Campos Elísios



Minha respiração estava acelerada, dentro do peito o coração batia rapidamente. Estar na rua junto do sol do meio-dia com mangas compridas também não é a melhor solução. Sentia as gotas de suor acumuladas na nuca e a sensação arenosa do ar do litoral se grudando a minha pele.

Faz uma semana, uma maldita semana, que não consigo parar num único local. Sempre com algum verme rastejando atrás dos meus passos tentando se aproximar. Aqueles que invadiram o antigo apartamento foi apenas o começo. Os que vieram depois foram infinitamente mais problemáticos.

Uma mão segurava a alça da mochila firmemente, a outra impedia a camisa de tecido leve de se levantar mais do que devia.

Olhei por cima do ombro para garantir que não estava sendo observada e desviei para um pequeno bairro comercial procurando por um banheiro. As plantas dos meus pés queimavam, apesar do par de tênis de corridas confortáveis.

Empurrei a porta desviando de outra mulher saindo e procurei uma cabine mais longe com os olhos, seguindo direto para ela. Fechei a porta, abaixei a tampa do vazo sanitário e apoiei a mochila em cima. Segurei a barra da camisa e a puxei por cima da cabeça respirando aliviada de me livrar do calor, com o próprio tecido limpei o colo e o pescoço jogando a peça de roupa no lixo logo em seguida.

Ajeitei o top parando por um segundo para olhar para a barriga de 4 meses, respirando fundo e soltando o ar devagar. Assim que abaixei minha guarda, a fome veio de maneira descomunal.

Ergui o braço para arrumar as faixas de maldição que começavam a se soltar.

— Colabore com a sua mãe — disse em voz baixa apertando o pano envolta das marcas de Amarate —, estamos em fuga. Não podemos ficar parando todo momento, mesmo que um copo enorme de milkshake seja como um sonho.

Abri a mochila puxando uma garrafa de água — Se manter hidratada é mais importante.

Puxei outra blusa, também leve, mas de mangas compridas e de outra cor. Se estavam me seguindo, trocar de vestes era a melhor estratégia que tinha. Já que não posso contar com Kiran.

Minha situação com a yokai não é a das melhores, nosso laço — o contrato —, é feito por sangue e energia amaldiçoada. Com o meu sistema biológico todo bagunçado afeta a capacidade de Kiran de se manifestar. Esse é o maior motivo da quantidade de armas de fogo e munições que tinha na bolsa, também uma aquisição recente que fazia parte de um tesouro da comunidade jujutsu grega.

Punhal de Cócito, o rio das lamentações.

Ajeitei as vestes e sai do cubículo, aproveitando para lavar o rosto e ajeitar os fios soltos para trás. Estava pronta para mais algumas horas de fuga, até me encontrar com Taleyah e decidir o próximo movimento.

Náuplia é uma cidade pequena, com saída para o golfo de Argos. Com distância de aproximadamente uma hora de Corinto, um dos nomes mais conhecidos, e onde Tale estaria me esperando.

As ruas da cidadela com pouco mais de 20.000 habitantes são estreitas e o pequeno centro comercial é repleto de prédios coloridos com três andares. Entre eles pequenas vielas surgem como veias e permite uma movimentação um pouco mais discreta do que pelas ruas principais.

Estava no meio do caminho para o ponto de ônibus, muitos turistas visitavam o lugar por conta do castelo Palamidi, as vias de transportes terrestres ficam bem mais fáceis de acessar. Porém, como as coisas ultimamente não estavam nem um pouco fáceis, é claro que alguém começou a me seguir.

Quando virei uma rua olhei pelo canto de olho e observei a figura. Não parecia ninguém muito extraordinário, joguei a bolsa para frente e peguei o punhal. Um tiro, chamaria atenção demais. Girei ela na mão firmando o objeto na palma da mão continuei andando.

Ainda um pouco distante nas vielas escutei outras vozes falando em japonês, indicando que o homem que me seguia não estava sozinho. Tirar um da minha cola uma de cada vez seria mais fácil do que muitos deles juntos, me escondi num recuo de rua e respirei fundo. Os passos curtos vieram acompanhados de uma respiração pesada, me preparei e no momento certo puxei a figura.

