O Segredo do Sangue


O grupo era estranho, Toji se mantinha de braços cruzados encostado no canto do apartamento observando com cuidado os outros três que se acomodavam na sala do apartamento emprestado. Um ex-detetive que fumavam mais cigarros do que podia contar, um homem de meia-idade cheio de arrependimentos e desejos mundanos e uma mulher a qual era completamente desconhecida.

— Eu não me lembro de ter avisado Cérbero, então, por que está aqui?

— Porque eu sabia que você não iria avisá-lo — aquela que se chamava de Perséfone ajustou o casaco no corpo antes de se sentar no sofá velho. Diferente do dia anterior, ela vestia longas calças escuras, uma blusa que cobria até mesmo seu pescoço e então um casaco por cima de tudo.

— Ela é uma parte vital do nosso serviço, eu sugiro que a trate bem Toji — Kon comentou antes de acender o primeiro cigarro do dia, pelo menos o que ele viu.

— Não espero nenhuma gentileza de um bruto como ele — a mulher aceitou o cigarro estendido em sua direção —, ficou bem claro para mim que a única pessoa que ele acha merecedora de ver seu lado bom é a esposa desaparecida.

— Não sabia que essa reunião era sobre mim — rebateu —, preferem que eu me retire para as senhoras fofocarem pelas minhas costas?

Kon soprou a fumaça do cigarro para cima — Por favor, se quiserem se matar o façam depois do pagamento, Perséfone está apenas tirando uma com a sua cara. Você não faz realmente o tipo ela.

— Aposto que não.

— A menos que você corte o que tem no meio das suas pernas e coloque seios, realmente não faz meu tipo — respondeu —, mas ouvi dizer que sua esposa é alguém para se observar.

— Ela arrancaria fora seus olhos antes de conseguir chegar a dois passos de distância, posso garantir isso.

Perséfone, cruzou as pernas mantendo o olhar fixo em Toji, parecia que ambos estavam prontos para se lançarem na garganta um do outro a qualquer instante. Cérbero entrou no meio cortando o contato visual.

— Certo, vamos parar por aqui — ele se virou para o Zenin no canto —, ela tem controle da maior rede de informação do submundo. E também é a favorita de Hades, como você pode imaginar.

— Favorita — Kon soltou um riso de deboche —, ele a trata como se fosse realmente uma deusa.

— Parece mais um demônio para mim.

— Crianças — o estrangeiro se levantou —, vamos falar de negócios. Perséfone quer Hades morto, pelo menos isso temos em comum e é apenas o que precisamos saber. Agora ao que realmente importa, nosso cliente foi comprometido.

O grupo de manteve em silêncio esperando que ele continuasse — Um dos membros está sendo influenciado por uma maldição, não fazendo qualquer tipo de piada, mas uma mulher estava no conselho. Não só é incomum como também inesperado.

— Eu não ouvi nada sobre isso — a única dama na sala comentou —, sei de homens que se matam para tentar uma cadeira dourada no novo Olimpo, ou seja lá qual é o nome idiota que eles usam. Porém, nunca uma mulher.

Toji não precisava de mais para ter uma opinião sobre quem era, não tinha nenhuma dúvida. Apenas uma pessoa era persuasiva o suficiente para conseguir o que queria dessa forma.

— É Minori — o silêncio que veio depois disso anunciava que o restante deles também tinham os mesmos pensamentos rastejando para suas mentes.

Pérsefone respirou fundo, soltando o ar audivelmente pela boca — Certamente ela tem maldições o suficiente para conquistar um exército e se meus correspondentes estão certos, o que ela conseguiu em Kioto pode dar muito mais.

Ela tomou fôlego e se ajeitou confortavelmente na cadeira antes de começar a narrar.


No começo, antes de o mundo ser mundo, forças reinavam com soberania. Dia e noite, espaço-tempo, vida e morte, bem e mau, para todo positivo um negativo e para todo negativo o positivo.

Equilíbrio entre aqueles que comandavam as terras e os mares, mas não entre os humanos que passaram os habitar depois deles. Dor, sofrimento, guerras, das lamúrias de um povo esquecido, sombras tomaram forma se ergueram do chão famintas para se alimentar da miséria. As chamadas maldições nasceram das pessoas, para matar outras pessoas.

Os primórdios do jujutsu se dedicou a lutar contra essas criaturas, foi fundado para cuidar daqueles que não foram agraciados com o dom da visão e energia. Para toda caça, existe um predador, com as maldições não foi diferente, as famílias de feiticeiros surgiram para cumprir seu papel e voltar a equilibrar o peso na balança.

