3 dias antes - Amizade

— Eu não vou conseguir! — minha voz saiu sobressaltada assim que ouvi a voz de Skye no telefone.

— O quê? — minha amiga perguntou enquanto eu ouvia um estrondo no fundo da ligação — Ah, o término com Stanley...

— O que está fazendo? — levantei da cama e parei em frente a minha penteadeira.

— Ajeitando o quarto do meu filho. — respondeu numa voz sonhadora — Eu vou ser mãe, Valentina.

— Lembra como sonhávamos com a vida adulta? — ri triste colocando um batom fora do lugar dentro do meu estojo de maquiagens — Daria tudo para viver mais um dia no Ensino Médio.

— Você só pode ser louca! Deus me livre voltar àquele lugar! — dramatizou — Mas sim, voltando ao Stanley, você já falou com ele. Certo?

— Eu estou há alguns minutos alternando entre cama e penteadeira treinando para falar com ele, você acredita?— olhei para minha imagem refletida no espelho e não pude deixar de revirar os olhos diante daquela cena que eu estava fazendo.

Mas qual é? Não é fácil terminar um noivado as vésperas dele.

— Eu acredito. — fez uma pausa dramática — E acredito que você vai conseguir ser valente o suficiente para terminar esse noivado, que na minha opinião nunca nem deveria ter existido.  Você nunca o amou, Val e isso sempre esteve tão evidente.

— Eu sei. mas o medo de ficar solteira a vida toda venceu e eu simplesmente me agarrei a primeira oportunidade de casamento que tive. — saí da frente do espelho e voltei até a minha cama — Que merda eu fiz com a minha vida?

Se eu tivesse negado o beijo na festa beneficente ou até mesmo adiado o casamento, como Stanley falou certa vez, não estaria nessa situação agora.

— Você só tentou amar alguém, mas você esqueceu que isso não depende exclusivamente da gente. —  Skye mudou a voz para uma tão serena que quase deu sono — O amor é um sentimento puro e sincero, não algo que a gente tenta forçar.

— Não acha que está muito cedo para vir com frases que parecem ter vindo direto de alguma princesa da Disney? — retruquei com um sorriso no rosto me jogando na cama.

Minha amiga não respondeu.

— De qualquer forma eu tenho que ir lá. Não é? — cortei o silêncio.

— Tem, o quanto antes. — ela respondeu suspirando — Boa sorte, estou sempre com você.

— Obrigada. —agradeci e finalizei a chamada.

Agora era hora de terminar outro tipo de ligação com Stanley Olsen.

— Oi, Valentina. — Helena Olsen, minha ex-futura sogra, abriu um sorriso assim que me viu sentada em seu sofá.

Fazia cinco minutos que Sandra, a governanta da casa dos Olsen, tinha me recebido e ido chamar sua patroa.

— Oi, Sra. Olsen. — sorri temendo a hora que seu filho contasse que fui até ali acabar com nosso enlace matrimonial.

— Veio checar os mínimos detalhes que faltam para o casamento? Pensei que você já tinha acertado tudo com o Dj. — de maneira elegante, Helena sentou ao meu lado arqueando as sobrancelhas tão escuras quanto seu cabelo e seu vestido.

— Ah, não, eu vim conversar com o Stanley. — Quero terminar o casamento, completei mentalmente.

— Ah, querida, ele já saiu — lamentou — E saiu cedo, recebeu uma ligação de um cliente importantíssimo, que mora em Kant City.

— Kant City? — perguntei surpresa — Ele não me avisou nada.

Kant City, a cidade vizinha a nossa, fica distante umas três horas de carro, mas dependendo da encrenca que o cliente do Stanley se meteu, calculei que ele talvez demorasse bem mais para voltar do que apenas uma manhã.

Não daria para ficar esperando por ele ali, até porque a hora do almoço se aproximava e tinha marcado de ir à um restaurante com Theodore. Sem contar que não me fazia bem vê todos os móveis modulados vindos de corações, rins e pele humana traficados pelo meu sogro. Era surreal imaginar que a Sra. Olsen soubesse dos atos horrendos de seu marido ou até mesmo Celine, sua filha mais nova, que vivia enclausurada em um internato.

— Ele está trabalhando mais do que nunca, Valentina. — a mãe do meu noivo explicou — Ontem, ele nos confessou que te ama.

