me ignorando por completo.

A grande maioria das pessoas nem estava entendendo o que estava acontecendo, afinal não podiam os ver. Alguns se jogavam no chão, curvados em posição de reza, se agarrando a terços e outras crenças religiosas como se proferir o nome de um deus fosse os salvar da morte. A rua de paralelepípedos, antes cinza, agora está completamente tingida de vermelho.

Coloquei a mão na boca, tentando recuperar a compostura. Tinha na memória cenas piores do que aquela gravada, mas meu bebê parece descordar veementemente, o odor metálico e característico de sangue criou no fundo da minha garganta um embolo de ânsia. Passei entre as mesas arremessadas recitando um mantra interno para não despejar o que tinha no estômago ali mesmo.

Foi então um vento repentino e o sol acima de mim desaparecer por completo numa sombra. A mesma maldição que destruiu a casa, se erguia urrando com um grasno gutural. Se minha alma não tivesse deixado o corpo naquele instante, eu poderia ter visto vida miserável que tive, passar na frente dos olhos.

A criatura mergulhou, a boca grande e de aparência infinita se abrindo um buraco profundo bem em minha frente. Fechei os olhos esperando pela morte rápida que teria ali mesmo. Teria meu ponto final ali mesmo, sem Minori, sem Toji, sem Taleyah, deixando para a imaginação a vida que ainda não nasceu.

Para minha surpresa, o barqueiro dos mortos não veio me buscar.

Como um anelídeo que funda na terra, a cabeça da maldição bateu na parede atrás de mim, tirando de dentro do restaurante algumas poucas pessoas que se escondiam dos terrores invisíveis as arremessando para cima e devorando como se fossem nada.

Enquanto esticada, alheia do único predador mais forte que ela na pequena arena. A maldição foi exorcizada.

Toji caiu na minha frente depois cortar o meio dela de ponta a ponta, pedaços de pessoas semi-mastigadas caindo no chão, enquanto a carne se desfazia no ar.

— Por que você não-

Interrompi o homem me curvando para frente, o estômago saltando e enfim jogando pra fora o que eu estava tentando manter dentro do corpo. Bati a mão no tronco de Toji buscando apoio, torcendo a camisa entre os dedos enquanto meu almoço fica aos seus pés. Não uma, mas duas vezes.

Tossi, sentindo lágrimas nos olhos pela força muscular feita, cuspindo em seguida para o lado.

— O que disse? — limpei a boca erguendo os olhos.

Os olhos verdes de Toji se calaram, assim como sua boca. Ele alcançou o bolso e me estendeu um guardanapo limpo envolto num pacote de bala.

— Isso não foi ideia sua — apontei, pegando de sua mão e me afastando do local.

— Essa não, foi do cão de guarda — respondeu —, a minha ideia está na aliança. Ou aquela maldição teria te devorado aqui mesmo. Antes de vir, Hatsu colocou alguma coisa aí dentro.

Toji levantou a mão para o pescoço virando o rosto — A velha sabe fazer feitiços de proteção.

Olhei para o círculo dourado no dedo, por isso da insistência. Hatsu... Mesmo após sumir sem dizer uma única palavra, a governanta continua a cuidar de mim. Fechei a mão, deixando o pouco de sentimento de gratidão que surgiu, sumir da mesma maneira. Limpei a boca mais uma vez, comendo a bala e jogando o pano, agora sujo, no chão.

— Precisa melhorar seu serviço de guarda-costas. O feitiço foi uma boa ideia, mas bloqueou minha saída, quando estourou aquele prédio — apontei na direção oposta, ele seguindo minha indicação com os olhos —, e o Corvo?

— Fugiu.

Fiz uma careta — Como?

— Com as pernas — rebateu, e continuou —, não consegui dar o golpe final sabe. Minha adorável esposa e chefe, parece que esqueceu como se foge de uma maldição.

— Também o faria se estivesse mais preocupado em não vomitar as tripas para fora do corpo e manter nosso filho vivo — cutuquei seu peito com o indicador, percebendo apenas depois a palavra que escorregou pra fora da boca.

Toji pareceu tão surpreso quanto eu, desde que nos encontramos foi a primeira vez que falei com todas as palavras. Durante um curto silêncio constrangedor e sem salvação, a sorte sorriu para mim e o barulho das viaturas soaram, nos forçando a sair dali sem olhar para trás. Deixando enterrado junto dos escombros, também o assunto.













N/A: Obrigada por ler até aqui!

Até mais, Xx!

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