Duas Falhas


A luz externa se esgueirava dentre as fendas da pequena janela no topo do banheiro, novamente apesar de aparentar ser tradicional tinha seu toque de luxo agarrado aos pequenos detalhes. [Nome] encarou o próprio reflexo no espelho, era a primeira vez que parava para reparar em sua aparência durante aquele odioso dia.

Pintada, enfeitada, realmente uma oferenda.

Um ódio subiu por sua espinha e sem cerimônia alguma puxou os enfeites do cabelo sem se importar com os fios que vieram juntos, o mesmo aconteceu com as suas vestes o tecido rasgando soou mais agradável do que qualquer orquestra sinfônica tocando a sétima sinfonia de Beethoven. Uma, duas, destruiu aquele papel de embrulho até que estivesse irreconhecível.

A água corrente e fria se coloria conforme retirava do rosto a máscara que fora forçada a usar, foi somente quando se viu nua em frente ao seu próprio reflexo que se encontrou. A pessoa verdadeira que era, não a filha de um clã em decadência ou a noiva; apenas si mesma com todos seus sonhos, vontades e incertezas.

[Nome] ainda não estava disposta a aceitar toda aquela situação sem lutar de volta, isso não se parecia nada com ela, mas precisava pensar. Jogar com inteligência.

Passou a cabeça pela camiseta e realmente o homem estava certo, ficava enorme, mas era melhor do que qualquer outra coisa que tivesse disponível para que usasse. Amarrou o tecido na lateral e também dobrou as mangas, e fez o mesmo com as calças, parecia uma criança recém saída dos chamados videoclipes.

Correu os dedos pelos cabelos na tentativa de os ajeitar. Estavam particularmente rebeldes no dia de hoje, combinando com seu estado de espírito.

Julgando que já havia ficado ali por tempo demais, embolou os restos do Irouchikake e colocou no lixo juntamente com os outros adornos, estava na hora de lidar com outro problema agora. Um homem alto forte e com reflexos tão rápidos quanto os seus.

Toji olhava sem muito interesse para o teto enquanto esperava sua nova companhia se resolver com as próprias vestes. [Nome] deveria estar performando um ato julgando pelos grunhidos e os barulhos de pano sendo rasgado, e pensar que aquela bonita boneca de porcelana que ficou ao seu lado durante o dia como uma estátua se revelaria sendo alguém interessante.

Mão leve e agilidade, se perguntava qual tipo de passado sua doce esposa tivera. Nunca havia sequer ouvido sobre a mulher, algumas vezes ouviu seu antigo sobrenome sendo mencionado numa reunião ou outra, mas os assuntos eram chatos demais para que se quer tentasse prestar atenção.

A porta se abriu fazendo com que ele encarasse de canto de olho a figura que passava por ela.

Seus cabelos caídos e o rosto levemente corado, fosse pela raiva ou por ter esfregado a pele para tirar o que chamavam de maquiagem, a camisa estava amarrada abraçando a curva da sua cintura. As mangas dobradas revelavam braços esguios e levemente torneados, proveniente de algum tipo de treinamento, a vestimenta ainda marcava seu busto cheio acariciando de leve o restante do seu tronco.

Uma faixa de pele a mostra separava a borda da camisa e o elástico da calça, por um momento desejou que essa segunda peça fosse mais justa a fim de que pudesse observar os outros atributos da mulher. Não havia dúvidas de que a figura que se erguia a sua frente era uma completamente diferente da que entrou no banheiro tempos atrás.

-Gostaria que você mantivesse os olhos acima do meu pescoço – disse com um tom de sarcasmo enlaçando a sua voz.

-Não pode me condenar por observar uma coisa bonita.

-A faca ainda está no quarto, posso te degolar enquanto dorme sabia? – respondeu passando por ele e andando na direção dos baús com seus ditos pertences.

O homem riu e cruzou os braços atrás da cabeça enquanto recostava na cabeceira da cama – Boa sorte com isso, você é ágil [Nome]. Mas não aproveita seu próprio peso para aumentar a sua força, teria que subir em mim para conseguir alguma coisa.

Toji segurou a voz antes de continuar - Não que eu fosse reclamar.

Viu os ombros dela se levantarem levemente e a cabeça se virar em sua direção, olhos fulminantes com um flash de vermelho indomável – Nesse caso eu humildemente vou permitir que viva por mais uma noite.

-É uma pena.

Observou mais um pouco enquanto a mulher tirava as peças do baú e as reorganizava, algumas eram jogadas para longe enquanto outras eram colocadas em outro compartimento. O barulho era mínimo, poderia dormir se quisesse, mas apenas se limitou a observar a figura feminina que andava em seu quarto de um lado para o outro.