Corei sabendo que assim como eu, meu noivo também se considera a exceção do amor, como sua própria irmã me explicou dias antes do nosso noivado.

— Eu  volto outro hora então. — levantei querendo mudar de assunto — Se a senhora puder avisar que eu preciso vê-lo urgentemente, me avise, por favor.

Não queria correr os riscos de esbarrar em Sebastian Olsen, meu ex-futuro sogro, pela primeira vez , já que nunca nos conhecemos pessoalmente, devido a alta procura de seus serviços advocatícios por todo o país. Nos vimos apenas uma vez, por videochamada no dia em que Stanley me deu um anel de noivado, atualmente guardado no meu bolso para ser devolvido a ele.

— Tudo bem, querida. — ela se levantou para me acompanhar até a saída —  Pode me responder uma coisa, Val?

Arregalei os olhos assustada com o meu apelido saindo da boca de uma mulher tão fina.

— O quê, Sra. Olsen? —questiono baixinho sentindo gotas de suor se formaram atrás do meu cabelo solto.

— Você ama, meu filho?

O mundo parou, pedi a Deus que como nos filmes alguém me ligasse ou algo acontecesse para impedir que eu a respondesse, mas é óbvio, nada aconteceu até chegarmos na porta e Sra. Olsen me encarar não como uma mulher rica e esnobe, mas apenas como uma mãe preocupada com o futuro do filho.

— Eu amo. — Não como espera, mas o amo, quis dizer.

— Certo. — ela respirou aliviada e abriu a porta branca recuperando os traços de alguém elegante e pouco expressivo.

Stanley não estava e sequer me dei conta que o destino queria complicar um pouco as coisas para mim.

Logo após deixar a residência da família Olsen, peguei um táxi imaginando que faltava pouco para reunir todo o dinheiro para finalmente ajeitar meu velho classic cinza. Confesso que fiquei aliviada ao ver que a taxista era uma mulher e não o velho bonitão Brian Cooper que ganhara a coroa do baile de formatura e recentemente tinha achado meu número e não parava de pedir para marcar uma social para "relembrarmos os velhos tempos".

Quando avistei o restaurante, tirei o dinheiro da bolsa, entreguei para a motorista e mandei uma mensagem para o Theo avisando que tinha chegado. Essa conversa era parte da minha promessa para Nicolle, estava na hora do meu amigo desabafar e eu o aconselhar sobre sua vida amorosa.

Ri ao entrar no restaurante La Nina, um lugar pequeno e rústico, mas bem aconchegante, muito movimentado e especializado em cozinha espanhola. Eu era a última pessoa que podia orientar alguém quando sua vida romântica, mas se meus amigos precisavam de mim, eu seria o que eles necessitavam.

Theo estava sentado de costas para a entrada verificando seu celular e aquela velha euforia adolescente se apossou de mim, me fazendo tampar seus olhos e perguntar rindo:

— Adivinha quem é? 

— Valentina Javaddy, a que devo a honra por tanta beleza? — entrou no clima tirando minhas mãos de seus olhos — Nunca mais tinha te visto, mulher!

Sentei na cadeira ao seu lado e logo um garçom me entregou o cardápio e um copo de água.

— Você não sai mais da empresa! — reclamei passando os olhos e um prato a outro no menu — Vou querer um Cocido Madrileñ, por favor.

— Eu também quero esse, por favor. — Theo pediu para que o garçom nos deixasse a sós — O tio da Skye não para de me dá trabalho, saio da Ledger Company 23h quase todo dia!

— Já falou para Skye sobre isso? Afinal, ela é a chefe do seu chefe, apesar de não está na empresa.  — disse bebericando o copo d'água —  A Nicolle comentou que sente sua falta.

As feições triste e cansada de Theo não foram disfarçadas com seu paletó escuro e sua camisa de mangas compridas azuis, muito menos com a ausência proposital de gravata que devia dá um ar de despojado em meu amigo.

— As coisas não estão fáceis, Val. Minha casa se tornou uma zona de guerra, você deve saber pelo número de vezes que a Sarah dorme na sua casa — confessou.

Assenti o incentivando a continuar.

— O pior, o que mais dói é que a culpa não a minha. — seu rosto infeliz me fez perceber que ele também não culpava sua esposa.