O assassino era bem menor do que eu, e tinha um disfarce de turista deveras exagerado, pressionei seu rosto contra a parede, torcendo seu braço com uma mão enquanto segurava a lâmina próxima ao seu rosto com a outra. Um ganido que mais parecia o choro de um cão soou.

— Quem enviou você? — disse entre dentes.

O homem rechonchudo ergueu as mãos — Vim ajudar! Taleyah me enviou!

— Mentiras — torci seu pulso.

Ele reclamou de dor — Sra. Zenin juro que estou falando a verdade, a jovem está em Corinto a esperando.

Afrouxei seu pulso, não acreditando no que meus ouvidos escutaram — Do que me chamou?

Antes dele responder duas figuras estouraram a porta e a janela apenas duas casas de distância fazendo um barulho tremendo. Instintivamente me protegi e também protegi o pequeno ser que crescia no ventre, mas quando abri os olhos me preparando para o pior, todos os sentimentos e pensamentos deixaram meu corpo.

Um pesadelo, e um fantasma que esteve calado trancado numa cela bem no fundo da minha mente se erguia imponente como um matador de deuses.

Seria uma tola em dizer que não pensei em como seria o momento em que voltaria a colocar meus olhos em Toji Zenin. Te-lo parado em minha frente trouxe tudo aquilo que tentei esquecer, junto da mesma raiva que senti quando me entregou para Minori. Por meses fiquei pensando que uma surra não era a suficiente, pelo tanto que sofri e pelas mudanças forçadas.

Tinha um embolo na garganta que me impedia de respirar e as emoções desequilibradas fizeram meus olhos arderem.

— Fala sério, esse idiota não aprende — senti meu braço ser puxado — desculpe madame, mas realmente precisamos ir.

— Quem diabos é você?

Outras pessoas vieram correndo da direção contrária, a resposta para minha pergunta ficaria para depois. Dessa vez escolhi não perguntar primeiro, joguei a bolsa como distração e abri o primeiro talho no atacante pela barriga. A maldição do Punhal faria o resto, cegando e o atacando com todos seus lamentos em vida. Desviei de um segundo ataque também usando a lâmina de uma maneira bem menos polida da que estava realmente acostumada. Gravidez me deixou uma lutadora desleixada, conseguir me mover sem parecer uma porta já era mais que suficiente.

Um vazo passou voando do lado da minha cabeça desmaiando o terceiro que vinha na minha direção.

Não precisava me virar para sentir a aura conhecida andando para perto de mim, andei até a mochila a jogando no ombro pensando em como podia sair daquela situação. Porque o homem mencionou Taleyah, e porque parecia tão próximo dele?

Antes de conseguir me afastar, me senti travar, mais uma vez. No fim da viela andando com passos lentos, o próprio ceifador.

— Já faz um tempo [Nome] — Corvo, livre da sua máscara, abriu em minha direção um sorriso doentio —, parece que as coisas mudaram desde a última vez que nos vimos.

Senti uma pontada na boca do estômago, precisando me apoiar na parede para manter o equilíbrio e não cair no chão. Minha visão se tornou turva e consegui sentir o pulsar do coração nos ouvidos, meu braço, e as marcas escondidas embaixo das faixas pareciam quentes, como se embaixo delas houvesse uma intensa queimadura de sol.

Esses malditos homens que acham que podem fazer da minha vida uma moeda de troca sem custo. Abaixei a cabeça fechando os olhos por um momento.

— Que vão para o inferno todos eles — disse entre dentes juntando o que consegui de energia amaldiçoada — Kiran!

Dessa vez, a sorte resolveu sorrir para mim, e a kitsune atendeu meu chamado.

Corvo foi jogado para trás e tudo que consegui ver foram as 8 caudas da raposa balançando no ar, tentei recuar, mas meus pés não se moveram. Meus joelhos cederam, porém, não cheguei ao chão. Meu corpo foi levantado no ar antes disso, a mochila escapou dos meus dedos e a minha cabeça pendeu para trás. Mesmo que com o corpo mole, quase fora dos meus comandos, e bati no imbecil que me segurava com punho fechado.

