O dia - Versão Valentina

Sábado chegou e nem foi de maneira rápida, afinal eu tive 65 dias para desistir ou adiar o casamento, mas não o fiz, mesmo tendo chance. Depois da conversa com Mary, entendi que ela estava certa, o amor não era para mim e, apesar do patriarca da família Olsen está envolvido em vários assassinatos — inclusive o da minha mãe, Stanley é uma boa pessoa e está me ajudando a acabar com sua própria família. Acho que posso desenvolver algum tipo de sentimento por ele.

É claro que durante o café da manhã, a voz de Caleb não saia da minha mente dizendo:

"Você fala sobre que tipo de sentimento? Gratidão pela família dele tirar a vida da sua mãe ou empatia por ele te ajudar nessa investigação?"

Mas Caleb era um idiota, um criminoso idiota!

Um criminoso...

Seria mais fácil se eu descobrisse que ele possui alguma doença terminal do que um médico envolvido no desvio de morfina e no tráfico de órgãos e foi com isso em mente que comecei a me arrumar para a cerimônia que viria a seguir.

Tomei um banho relaxante, joguei videogame com Will, abracei meu pai enquanto ele chorava no meio da sala dizendo que não queria me perder e por fim, comecei a fazer maquiagem e cabelo, pois a hora se aproximava. Quando Skye e Nicolle terminaram de me arrumar, me encarei no espelho tendo a plena consciência que não vou casar com meu amor verdadeiro.

O nome Caleb aparece na minha mente e o expulso. Não entendo porque disse que o amava tão rápido, se nem o conhecia! Eu estava tão ansiosa para viver o amor que qualquer indício dele me fazia ter certeza de amar Cal, algo que nunca deve ter existido.

É irônico o fato de Cal Fletcher achar que eu não posso casar com Stanley porque sua família está envolvida no tráfico de órgãos, já que ele mesmo é o idiota que usa morfina para causar overdose em pacientes e assim pode usar seus órgãos para vender no mercado negro.

— Vamos, meninas. Tenho um casamento para encarar. — falei depois de ouvir o conselho de minhas amigas.

Elas achavam que meu grande problema era não amar Stanley. Skye chegou a me perguntar pelo olhar sobre Caleb, mas a ignorei descendo as escadas enquanto meu pai chorava completamente emocionado.

Eu não conseguia acreditar nisso! Sempre que lembrava do catálogo de órgãos, fotos de corpos de vítimas e aqueles frascos de morfina no apartamento do Cal, meu estômago revirava, por isso tomei um calmante assim que desci as escadas com aquele vestido branco, perolado e longo.

Aproveitei quando meu pai foi colocar sua gravata e enviei uma mensagem para o Sr. Johnson pedindo que ele publicasse a matéria sobre o tráfico e que ao invés de ir ao meu casamento, fosse logo a polícia denunciar esse crime de uma vez por todas, mesmo que isso significasse a prisão de Caleb e até do meu sogro.

Eu tinha que ser Valentina, afinal.

***

O caminho para a Igreja foi silencioso.

Meu pai me olhava pelo retrovisor como se nunca mais fosse me vê, minha madrasta sorria verdadeiramente feliz, e no outro carro eu podia vê Skye e Nicolle rindo de algo que Sarah falava.

Assim que chegamos, Ethan e Theo correram para recepcionar suas esposas e logo que as viram seus olhos brilharam em um puro e terno amor, do jeito que eu sempre sonhei para mim. Pedi aos céus que Stanley tivesse a mesma reação ao me ver e por pouco abri a porta, mas Mary foi mais rápida e, mesmo comigo perto, gritou:

— Não! Espere todos estarem em seus lugares e só aí saia, do contrário pode sujar o vestido.

Papai, vestido com um terno caríssimo, riu da reação da esposa e piscou para mim como se dissesse "Não ligue" e bem, apenas dei de ombros os vendo sair do carro para organizar, na porta da igreja pequena e rústica, uma fila com os dois casais de padrinhos, Sarah e por fim meu pai me aguardando.

Foram questões de segundos.

Em um momento minha madrasta levantou a mão para me chamar, mas de repente, arregalou os olhos me fazendo virar a cabeça no exato instante em que um homem abriu a porta do carro e sem qualquer explicação disse exibindo um sorriso amarelo:

—Preparada, noiva de Point City?

Não tive tempo de responder, porque a porta esquerda dos bancos traseiros abriu e um outro homem baixo e magro entrou apontando uma arma para mim. Sem lógica alguma, com uma ligação direta, o bandido 1 - como nomeei o que entrou primeiro no carro - ligou o carro e me levou para longe do casamento, para longe de Stanley Olsen.

Confesso que meu coração errou uma batida ao perceber que não era Caleb me levando para longe, mas se alguém algum dia adivinhar isso, posso afirmar que esse pequeno momento de decepção se deu quando o tiro que papai soltou com sua arma de trabalho não atingiu o pneu do carro, me fazendo ter que levantar as mãos como os sequestradores ordenaram, respirar fundo e aguardar a oportunidade de colocar em prática todas as técnicas de defesas pessoais que papai e seu antigo colega me ensinaram.

