Presente de grego
*a partir daqui primeira pessoa*
A maldição pegava do vagão em que estávamos até o fim do trem. Era gigante e grotesca, revestia as paredes dos vagões com pele podre e os tomava como se fosse parte de seu próprio corpo. Prova disso é que à medida que atravessava os vagões, a pele se tornava mais espessa.
Pensando num organismo vivo e gigantesco, da maneira que os vagões se dividem imaginei que os que ficavam mais ao centro seria algo como o estômago da criatura. Me provei certa quando as pessoas já pareciam desacordadas e com os corpos cheios de feridas expostas, brotoejas e manchas.
Estavam sendo digeridas vivas. Precisei tampar o nariz pelo cheiro forte que tomava os vagões.
Com uma maldição tão grande assim, não adianta fazer nada além de atacar seu núcleo.
A voz fina entrelaçada de trapaça da raposa soou na minha cabeça como um pensamento
-Sei disso Kiran. O que me preocupa mais é quem teria habilidade o suficiente para convocar uma maldição assim.
A minha resposta era em voz alta enquanto a da yokai continuava reservada apenas para mim. A pele que não estava revestida pelas marcações do nosso contrato começava a coçar, não tinha muito tempo ali.
O centro deve estar literalmente no meio já que aquele olho parecia ser o esquerdo.
-Vamos acabar com isso de uma vez.
Mesmo que passasse exorcizando cada vagão, não adiantaria de nada. Não era uma maldição forte mas a cada segundo que passava sentia meu corpo ficar mais fraco, era um jogo de resistência no fim das contas.
Faltando apenas alguns vagões já sentia minhas juntas inchadas, Kiran já devia ter encontrado o centro a esse ponto então entreguei o controle da possessão em 50% usando de sua mobilidade e força extrema chegamos ao que parecia ser a fonte vital daquela enorme criatura. Mas o estranho foi que não houve resistência nenhuma e depois que a criatura se desfez os sintomas permaneceram.
[Nome], não acho que essa maldição apareceu aqui por acaso.
-É claro que não.
Sobre as vidas que se foram, não tinha mais o que fazer. Os que ainda permaneciam vivos receberiam tratamento assim que chegassem na estação. Voltei para a cadeira, isso sem deixar de pegar sobre um dos maleiros no vagão anterior um casaco para cobrir a repentina vermelhidão que tomava meu braço, Toji parecia bem tranquilo agora dormindo na mesma cadeira ao lado da janela que eu ocupava antes de me levantar.
O veneno deve desaparecer em alguns dias, é bem nocivo. Mas como não ficou exposta por tanto tempo, deve ficar bem.
Não respondi afinal pareceria loucura simplesmente estar murmurando sozinha frases desconexas, pouco tempo depois chegamos a estação. Toji não estava desperto então tive que o acordar.
Nada que um punho fechado contra uma coxa musculosa não resolvesse.
O homem me seguiu preguiçosamente pela plataforma, vi uma comoção se formando nos vagões mais longes indicando que deviam ter encontrado as vítimas da maldição de mais cedo. O que significava que era mais um motivo para que saíssemos dali rapidamente.
-Então resolveu a sua coisa?
-Em partes.
Passamos pelas catracas e segui pelas ruas acompanhada do homem, a residência não ficava tão longe da onde estávamos então andar seria a solução na última etapa do percurso.
A cidade era relativamente pequena e subdesenvolvida quando comparada com as grandes metrópoles. Poucos quarteirões de distância do que era considerado o centro, a aparência do ambiente já começava a ficar mais rural.
Poderia ter feito um caminho seguro, iluminado e pelas vias principais, mas preferi pegar atalhos por vielas e locais mais escuros. Kiran tinha razão quando disse que não foi um mero acaso.
Finalmente apareceu.
Voltei um passo e me virei bem a tempo de bloquear um ataque na direção de Toji, as garras de Kiran tilintavam contra o metal da espada brilhante que servia de arma. No fim da empunhadura uma pessoa que eu conhecia bem e esperava nunca mais ver na vida.
Girei o pulso forçando a atacante a recuar.
-Você cresceu [Nome]. - nunca esqueceria aquela voz esganiçada e repleta de loucura. Um tom cantado de alguém que já tinha se entregado por completo a insanidade. - Fiquei triste porque não me convidou para o casamento.
-Mas deixei um bom presente no trem. Foi um bom, não foi?
A risada ecoou pelo beco escuro enquanto a mulher pulava de um pé para o outro em animação - Não poderia fazer menos do que isso para a minha irmãzinha.
Mexi os dedos da mão, o impacto da lâmina foi forte. Fechei o punho evitando que sangue pingasse no chão.
-O que você quer Minori - a mulher mantinha um sorriso aberto e inabalado em minha direção - Todos nós deixamos de ser úteis no momento em que desertou.
-Vejamos - minha gêmea deu um giro antes de juntar as mãos num sinal de invocação. Sendo uma mestre de maldições é claro que ela tinha algumas coisas guardadas na manga - Não posso te contar bobinha, a propósito...
Ela colocou a mão na frente da boca e disse num sussurro venenoso.
-Cuidado com seu marido.
Os olhos delas se viraram para algo que estava nas minhas costas, isso era ruim. Toji não tinha energia amaldiçoada, mesmo que tivesse habilidades não servia de muito contra uma maldição. Quando me virei, o ser recém conjurado estava prestes a decepar a cabeça do homem.
Poderia ter uma parte dos meus problemas resolvidos com aquilo, mas outros surgiriam. Finquei meu pé no chão o usando de apoio para que pudesse me lançar de maneira rápida em sua direção, alcançando a maldição atrás dele.
Uma distração. Voltei a olhar para a saída do beco, Minori já tinha desaparecido.
-Droga - deixei um som de insatisfação escapar da minha boca - Como se as coisas não tivessem como piorar.
-Tem algo muito errado com a sua irmã - Toji comentou coçando a lateral da cabeça - Toda a sua família é estranha assim?
-Como se a sua fosse muito normal - reclamei - Minori... Se desfez dos laços morais a muitos anos. A realidade que ela enxerga é diferente da que vivemos, senti ela nos observando desde a estação de trem mas não achei que ia se mostrar tão rapidamente.
-O que ela pode querer com você?
Ergui uma sobrancelha deixando um sorriso moldar a minha boca - Preocupado em ficar viúvo? Não se preocupe, e não precisa me agradecer por literalmente salvar a sua cabeça.
-Não se deixe enganar esposa, você que me salvou porque quis. - Toji inclinou a cabeça em minha direção - Tem algo para me falar?
Engoli seco pela proximidade de nossos rostos, os olhos verdes e intensos fixados nos meus. Desafiantes como no nosso momento de treino na noite passada, se ele achava que eu me deixaria abalar apenas por um par de olhos bonitos estava bem errado.
-Sim - Deixei a distância entre nossos rostos ainda menor, minha voz rouca e entrelaçada com um tom sedutor que costumava colocar homens aos meus pés - Porque Minori me disse para ter cuidado com você?
-Vai ter que descobrir sozinha.
Canalha.
N/A: Estamos de volta e agora é pra ficar.
Atualizações regulares em até 2 semanas. (ou tem cap novo toda sexta ou sábado ou se acontecer de pular uma semana tem com certeza na próxima)
Obrigada por me aguardarem até agora.
Agora o bicho por aqui vai pegar!
Até semana que vem, Xx
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