Fala Traiçoeira



A lua brilhava alta no céu, soberana, sem nenhuma nuvem por perto a fim de roubar sua atenção. Nessa noite calma não me senti observada, apenas tinha o silêncio e Kiran como companhia. Observei a yokai pular de telhado em telhado nas residências vizinhas com certa elegância, suas caudas dançavam com a brisa noturna numa valsa e os olhos laranja reluzentes escaneavam com atenção as casas.

— Parece tudo limpo, não tem nenhum resquício de energia que não seja relacionado aos Zenins.

Kiran estava pendurada no telhado da casa apenas com a cabeça espiando pela borda, num movimento ágil a raposa se segurou na madeira e desceu ficando agora ao meu lado.

— Aquela humana realmente sabe o que está fazendo, talvez devesse pedir para ela colocar selos na casa. Já que a criança rosa ficará lá por um tempo.

Depois do jantar quando as mais novas já tinham se retirado Hatsu se propôs a responder as minhas perguntas sobre sua técnica. Repetindo as mesmas questões de antes e dessa vez tendo uma visão real de Kiran, explicou como os selos de proteção foram passados pela sua família.

— Acredita que tem alguma probabilidade dela estar mentindo?

A kitsune se sentou com as caudas abertas como um leque — Não, eu saberia se estivesse. As duas outras meninas também são inofensivas.

Nesse ponto todo cuidado era pouco, Hatsu se mostrou bem leal, mas seu mestre — por mais que odiasse empregar esse termo —, continuava sendo Toji. O qual não vi desde que nos separamos naquele mesmo dia na parte da manhã.

— Sabe algo sobre Amarate? Afinal está nesse mundo a muito mais tempo do que nós.

Apesar de Kiran ser uma criatura, seu intelecto não se comparava em nada com as das maldições se tivesse uma categoria com certeza estaria na classe especial. Contudo, uma particularidade que aprendi a conviver nesses anos foi a de sua personalidade. Se não fossem algumas características 'raposescas' até poderia se passar por uma humana.

Poderia manter sua feição séria, mas por mais que tentasse as oito caudas que ostentava com orgulho geralmente deixavam transparecer seus verdadeiros pensamentos. Quando mencionei o nome da Imperatriz do Fim, elas prontamente se agitaram.

— Ela é mais antiga do que eu, quando tinha apenas uma cauda, já reinava nesse mundo. — comentou — Não sei muito, mas posso afirmar que até mesmo as sombras a temem.

— O feiticeiro que firmou contrato comigo antes de você me contou uma história uma vez. De que Amarate já foi uma humana como você, mas retornou como maldição após receber punição por um crime.

— É o que diz a canção de Hatsu, esse feiticeiro disse o que foi o crime?

As orelhas de pelagem cor de ferrugem se mexeram quando balançou a cabeça — Não, só me disse que tem coisas no universo que nem mesmo um deus deveria mexer.

— E sobre o interesse em mim, alguma ideia?

— Provavelmente sua técnica, se Amarate ainda existe não é uma maldição qualquer e não pode ser controlada por um mestre de maldições. — respondeu e continuou — Seria algo como eu, mas ainda diferente; precisa de um hospedeiro.

Apoiei o rosto na mão, fazia sentido se pensar com um pouco mais de profundidade, se ela conseguisse forçar em mim um contrato total. Eu deixaria de existir e Amarate ficaria com meu corpo. Mas algo no raciocínio não fechava: primeiro meu contrato com Kiran deveria acabar; segundo que ela precisaria de mim viva.

Se esse é o caso, porquê existia uma recompensa pela minha morte? Tinha algo estranho nessa história toda.

— E sobre o problema da rosa? — Kiran perguntou se referindo a Taleyah — O que fará?

Respirei fundo enquanto deitava no chão de madeira da varando olhando para o teto, meus problemas pareciam apenas aumentar e ficar mais distantes de suas soluções. Mesmo que Pinxie devolvesse o dinheiro para Mundi ele a perdoaria, não sei que tivesse a cabeça apresentada numa bandeja de prata.

— Ainda não sei, e desde quando você se interessa?

— Sua vida ficou mais animada, me interessa saber o que vai fazer. — num único movimento a cabeça dela se virou para o lado e as caudas reagiram também. — Seu macho voltou.