Só que o ser humano é falho, ganancioso, quando apresentado a algo que não pode ter o cobiça.

Amarate, antes apenas uma jovem de nome comum. Herdeira de uma grande família, inteligente para fazer exércitos de curvarem aos seus pés e forte para tomar deles suas riquezas. Tinha tudo, mas, ao mesmo tempo nada, o vazio em seu peito apenas aumentava. Foi então que surgiu em sua vida um homem, falava com ela, cantava melodias de amor, mostravam para seus olhos belezas nuncas vistas, apenas para no fim a presentear com um coração quebrado.

Ela nunca poderia tê-lo, porque seu dever era o de guardar o espaço-tempo. Quando ela partisse, ele ainda teria os pés na terra por muito tempo.

As dores e os gritos profanos para os lordes que reinam o medo lhe deram poder, o sangue derramado por fúria a proclamou rainha. Pela vingança, sob a lua que reina na noite, separou o inseparável. Quebrou com a morte aquele que se julgava eterno, ganhou para si uma maldição e com ela o título de Imperatriz do fim.



— E agora a parte que interessa — Toji pediu levando a mão até os cabelos bagunçados —, por que da historinha?

— Você é talvez a pessoa mais chata que eu já encontrei na minha vida — retrucou —, Amarate era originalmente da família Kamo.

Perséfone estava esperando uma reação maior, mas nenhum dos três homens mostrou qualquer movimento com aquela informação.

— Céus, vocês não sabem? — a mulher abriu a boca, os encarando com surpresa. Com um riso nervoso ajeitou os cabelos deixando transparecer sua indignação — Será que tenho que fazer tudo? Sequer têm alguma ideia do que estão enfrentando?

— Achei ter até o momento, mas você me faz duvidar — o ex-detetive comentou.

— Vou falar claramente para vocês homens ignorantes entenderem — sua mão se levantou no ar, como se estivesse explicando para uma criança como somar dois mais um — Amarate tem energia amaldiçoada ligada ao sangue, [Nome] e Minori são descendentes da família Kamo, embora tenham perdido o nome principal centenas de anos atrás.

Ela bateu as duas mãos juntas, a sua palma ecoou no silêncio do apartamento.

A sensação que Toji tinha, o segredo guardado no sangue de sua esposa, ela era uma Kamo. As ações da sua cunhada psicótica pareciam bem justificadas agora.

— Gêmeos são amaldiçoados, uma alma nunca completa — ele disse em voz alta se lembrando de uma das primeiras conversas com a esposa, se não a primeira dela — Minori quer usar [Nome] e ela mesma para trazer Amarate de volta a vida.

— Parece que não é tão burro assim, uma estrela dourada para você Assassino de Feiticeiros — ela se levantou —, então com essas novas informações, pergunto cavalheiros... Qual é o plano?

Família Kamo, uma das grandes famílias de feiticeiros jujutsu, valoriza intensamente os laços de sangue. A técnica herdada da família era conhecida como manipulação de sangue, uma habilidade muito valorizada por seu equilíbrio. Porém, do outro lado também são responsáveis pelo notório Noritoshi Kamo, que eras atrás realizou experimentos humanos junto de jujutsu.

Toji se perguntou se os velhos de sua família sabiam a origem da sua esposa, faria sentido, afinal em questão de riqueza ou força o até então casamento arranjado nada tinha para oferecer. Quais eram os benefícios que os Zenin tirariam da união? Além de tentar o colocar na linha. O motivo parecia mais justificado quando se pensa na questão do sangue.

— A situação acaba de ficar um pouco mais complicada — Kon comentou e em seguida levantou os dedos para listar motivos — Vamos ter que encontrar Mundi antes que [Nome] o encontre, e antes Minori chegue até ela. O problema maior é que a cunhada de Toji tem contato com Mundi e também está de olho em nós.

— Isso acreditando que é realmente ela que está envenenando nosso cliente.

— Mesmo que tenha contato, não garante que ela sabe onde o velho está — Perséfone disse girando a mão para o mais velho e pedindo um cigarro —, Mundi é muito cauteloso e a maioria das pessoas que conversam com ele nunca o viram antes. Agora...

Ela fez uma pausa para tragar o cigarro — Se Minori for persuasiva, ela pode conseguir um encontro com ele.

— Não é exatamente por isso que ela se infiltraria no grupo destinado a destronar Mundi? — Toji observou e então chamou a atenção dos restantes ele não é tão idiota assim — Informação é tão valiosa quando dinheiro, se for de um agente duplo mais ainda.