— Por favor, não diga que é da Sarah! — exclamei — Vocês foram irresponsáveis e...

— Ei, eu sei, eu sei. — me interrompeu — Eu ouvi tudo isso da Mary quando contamos que a Nicolle estava grávida anos atrás, sem contar o que o papai falou.

— Mas se for para você culpar minha sobrinha, vai ouvir tudo de novo sim!

— Calma, Val! — pediu — Não é culpa dela, não é culpa da nossa família.

— Então de quem é?

— Nós temos brigado por tudo! — assumiu — Desde a minha falta de organização à comida sem sal que ela faz. Não aguenta mais!

— O que custa você relevar a falta de sal, beijar ela e pedir uma pizza? — sugiro — Ou ser mais organizado?

— Custa a vida. — confessou de um jeito sombrio que não gostei.

— O que está acontecendo? — questionei — Vocês não podem brigar assim, a Sarah não pode crescer vendo os pais trocarem farpas a todo momento!

— É por isso que vou receber esse problema. — Theo colocou o celular em cima da mesa e o fuzilou como se a culpa fosse do aparelho.

— Não me diga que vai pedir o divórcio! — exigi — Você não a ama?

— Amo. Claro que eu amo. Como não amar a Nicolle? — Theo fechou os olhos e continuou a falar — Mas o que a gente faz quando o medo de perder quem amamos é maior que o amor que sentimos por essa pessoa?

— Ok, agora vai ter que me dizer o que está acontecendo.

— Eu...

O garçom apareceu com dois pratos de cozido de grã-de-bico cheio de verduras e carnes.

— Vão querer algo para beber? — o rapaz nos serviu enquanto perguntava.

Theo pediu algo para bebermos e sabendo que eu não desistiria da pergunta, respondeu de uma vez por todas:

— Eu vou resolver isso e no seu casamento Nicolle e eu já estaremos maravilhosamente bem.

Bati na mesa animada chamando atenção de algumas pessoas, então um pouco mais baixo disse:

— É assim que se fala garoto, mas existe um pequeno detalhe.

— Qual? — perguntou antes de mastigar o cozido madrileno.

— Não vai ter casamento.

Ele parou, franziu o cenho e me encarou completamente confuso.

— Eu não vou casar. — repeti.

— Finalmente hein! — me olhou como se me parabenizasse — Todos víamos que não amava o Stanley. Como ele reagiu?

— Então... — pedi um segundo com a mão enquanto mastigava aquela delícia espanhola — Ainda não consegui falar com ele, mas vou.

— Sabe, Val, eu acharia bem mais emocionante se você terminasse tudo no altar, digno das novelas que a vovó assistia. — Theo gargalhou — Mas seria muito humilhante pro Stanley e apesar dele ser bem sem graça, não merece nada disso.

O garçom que nos servia colocou a bebida na mesa e se retirou.

— Você não perde a mania de brincar com coisa séria, não é? — foi impossível não lembrar de nós dois no Ensino Médio brincando com a Skye logo que a notícia envolvendo crime e Ethan Hale, seu namorado, se espalhara.

— Fomos muito maus com a Skye. — ele riu relembrando a mesma coisa que eu.

— Mas qual é, não sabíamos que a história era verdade. — nos justifiquei.

O silêncio que se seguiu foi para apreciar o momento nostálgico, mas é óbvio que Theo sendo Theo tinha que indagar:

  — Você vai terminar o noivado por que percebeu que não ama Stanley ou por que começou a amar outra pessoa?

Toda aquela atmosfera quente e aconchegante foi quebrada por um sentimento ainda melhor quando, mesmo com dificuldade, assumi em voz alta meus sentimentos por Caleb Fletcher, mesmo de forma precipitada.

— Estou amando outro. 

— Uou! — ele exclamou bem alto.

— Não precisa chamar atenção do restaurante todo. — pedi — Você lembra do amigo do Ethan? O Caleb Fletcher?

— Ele? — Theo pareceu surpreso — Você não acha muito cedo para dizer que o ama?

Ele tinha razão, mas naquele momento, levada por emoções, não percebi.

Acabamos o almoço de maneira leve e descontraída, quase como nos velhos tempos, mas aquela altura, faltando três dias para meu casamento, já tinha aprendido a tirar o pé do passado e viver o Hakuna Matata, até me sentia o próprio Timão e claro, Theo era o Pumba.