Como nos filmes, o bandido 2 - o segundo a entrar no carro - amordaçou minha boca e vendou meus olhos para evitar gritos e que eu visse para onde íamos, então enquanto o veículo andava sem eu saber seu caminho, tentei me concentrar em gravar os rostos dos meus sequestradores para fazer algum registro falado, assim que meu pai me salvasse.

Talvez seja uma falsa ideia de segurança, mas eu tenho certeza que meu pai está nos seguindo. É óbvio também que estou neste carro sendo levada a algum lugar como resultado da publicação no jornal, o que é totalmente injusto já que o nome do meu chefe também estava lá. Se bem que não deu tempo de tudo ser publicado no jornal online, muito menos do Sr. Johnson chegar à delegacia, então pode ser culpa de Caleb, afinal, ele sabe que já tenho consciência do seu envolvimento com o tráfico, logo, deve está tentando me matar.

— UH MUH MUH UHAH — Tento falar mesmo com o pano sujo impedindo a fala.

Com certeza Ethan brigaria ao vê isso na minha boca e me daria uma boa palestra sobre como ele está cheio de bactérias e ovócitos que podem complicar minha saúde bucal e estomacal. Ah Ethan, tudo o que eu queria era que você ainda fosse perigoso.

Não se meteriam comigo se meu amigo ainda mantivesse aquela reputação maligna de antigamente...

Nem o bandido 1, nem o 2 falaram alguma coisa, o que me deixou ainda mais confusa.

O que será que estão falando no casamento? Como meus parentes distantes e do Stanley estão? Aposto que o Theo disse "eu sempre quis ir num casamento assim".

Ah, meus amigos, mesmo depois que crescemos, nosso sentimento nunca mudou e apesar da falta de tempo, só o fato de nos reunirmos às vezes significa muito.

Todos os relatos de morte afirmam que antes do fim, a pessoa se lembra de cada momento ou cada pessoa importante na sua vida, então, só quando me dou conta disso que o nervosismo real cresce em meu peito.

Mas se existem esses relatos é porque alguém sobreviveu para contar. Certo? Então a pessoa que afirma isso achou que ia morrer, mas não morreu, então nós não vemos as pessoas importantes antes de morrer...

Tracei uma linha de pensamentos confusos, mas positivos. Coisas como: Não foi a última vez que vi o pôr do sol; Ainda vou assistir a terceira temporada de Stranger Things.

Eu precisava voltar para minha família e amigos, tinha que vê Sarah crescer e ensiná-la sobre o amor, tinha que vê o filho ou filha de Skye nascer e sempre dá uns cascudos no meu irmão quando ele precisar e claro, abraçar o papai o máximo de tempo que conseguir. Ainda tem vida depois disso, talvez o sequestro seja uma forma de eu enxergar isso.

Depois do que para mim pareceram horas, o carro parou e os bandidos me arrastaram - com dificuldade por causa do vestido - para um lugar fedorento e sensorialmente pequeno, com chão de madeira que rangia a cada passo que dávamos.

— MUHH AHHH EHHH UHHH — murmuro chateada.

— Ah, cale a boca. — Uma voz grossa que supus ser a do bandido 1, o rechonchudo, pediu — Sente-se.

Bom, isso está cada vez mais parecido com um filme.

— Você tem contas a acertar com Sebastian Olsen! — A voz fina do bandido 2 preencheu meus ouvidos.

Eu tremo enquanto eles me amarram com cordas sintéticas grossas de maneira firme e dolorosa numa cadeira dura. Assim que tenho certeza que isso é coisa do meu futuro sogro, entendo que não há escapatória, provavelmente vão me matar, vender meus órgãos e apagar todo o rastro. Minha família nunca saberá o que aconteceu e ficarei semanas no jornais como "a noiva sequestrada", haverão teorias sobre tudo ser uma farsa para que eu fuja, outras falarão de algum psicopata que só mata mulheres com vestido de noiva e claro, meu nome ficará em primeiro lugar nos trending topics.

É mais fácil o pessoal no twitter descobrir o que aconteceu comigo, pondero.

Eu sei que os bandidos me deixaram sozinha quando a porta se fecha e assim, mesmo sem ainda não enxergar nada graças à venda, começo a me concentrar no barulho do lugar buscando qualquer referência de lugar que eu possa ter, isso até eu me lembrar do Will, personagem de Stranger Things, fazendo a mesma coisa que eu na segunda temporada.

— MOA MAMENMINA! — Penso alto um "DROGA, VALENTINA!".

Então a porta do aparente cubículo se abre.

— Você achou que podia simplesmente fazer tudo isso e sair impune? — Uma voz grave preenche o ambiente enquanto passos longos fazem a pessoa que mais temo se aproximar de mim — Não é, querida nora?