— Só é difícil dizer de qual lado ela vai apoiar — a única mulher da sala riu com sarcasmo — isso se ela não escolher ela mesma e destruir ambos.

— Isso seria péssimo para as finanças, não pagaram por tudo ainda — o ex-detetive concluiu — temos muito o que pesquisar. O jeito mais fácil de chegar a Mundi é pelos executivos.

— Estou ciente — Perséfone se levantou —, já fiz a minha parte terei informações em alguns dias. Provavelmente de Minos, quanto a Hades... Preciso esperar me contatar.

— Se gosta de mulheres, o que ele quer com você?

Perséfone riu audivelmente pelo questionamento raso do assassino de feiticeiros — Só porque a minha preferência é diferente não quer dizer que sou ruim em satisfazer o outro lado da moeda.

A mulher se levantou e ajeitou o casaco no corpo — Fazemos o que for preciso para sobreviver.

— Vou continuar atrás da esposa fugitiva — Kon proclamou ignorando a birra e os raios que se chocavam entre eles —, Cérbero e Toji podem ir atrás do Corvo.

Cérbero suprimiu um ganido fino — Corvo? Aquele Corvo? Por quê?

— Para saber se a Yokai passou por lá ou se ele sabe algo que Toji não. — o detetive se segurou para não terminar a frase, mas imaginava que não ser muito difícil saber mais que o marido desolado. Até mesmo Perséfone se provou ter mais dados a respeito da mulher que o próprio cônjuge.

— Você sabe onde o encontrar não é, Cérbero?

— Se ele não se mudou, sim, se não, não.

— É a missão de vocês então, boa sorte.

O mais velho abriu a porta e então saiu junto de Perséfone. Tão rápido quanto eles apareceram no apartamento no amanhecer, se foram, deixando Toji e Cérbero para trás, esses dois saíram pouco tempo depois não perdendo nem um minuto.

A nova dupla estava de volta ao veículo pequeno e popular viajando juntos, entretanto dessa vez por pouco tempo uma vez que o destino era a estação de trem. Ao chegar Cérbero escondeu seu carro numa rua lateral e quando entrou na estação comprou as passagens.

Com sorte tinham um trem em pouco tempo.

— Como você sabe onde aquele idiota mora? — Toji perguntou assim que encontrou o seu lugar. Assento era na janela, a última vez que viajara dessa forma [Nome] estava ao seu lado e Minori deixou uma lembrança de casamento no último vagão. Parecia que aconteceu a anos atrás, mas poucos meses separaram aquele dia do presente.

— Caso não se lembre, eu ainda trabalho entregando missões. E ele é um dos caras do Mundi, precisei fazer uma visita ou outra. — explicou — Como é que você, não sabe como chegar até ele?

— [Nome] faz essa... Coisa, com as portas, não precisei de um endereço.

A resposta fez com que o Cérbero franzisse, falou pouco e não falou nada. Mas julgando pelo olhar de poucos amigos de Toji para o lado de fora, achou melhor deixar por isso mesmo, não queria entrar no lado ruim do assassino novamente.

Sua mão se levantou até o curativo do nariz, ainda estava dolorido, ao menos teria uma desculpa caso o Corvo achasse toda a movimentação muito suspeita. Nunca valorizou muito seu olfato, mas depois que Toji macetou seu nariz mal podia esperar para respirar novamente.

Quem diria que estaria viajando de trem ao lado do mesmo cara que enfiou sua cabeça numa latrina imunda, o mundo certamente dá voltas. Apenas a lembrança do cheiro nauseabundo trazia a tona a ânsia, algo embolado no fundo de sua garganta. Se pudesse escolher uma memória para esquecer com certeza seria aquela, de apenas dois dias atrás.

— Para onde estamos indo, afinal? — Toji perguntou depois do transporte deixar a plataforma.

— Nagoya — respondeu —, é onde encontrei Corvo da última vez.

A cidade era conhecida para Toji, havia outra visita que poderia fazer enquanto na cidade e quem sabe então descobrir um pouco mais da vida que [Nome] deixou para trás. Pensando melhor a melhor opção seria o idiota mascarado nem o ver, existiam duas opções: se o Corvo estivesse do lado de sua esposa iria avisar que Toji estava a procurando, se estivesse contra, quem iria ganhar um alvo nas costas seria o Zenin. Uma boa isca que levaria quem quer que quisesse direto para [Nome].

Ele iria a encontrar, não existia dúvida sobre isso.