— Uma pena a Skye ter ficado de fora, Timão. — Theo brincou quando saímos do restaurante.

— Na próxima ela vem, Pumba. — respondi — Será que você pode me dá uma carona ou tem alguma reunião agora?

— Eu te dou uma carona. — ele piscou — Com a condição de irmos ouvindo Hakuna Matata.

— Se isso for te fazer deixar o passado para trás e se reconciliar com a Nick. — dei de ombros já o seguindo para onde sua van estava estacionada — A pergunta é: Por que você tem essa música no carro?

— Você acha o quê? Ter filhos muda todo o nosso gosto musical. — riu apertando o alarme do carro o destravando — Já ouviu Frozen?

Já ia responder abrindo a porta do seu carro azul, quando Adam Grey, um antigo colega do ensino médio, nos parou com um:

— AI! NÃO ACREDITO NO QUE ESTOU VENDO!

Theo fez questão de revirar os olhos assim que Adam apertou sua mão, mas era justo diante de tudo que aconteceu entre ele anos atrás, afinal, o Grey era obcecado por Nicolle e quando soube da sua gravidez, espalhou para todo mundo que o filho era dele, mesmo que Nick nunca tivesse sequer o beijado, o que obviamente levou meu melhor amigo a dar uns bon socos nesse mentiroso.

— E aí, Valentina? — me abraçou — Você e Theo finalmente resolveram ficar juntos?

Antigamente metade da escola achava que Theodore namorava Skye e a outra metade achava que Theo estava comigo, ambos casais, Skdore e Valtheo, - quase - nunca tiveram possibilidade de acontecer.

— Não. — meu amigo estufou o peito — Estou casado com a Nicolle Kintzell, ou melhor, Nicolle Marley.

Adam pouco mudou, os mesmos olhos azuis e cabelos pretos de antigamente escondem o estrategista que Grey se tornou, porque apesar de nunca mais tê-lo visto toda cidade conhece o artista que leva o nome de Point City por todo o Estados Unidos graças a sua ganância e exibicionismo, afinal, nunca vi muito talento nele.

— Você está mais forte hein... — Theo tentou puxar assunto.

— Sim, faço musculação toda semana.

— Desistiu da carreira de cantor, Grey? — pergunto apenas por educação.

— Não, estou apenas me mudando para Point City, novamente. — explicou — E vocês, o que andam fazendo? Já comanda a delegacia da cidade, Valentina?

— Não, o papai continua fazendo isso muito bem. — respondo sentindo a pele esquentar devido a exposição solar — Sou jornalista.

— Criminal. — Theo complementa agora que já sabe da matéria que estou escrevendo — E eu sou administrador da Ledger Company.

— Que bom. — sua reação foi entediada, o que confirmou que ele continua esnobe.

— Bom, mandem um beijo para a Nicolle. — ele diz — Tenho que ir, aquele paparazzi já tirou muita fotos desse meu ângulo.

Theo e eu olhamos na direção que ele apontou, mas não vimos ninguém e nem havia lugares para algum fotógrafo se esconder. Ao voltarmos o olhar para frente, Adam Grey já estava bem longe sem nem olhar para trás.

— Esse cara é doido? — Theo perguntou abrindo a porta do carro para mim.

— Ele nem é tão famoso assim! — falei quando meu amigo entrou no banco do motorista.

— Sabe o que esse encontro me lembrou?

— O dia que ele roubou o uniforme de líder de torcida da Nicolle?

— Não! Nem me fale nisso! — apertou o volante — Lembrei de como você era sonhadora na escola, como aguardava e era exigente em relação ao amor. O Philip lutou muito por você.

Sorri saudosa, apesar de Philip, minha paixão de ensino médio, ser assunto proibido, ultimamente eu vinha pensando muito nele e na minha mãe, porque assim como meu irmão Will falou que honraria a vida que eles não tiveram, estava na hora de eu cumprir o que eu prometi aos dois há muito tempo: Amar.

E Caleb é quem amo, pensei.

— Você vai voltar a ser assim? — questiona ligando o carro.

— Deixar o passado para trás, lembra? — mas sempre cumprindo promessas.

E era por mim, por essa promessa e por Stanley que terminaria com ele. O problema foi que a noite chegou e a ligação do meu noivo avisando que chegara nunca chegou.

[...]

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