Sebastian Olsen, em carne e osso.

— MEU MIMIOMA! — Esperneio parando de mexer nas cordas que amarram meu pulso atrás da cadeira — MAI ME AMEMERME!

Caleb deve ter contado para meu sogro e agora meu destino é a morte.

— Sabe, acabei de sair da igreja... — Ele conta tocando meu rosto — Stanley está nervoso, precisou ir ao hospital, seu pai acha que está seguindo o carro onde você está, mas é óbvio que o despistamos com outro exatamente igual ao que veio...

— MOR ME MANMIMOS MEMME MOMAM MOMO MO MLAMO?

— Sua madrasta e amigas não param de chorar, inclusive, a minha filha Celine. Nem sabia que se conheciam!— continua — Aqueles rapazes estão todos lhe procurando...

Celine Olsen era quem havia me apresentado o termo "exceção para o amor" pouco antes de eu noivar com seu irmão e ela partir de volta ao colégio interno.

— Acho que nunca tivemos a chance de conversar. Não é? — Sebastian sussurra próximo ao meu ouvido e não consigo evitar um tremor — Mas você achou mesmo que eu não ia descobrir?

Tive vontade de soltar um palavrão, mas além de não poder falar, minha mãe nos ensinou a reprimir essa vontade e se concentrar em como sair da situação sem palavras de baixo calão.

— Sua vida está prestes a acabar. — Com um click terrivelmente maligno senti uma lâmina entrar no meu braço — Sabia que sangrar até morrer não é tão horrível quanto parece?

Sempre tive consciência que a vida jornalística não é fácil e ao pegar essa matéria sabia que corria algum risco, mas nunca imaginei que de fato meu futuro sogro fosse fazer algo a ponto de matar, afinal, quando se tratou do meu chefe ele apenas tentou o distrair chamando atenção para outra matéria.

— MUUUUUMMM — Não consigo conter o grito quando ele foi para o outro braço e fez o mesmo.

Imaginei meu vestido imaculado, feito por Skye, manchando de vermelho aos poucos.

— Meu pai era médico, ele me ensinou alguns truques. Se você cortar sua aorta, a morte chega em apenas alguns segundos, no entanto... — Ele levanta parte do meu vestido e penetra com uma faca, imagino, a minha perna direita de maneira superficial — Se for cuidadoso, e acidentalmente cortar veias menores, a morte demora algumas horas e a pessoa passa por diferentes choques hemorrágicos.

Eu sequer podia me mexer e a dor misturada com a sensação de impotência fez com que lágrimas escorressem de tal forma, que nem a venda foi capaz de contê-las.

— Espero que nessas suas últimas horas de vida pense bem sobre ter machucado o coração do meu filho. — murmurou antes de se afastar, não sem antes esfregar a lâmina em meu vestido branco.

— MO MÊ? — perguntei incrédula.

Ele entendeu o que eu "falei" e ouvi seus passos voltando em minha direção.

— Vai se fazer de desentendida, querida? Eu sei sobre você e aquele médico. — riu surpreso — Sabia que depois de voltarmos de Kant City, a dona da Sandy's Sorveteria nos chamou para uma orientação advocatícia? Enquanto estávamos lá, aquele seu médico idiota foi falar com meu filho para o agradecer por ser compreensível com você e dizer que foi inevitável se apaixonar e te beijar.

A lembrança de Caleb dizendo que viu Stanley enquanto segurava milkshakes me veio à mente, mas foi inevitável pensar sobre aquilo, pois no momento em que ele falou eu estava atordoada por ter visto aquelas caixas com conteúdo horripilante.

— MUMU?

— Valentina, meu filho se sentiu humilhado enquanto o Dr. Caleb Fletcher ia embora com dois milkshakes. — falou — Ele estava comigo quando você saiu correndo e chorando do apartamento daquele rapaz. Sabe por que ele ignorou isso e continuou com o casamento? Porque ele te ama, ele aprendeu a te amar e você machucou o coração dele!

Então ele não estava atrás de mim porque descobriu que eu sei sobre o tráfico de órgãos e sim porque eu machucara seu filho.

— Ele só não desistiu do casamento por culpa da sua ligação idiota na manhã de sexta! E agora, ainda vai se fazer de desentendida?

Não disse nada e por um instante imaginei que merecia realmente aquele fim cruel.

— Ninguém machuca o coração do meu filho! Ninguém. — Por fim ele se afasta e fecha a porta me deixando sozinha no início de uma hemorragia que me levará à morte.

O que eu posso esperar de um cara que assumiu os negócios do pai no tráfico de órgãos? O mínimo que ele pode fazer é me matar dessa forma por destruir o coração do seu filho!

Stanley me ama, como tanto desejei amá-lo, ele só queria me vê feliz e a única coisa que fiz foi traí-lo.

Talvez eu mereça essa morte lenta, afinal, penso sentindo sangue dos meus dois braços escorrer até a corda grossa e o corte na perna arder.

É meu fim.

[...]

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