Cerca de uma hora e meia separa as duas cidades, os trens-bala realmente eram bem úteis na questão de mobilidade. Só que não eram baratos, Cérbero agradecia por Shiu Kon estar bancando, se tivesse que pagar tudo para ele e para o assassino de feiticeiros estaria falido em menos de uma semana.

A viagem foi silenciosa e incômoda, por isso agradeceu quando finalmente o trem parou na estação, Cérbero saiu com as mãos no bolso acompanhando o homem, um capuz escuro escondia seu rosto, mas o físico não passava desapercebido por outras pessoas. Portanto, a besta percebeu quando ele imediatamente seguiu para outro lado.

— Ei não é por aí, aonde está indo?

— Resolver um assunto, você fala com o panaca de bico — respondeu não parando de andar, o mais velho precisou correr atrás dele.

— Sabe que estou de olho em você, não sabe? Não pode simplesmente sair andando para onde quiser!

— Faça seu trabalho e fale com o Corvo.

Mais uma vez o tom de ordem, aquele babaca insolente! Não tinha respeito pelos mais velhos, nem por seu colega de missão e muito menos por aquele que o salvou de uma busca miserável sem pé, nem cabeça. Tudo bem que ele mesmo ainda tinha suas dúvidas, mas se não tivesse o apresentado para o detetive em primeiro lugar, Toji estaria quebrando outros narizes a procura da sua mulher.

"Assuntos a resolver", que tipo de assunto teria para fazer em Nagoya? Seria outra besta? Não, o grande Cérbero estava lhe prestando companhia, não haveria a necessidade de ter outro o auxiliando, ele era o melhor que poderia conseguir.

Tiraria todas as respostas do narigudo e ganharia enfim a gratidão do assassino de feiticeiros.

Duas esquerdas, três direitas, uma rotatória e então no fim de uma rua sem saída encontrou o suposto escritório do Corvo. Energia amaldiçoada emanava do prédio, aquelas malditas maldições de espaço dele.

Sem bater abriu a porta de maçaneta engordurada e já percebeu certa perturbação no local, a luz em cima da porta do consultório estava apagada, os sofás da sala estavam com rasgos significativos, longas garras de animais pareciam ter cortado o pano sujo como papel. Com cuidado, abriu a segunda porta espiando para dentro do local.

Não havia ninguém, mas a maldição ainda estava ali, o consultório estava completamente revirado, não sabia dizer o que tinha acontecido exatamente, porém, com certeza pessoas estiveram brigando violentamente. Olhou para os papéis jogados ao chão junto de ataduras, vendo por cima se algo lhe interessava.

Caído próximo à mesa reparou num notebook, a princípio intacto e ainda ligado, o pegou do chão e abriu a tela vendo o conteúdo. Era aparelho de uso pessoal do Corvo, não era ninguém de muita índole, então não se sentiria culpado em levar o eletrônico, Kon com certeza conseguiria o usar melhor que ele e tirar informações.

O homem se abaixou para pegar os fios do carregador e então viu as manchas de sangue no canto da mesa quase escondidas e em seguida uma mancha de mão na maca, alguém veio atrás do narigudo e ele não ficaria ali para descobrir quem.

Rapidamente colocou os itens embaixo do braço e fez o caminho de volta para a estação, sem realmente saber se Toji estava realmente bem.

Praticamente do lado oposto do consultório do Corvo, o Zenin percorria ruas quase desconhecidas. Esteve apenas uma vez ali na companhia de [Nome], contava com sua boa memória para se guiar na direção certa.

Apesar de ser primavera, toda a vegetação envolta da casa estava morta, e o cheiro também não era particularmente agradável.

Sem se anunciar, abriu a porta da casa de seus sogros apenas para ser recebido por silêncio e podridão, deu alguns passos para dentro e jogados pelos corredores viu os corpos dos antigos moradores. A matriarca e uma empregada foram partidas pela metade, deixando as vísceras espalhadas pelo chão de madeira, mais ao fundo próximo a uma porta quebrada achou apenas um pé que devia pertencer ao seu sogro e uma mancha gigantesca que parecia ser o resto dele.

Parece que ele não foi o único a tentar conseguir algumas respostas.

Um movimento rápido e tirou a lança do paraíso que levava escondida nas costas, apontando para o infeliz que ousou se esgueirar atrás de si.

— Sempre tão gentil... Cunhado.













• A V I S O •

O capítulo que vinha depois desse acabou por ser mesclado, não fazia muito sentido separar sendo que é a mesma cena.


N/A: Curto e com um PAULADA na fuça. Capítulo de transição simples e efetivo.

Vejo vocês na próxima atualização!

Até mais, Xx!


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