— Como consegue sentir se ele não tem energia amaldiçoada?

— Sempre é fácil de reconhecer alguém forte.

Como se fosse combinado Toji apareceu andando pelo caminho aberto nos fundos da casa, tinha uma bolsa escura jogada no ombro e uma feição séria. Caminhava com passos firmes iluminado pela luz prateada da lua.

Imaginei que Kiran sumiria, mas a yokai se manteve visível para mim e completamente imóvel. Apenas acompanhando o homem com as pupilas em formato de fenda, conseguia ler um pouco de curiosidade da parte dela sobre o homem.

— Veio me receber [Nome]? Quanta gentileza.

Girei os olhos e voltei a me sentar agora o olhando de frente — Se viver numa ilusão te faz ser uma pessoa melhor fique a vontade Toji.

Sua risada rouca preencheu o ar frio da noite, ele tirou a bolsa do ombro e jogou em minha direção. O pano fez um pouco de metálico quando o peguei. — Para que isso?

— Abra.

A resposta foi curta e sem nenhuma explicação, isso me fez o encarar com confusão — Sabe que não passa nenhuma confiança quando fala assim.

Ele deu de ombros e se sentou ao meu lado de maneira desleixada usando os braços de apoio e olhando para o céu em seguida. Penso que se tivesse algo de perigoso ali dentro ele não se aproximaria tanto, então com esse pensamento em mente puxei o zíper revelando os materiais dentro.

Condizente com o barulho metálico tinham algumas armas amaldiçoadas simples, um caderno e um aparelho celular.

— Isso deveria significar algo? — questionei virando o rosto para ele.

— Não sei — respondeu sem desviar o olhar da lua — Estavam com o meu contratante.

Observando a minha confusão Toji pareceu suspirar e coçou a lateral da cabeça desviando o olhar — O que pediu para acabar com Dragon.

— Pensei que você não tivesse contato com seus clientes.

— Não tenho porque não quero, mas posso dar um jeito se quiser.

Kiran saltou do meu lado antes de sumir na noite novamente, compartilhava minha mente com a raposa é claro que ela sabia parte dos meus pensamentos. Um sorriso largo se abriu no meu rosto.

— Você ficou bravo por armarem uma emboscada para mim? Quanta gentileza. — devolvi a frase no mesmo tom que ele havia usado para mim.

— Se viver numa ilusão te faz ser uma pessoa melhor fique a vontade [Nome].

Senti minhas costas ferverem, Toji tinha o dom para despertar em meu âmago, tipos de raiva que eu nem sabia ser capaz de sentir. Ele tinha sorte de que eu estava exausta até mesmo para continuar com as trocas de farpas e também era uma pista bem-vinda, Taleyah conseguiria facilmente traçar dados com aquele material e geral alguma informação.

— Não pedi para fazer nada, então tomarei como um ato de bom coração. — fechei a bolsa e a coloquei de lado me levantando em seguida.

— Tem outro jeito de me agradecer — sua mão contornou meu pulso o puxando em seguida me fazendo cair em seu colo. O rosto próximo demais e o mesmo cheiro de carvalho de um uísque envelhecido deixando seus lábios.

Segurei seu rosto longe do meu olhando em seus olhos verde-oliva, pareciam mais claros do que eu me lembrava.

— Então pensa que só porquê me deitei com você um dia será uma coisa recorrente? Ou que qualquer ação vai me fazer abrir as pernas? Já estive com muitos como você, que pensa que um estralar de dedos garantirá uma noite fantástica de sexo. — aproximei a minha boca da dele quase sussurrando contra seus lábios — Vou te contar um segredo, do último que quis me tratar como uma cadela obediente não sobrou nem a mão.

Tinham lobos atrás de seus olhos enjaulados até eu dizer que não. Normalmente os caras recuariam, mas aquele canalha parecia mais do que satisfeito, empurrei seu rosto para longe.

— Você não presta Zenin. — me livrei de seus braços me levantando em seguida — Fique longe de mim.

— Posso até ficar, a questão é por quanto tempo você conseguirá manter suas mãos longe de mim [Nome].

Abaixei para pegar a alça da bolsa, dei um beijo estalado em sua bochecha antes de entrar de vez na casa — Não seja tão confiante, já tive melhores.









N/A: Obrigada por ler até aqui.

Até mais, Xx!

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