Com exceção do momento em que de fato estava mexendo em seus pertences, [Nome] era completamente silenciosa. – Com qual frequência você fugia de casa?

A pergunta repentina não teve efeito na mulher, a não ser pelo questionamento interno do porquê dele querer iniciar uma conversa. – Toda noite, durante dois anos.

-Isso explica o porquê de ser tão... Furtiva – ele disse mais para si mesmo do que para ela – Tem alguma relação com seu treinamento?

A figura se levantou fechando um único baú com coisas levemente úteis se virando em seguida para o homem – Porque quer saber?

Toji desviou o olhar para o teto e manteve a voz entediada – Curiosidade. Não é comum mulheres no nosso mundo saberem manusear armas.

-Achei que disse que eu era ruim nisso – retrucou tomando o olhar e interesse dele de volta.

-Falei que não sabe aproveitar o que tem, é diferente.

Estava cansada, de todas as maneiras possíveis, mas não julgou que um pouco de conversa real com aquele que agora era seu marido faria mal.

Com passos arrastados andou até a lateral da cama se sentando de costas para o homem.

-Costumava caçar maldições, à noite – disse por fim – Escondido da organização e da minha família estúpida. Teria frequentado a escola jujutsu nos meus anos de juventude se me fosse permitido, como não tive a chance, resolvi fazer por mim mesma. E você?

[Nome] se virou para que pudesse encarar seu rosto, olhares se encontraram por um momento antes de Toji fechar os olhos e se ajeitar no lado dele da cama.

-Não tenho energia amaldiçoada.

A princípio achou que seus ouvidos haviam a traído, alguém do clã Zenin sem energia amaldiçoada?

-Desculpe por isso – a voz dele foi seguida de tom cínico – Infelizmente foi amarrada com uma falha como eu.

Não soube o que responder de imediato mas de alguma forma as coisas começaram a fazer sentido em sua mente. Famílias de prestígio valorizavam sua linhagem, não teria modo dela ou Toji serem prometidos a pessoas consideradas de elite.

-Isso nos faz dois então – [Nome] juntou as mãos sobre o colo, voltando a cabeça para frente – Acho que a última coisa que meus parentes se importariam é comigo. No fim só queriam poder falar que estavam relacionados aos Zenins, mas quem casaria seu filho prodígio com uma boneca quebrada?

-O que quer dizer com isso? – num segundo o homem se sentou ao seu lado observando o tecido escuro que marcava as costas da mulher.

-Eu tinha uma irmã – a mulher manteve a voz contida – Gêmea.

Não era segredo que gêmeos eram considerados mau presságio no mundo jujutsu, tratados como uma falha. Não havia uma única história sobre eles que tivesse terminado com um final feliz.

-O que aconteceu com ela?

-Sumiu – respondeu com um suspiro antes de cruzar as pernas em cima do colchão e se virar para que pudesse o encarar de frente – Numa noite ela estava lá e na manhã seguinte não, no quarto apenas o corpo mutilado de um criado e uma faca de cozinha.

-Na época estava prometida a um jovem do clã Kamo. O tolo se apaixonou e conseguiu convencer os próprios pais de que a união valia a pena, obviamente o contrato foi cancelado depois do incidente.

-É proibido de falar seu nome naquela casa desde então. E já que o primeiro plano não deu certo então aqui estou eu. – Toji se manteve quieto enquanto a mulher comentava sua própria história

- De certa forma preciso agradecer por me tirar daquele inferno, mas mesmo assim não consigo ver algo de bom nessa situação toda.

Ele não duvidou dela, sabia que estava sendo sincera e de certa forma podia se identificar com seus sentimentos..

-Estamos presos com isso por algum tempo – disse por fim depois de um momento de silêncio entre os dois – Mas não vejo motivos para tornar isso um inferno.

-Estou ouvindo – os bonitos olhos da mulher retomaram o brilho que havia sumido no momento em que comentava sobre sua família problemática.

A noite seria longa, talvez não do jeito que alguma parte mais primitiva da sua mente fantasiasse, mas mesmo assim era melhor do que ficar sozinho.








N/A: Olar!

Tive um tempo para escrever então cá estou eu relembrando vocês de que essa história está no forno.

Como eu já mencionei antes, terá atualizações regulares depois da finalização de Sýndesis.

Para essa história eu vou estar abordando o texto de uma maneira mais madura, porque eu acho congruente com o plot criado e quero treinar esse tipo de escrita também.

Mas vai continuar sendo o slow burn que eu tanto amo.

É novo por aqui? Não esqueça de salvar na biblioteca para acompanhar atualizações esporádicas ou seguir o meu perfil para mais informações.

Vejo vocês por aí.

Até, Xx

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