— Me solte.

— Não.

Foi uma palavra que derrubou as barreiras que construí durante quatro meses. Não, era a palavra que a esperançosamente eu queria ter ouvido naquele dia. Bati mais uma vez em seu peito sem ter uma noção do que estava acontecendo a minha volta, mas sentindo a energia esvaindo conforme Kiran se manifestava.

— Fugi de país, não foi aviso o suficiente para não vir atrás de mim?

— Não posso ficar parado quando todo o submundo está atrás da cabeça da minha esposa — senti suas mãos firmarem no meu corpo, meus músculos relaxando contra minha vontade e as dores se tornando mais brandas.

— Desculpe se não foi claro o suficiente para você, mas o chute que te dei significou que terminamos.

Um riso rouco acariciou meus ouvidos, sarcástico como nunca, canalha como sempre.

— Não sou bom de interpretar nas entrelinhas, vai precisar ser mais clara da próxima vez.

Depravada de sono e em alerta em todo momento, todos os esforços foram sugados para continuar viva, não só por mim. Cansada de fugir de um lado para o outro, de tudo e de todos, naquele momento desisti de tentar fugir de novo.

Ele não tinha a intenção de me soltar.

Apoiei a cabeça no seu ombro, torcendo o tecido da sua camisa entre os dedos evitando o rosto que tantas vezes apareceu em pesadelos.

— Quantas vezes você vai destruir a minha vida? — Toji pediu para ser clara, não como ser mais cristalina que isso.

Sem resposta, logo em seguida fui colocada em um carro. O primeiro homem que encontrei colocou a minha mochila no banco de trás e se sentou no banco do motorista.

— Isso não era para ser um resgate? — disse para Toji — Porque está parecendo mais um sequestro.

— Os detalhes não importam se a finalidade é a mesma, dirija para o endereço que a rosinha te deu.

O mais velho resmungou ligando o veículo em seguida, mesmo com a cabeça baixa senti seu olhar em mim. Outras preocupações tomando a minha mente.

— Fique sabendo que não estou fazendo isso por você.




| Extra - Cérbero, POV |



As últimas 24 horas podiam se dizer dignas de um roteiro de filme. Voamos do Japão a Grécia e chegamos bem a tempo de impedir o Corvo de concretizar seu ataque. Se não fosse Kon e a jovem que o Zenin chama de 'rosinha', nada seria possível.

Desviei o olhar da estrada por um segundo, olhando pelo retrovisor a mulher que dormia no banco do passageiro. Devo ter visto a famosa Yokai uma ou duas vezes anteriormente, mas a pessoa ali era alguém completamente diferente, em aparência, porque suas ações são ferozes como sempre descritas.

Meu primeiro encontro com a mulher do assassino de feiticeiros trouxe uma dolorosa sensação de dejavú.

Tendo um pouco mais de experiência na questão família, logo percebi o que [Nome] tão desesperadamente estava tentando proteger. O que me leva a pensar o quanto o idiota do meu lado consegue perceber do mundo ao seu redor.

— O que está olhando — Toji disse —, mantenha seus olhos na estrada.

Respirei fundo — Estou olhando a estrada.

— Bom, continue assim.

Bati os dedos no volante — Não te tomei como um cara ciumento, só achei que ela tinha cabelos mais longos.

— Ela mudou — o cara se virou no banco do passageiro para ver a figura descansando. Sua voz adornada de um arrependimento velado —, mais do que eu poderia imaginar.

Parece que ele não é tão obtuso assim.

— Vocês foram feitos um para o outro — tentei mudar de assunto, quase não consigo lidar com o cara em seus melhores dias, quem dirá nos melancólicos.

— O que te faz dizer isso de repente? Durante todos esses me chamou de idiota.

— Continua sendo — afirmei —, mas vocês são mais parecidos do que imaginam. Foi a primeira vez em que nos encontramos e ela quase quebrou meu nariz.

Toji apoiou o rosto na mão, uma vez que estava com o cotovelo na janela, escondendo um riso.

— Essa é minha esposa.








N/A: Pronto! Eles estão de volta!

Obrigada por ler até aqui!

Até mais, Xx!

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