Bosque das Turbulências
Ódio é um veneno que dilacera o lado bom da alma, corrói, mancha e dá força para que atos inimagináveis de brutalidade se concretizem. Inconscientemente ou de maneira racional, acabamos movidos por um desejo cego, individualista e de natureza primitiva que geralmente se concluí em ataques de raiva.
Todos os Zenin estariam mortos se dependesse das minhas vontades nesse momento, incluindo o cara com quem dividia um estado civil.
Tinha terra grudada em minhas vestes assim como folhas e ramos presos aos meus cabelos, uma arma de natureza amaldiçoada me acompanhava visto que Kiran e sua energia ainda aprecia estar afetando o meu corpo fisicamente.
Depois do que a minha mente projetou ser horas torturantes de trilhas escuras e estreitas — entre árvores ainda mais sombrias —, finalmente aquela jornada repleta de maldições, insetos e fúria parecia estar chegando ao fim. A floresta já não era tão densa e no terreno nos aproximávamos do pico, para então termos uma descida que nos levaria direto para uma lateral subdesenvolvida da cidade, desse local então poderíamos achar uma porta e voltar para o meu apartamento e Taleyah.
Não é o melhor dia da minha vida, além do cansaço físico de massacrar inúmeras maldições que ousaram se aproximar de nós dois durante o gentil passeio no bosque.
Também havia a frustração e humilhação de ser expulsa do que até então era um lar — talvez distorcido em relação a alguns conceitos tradicionais, mas ainda assim uma casa —, não conseguir respostas para questões pessoais e ainda ter um juramento de morte preso nas costas.
Passei por muitas coisas na minha vida, aguentei muitas delas. Particularmente tenho orgulho de ser forte, em todos os sentidos da palavra, porém no fim do dia continuo sendo humana. Permaneço com frustrações, desejos, dores, que talvez nem eu mesma tenha coragem de encarar e reconhecer que fazem parte do que sou.
Se não fosse o suficiente, ainda havia essa sensação incômoda que trazia arrepios a minha espinha. Rastejava pela minha pele como vermes e projetava uma imagem constante em minha mente do véu pútrido que me atormentou em sonhos, que surgiu nos delírios da minha mente se embrenhando numa floresta tão mórbida quando a que estava sob meus pés. Senti algo me seguindo como uma sombra sorrateira no momento em que ultrapassei a primeira fileira de árvores, mas quando olhava para trás só me restava contemplar o vazio e um presente abandonado; um passado envenenado.
Apoiei a mão num tronco quando chegamos ao topo da colina, retomando o meu fôlego. O paspalho que chamava de marido parecia estar numa corrida contra o tempo, sem se importar com o fato de eu não ter pernas tão preparadas quando as dele.
— Não foi você que disse aguentar um certo nível de exercício físico?
Girei o pescoço sentindo os músculos reclamarem, e respirei fundo antes de tombar a cabeça na direção de Toji e responder.
— Transar numa cama é diferente de subir uma montanha, matando maldições com uma mochila. Você não pareceu reclamar do meu desempenho pelo que eu me recordo.
— Duvido que teria aguentado mais algum tempo. — retrucou iniciando a descida.
— Você é um babaca sabia disso? — encarei as suas costas, ainda não pretendia me mover. — Sejamos sinceros, nós dois terminaríamos num caixão se as coisas continuassem daquela maneira.
— Você me beijou primeiro [Nome]. Não se esqueça disso.
— E talvez tenha sido uma das decisões mais estúpidas que eu tenha feito na minha vida nos últimos tempos — reclamei em voz baixa apenas vocalizando um pensamento. Olhando para baixo para onde daria o primeiro passo.
Contudo, antes de fazer o movimento senti uma dor aguda na palma da minha mão. Da minha direita algo puxou a minha perna para o alto me levantando alguns metros do chão em direção a copa das árvores, uma maldição estava agarrada aos galhos altos com membros que pareciam cipós caindo de suas extremidades.
A arma ainda estava na minha mão, a mochila havia batido com força na minha nuca e por conta da velocidade demorei para reagir ao ataque. Quando cortei aquela coisa grotesca que me segurava pelo tornozelo não reparei estar tão longe do chão, minha costela bateu num ramo durante a descida arrancando um gemido doloroso dos meus lábios quando caí no chão. A gravidade cumpriu seu papel, levou alguns metros para que finalmente parasse de rolar pela terra coberta de folhas secas e finalmente entendesse o que estava acontecendo.
Estranhamente a maldição não avançou, mas sim recuou logo em seguida.
Vertendo como um rio vindo de um corte profundo na minha mão havia um tom de vermelho vivo que manchou minha pele e vestes num instante. Mais uma vez não consegui reprimir um sibilo.
— Merda.
Sangue nascia vermelho escorria pela lateral e pingava no chão desaparecendo sobre a terra marrom escura.
— Saímos do território mais nenhuma delas vai nos seguir até aqui.
A voz de Toji estava perto, até mais do que eu gostaria, significando que o motivo de não seguir rolando até o fim da colina foram os braços dele que me seguraram antes disso acontecer. Tentou me ajudar a levantar, mas rapidamente impedi com um grito de dor.
— Acho que quebrei uma costela. — ralhei entre dentes — Como chegou tão perto sem percebermos?
— Não sei. Vai doer, mas precisamos terminar de descer — respondeu — Vou te erguer quando contar até três, um... Dois...
— Porra Toji — Ele não chegou ao último número, é claro que não, me ergueu antes disso.
Mordi a parte de dentro da bochecha reprimindo qualquer som. A dor era tremenda, tirava de mim qualquer outro sentimento e enevoava qualquer outro sentido. Em certo ponto me senti as margens de desmaiar tamanha agonia, distante como se estivesse afundando e voltando num mar revolto.
Não vi quando deixamos as trilhas e passamos a andar nas ruas sujas dos subúrbios nos limites da cidade.
Um hostel velho foi a parada, era o tipo de lugar onde não se perguntava quem eram os hóspedes e muito menos se importavam com o que faziam. Alguém segurando uma mulher machucada nos braços deveria ser uma das coisas mais comuns que as paredes manchadas presenciaram.
Não demorou para que fosse deixada sozinha na cama de lençol empoeirado, senti o suor se acumular na base da minha nuca, a temperatura subindo rapidamente. Cheguei a pensar que as lascas de tinta que se desprendiam do teto me encaram de volta.
Tinha certeza que estava alucinando por conta de um estado febril e mesmo assim não havia nada que pudesse fazer além de me agarrar a sensação real das lágrimas escorrendo dos meus olhos; cruelmente, o último fio de sanidade.
N/A: Obrigada por ler até aqui.
Eu também participei de um podcast nessa quinta (02/06/2022) falando de fanfics e o episódio se encontra disponível no youtube :)
https://youtu.be/qXAyvZxviDY
Até mais, Xx!
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