25 dias antes - Acidente


Apesar de ser terça, eu não saí de casa naquele dia para verificar os papéis da investigação procurando algo que teria passado despercebido quando ouvi alguém bater na porta do meu quarto.

— Pode entrar. — gritei deixando a caneta entre meus lábios e prendendo meu cabelo em um rabo de cavalo.

— Ei, filha... — meu pai murmurou com um tom preocupado.

Minha mãe sabia que o papai tinha pesadelos devido a algumas operações policiais mais aterrorizantes e a única coisa que o relaxava era um sorriso. Apesar de não conseguir fazer como a Sra. Javaddy, meu sorriso também o tranquilizava e assim que o fiz seu olhar se tornou menos obscuro.

— Podemos conversar? —perguntou já entrando no quarto e sentando ao lado dos papéis.

O vi observar ao redor.

Um grande problema entre a gente foi o fato de eu não mudar a decoração do lugar desde a adolescência, a porta do closet continua com a pintura branca desgastada, as paredes se mantém bege, os dois criados-mudos de madeira são os mesmos assim como a penteadeira ao lado esquerdo da cama. Nada mudou, pelo menos não no meu quarto.

— Eu não vou mudar o quarto, pai. — me adiantei — Gosto assim.

— Não é isso, filha... — ele tocou minha mão esquerda e me olhou de forma estranha.

Encarei o rádio colado em sua farda com medo do que estava por vir.

— Você... Você foi feliz aqui? Foi feliz comigo? — senti a dificuldade e a confusão de suas palavras e pensamentos.

— O quê? — levantei a cabeça e vi meus olhos refletidos nos dele — Mas é claro, papai.

Por puro instinto pulei para seu colo, o abracei sentindo suas lágrimas rolarem em cima do meu cardigã cinza e o apertei contra mim com toda a minha força.

— Mesmo depois da sua mãe falecer? — sua voz soou abafada contra meu ombro.

Demorei alguns segundos, mas me dei conta que apesar de as coisas terem piorado depois que ela se foi, não tinha relação com o papai, nem mesmo com seu segundo casamento com a Mary.

— Mesmo depois, pai. — garanti — Mesmo depois.

Nos afastamos só um pouco e ele começou a acariciar meu cabelo.

— Quando a Skye foi para a faculdade, sua mãe e eu tentamos nos preparar para a sua ida, mas não conseguimos. Filha, você tinha 17 anos, mas ainda era uma bebê, a nossa bebê. — os olhos dos meus pai brilharam como se ele estivesse de volta aquele ano — Então o acidente aconteceu antes da sua viagem e você cuidou da casa, cuidou do seu irmão e de mim, nem sequer reclamou de ter parado aquele ano da sua vida para isso, assim como o William também teve que fazer.

Assenti mordendo os lábios tentando driblar as lágrimas.

— Ao contrário de todos os jovens você continuou na casa do seu pai, estudou na cidade e ainda está aqui, comigo e com o William, ainda está cuidando de mim, mas agora chegou a hora de correr atrás somente da sua felicidade, minha filha, daqui a alguns dias estarei te levando ao altar e sei que sua mãe estará conosco de alguma forma. — suas mãos alcançaram as minhas — Eu preciso saber, princesa, você vai correr atrás da sua felicidade e esquecer todas as outras coisas que não a envolvam?

— O senhor quer saber se vou ser feliz com o casamento? — suspirei um tanto nervosa por nem eu mesma ter certeza disso.

— Eu quero saber se você vai correr atrás da sua felicidade, seja ela um casamento ou não. — reformulou.

Fechei os olhos, abri e concordei, mas não foi o suficiente, meu pai continuou esperando a resposta.

— Eu vou pai. — minha voz saiu rouca — Eu vou atrás da felicidade.

E foi ali que decidi tomar uma decisão definitiva, então, poucos minutos depois que ele saiu do meu quarto ignorei as duas últimas mensagens que Caleb havia mandado com a letra de alguma banda pop atual e resolvi ligar para o meu noivo, que tinha chegado de viagem a Point City durante a madrugada.

Desde aquele dia em que tomamos sorvete na varanda da minha casa, não tínhamos nos encontrado devido seu trabalho em Diptown. Demorou cerca de uma hora, mas eu estava feliz por Stanley ter cancelado seu último cliente para me ver, então nem me incomodei com seu atraso, tanto que até cheguei a abraçar rapidamente a Mary enquanto ela brincava com a Sarah, sua neta e minha afilhada, que estava ali por causa de alguma briga entre Theo e Nicolle.

— Ei... — Stanley sorriu e me beijou rapidamente quando entrei no seu carro — O que houve de tão importante?

Passei a mão por meu vestido preto e justo sentindo uma euforia para literalmente buscar a felicidade e ignorei veementemente qualquer pensamento que envolvia o fato de eu ter traído meu noivo.

— Nada. — sorri — Que tal irmos para algum lugar?

— Que tipo de lugar? — meu noivo ligou o carro e logo passamos pela antiga casa da Skye.

Ele usava um paletó preto e uma gravata verde escuro, típico de um advogado.

— Um lugar que nos leve de volta a adolescência. — propus imediatamente.

— O quê? — ele riu como se fosse algo ridículo e o fitei — Oh, é sério? Tudo bem, mas que tipo de lugar? Passei a juventude enfurnado num internato.

— Mas que coisa, seus pais foram bem chatos hein... — soltei bem na hora que ele parou em um sinal de trânsito.

Stanley ficou indecifrável naquele instante e eu corei envergonhada pelo o que havia falado.

O sinal abriu e ele começou a ri falando:

— Você tinha que ter visto a sua cara! — bateu no volante acelerando o carro em direção ao centro da cidade — Foi épica! Enfim, eles foram realmente, mas era melhor está lá do que sozinho aqui, já que eles viviam viajando.

Gargalhei.

— Oh, céus! Eu te fiz sorrir. — disse mais para si do que para mim — Eu mereço um prêmio!

— O quê? 

— Tudo o que eu faço quando te vejo é aguardar seu sorriso, Valentina. — explicou — Ele é uma das minhas coisas favoritas do mundo.

O sorriso se desfez e meu coração palpitou lembrando que tinha sido a segunda vez que ouvia aquilo, a primeira foi de Caleb na mensagem após nosso primeiro encontro.

— Valentina... — a mão direita de Stanley soltou o volante e foi parar próximo ao meu joelho — Eu... Eu realmente... Eu...

Seu nervosismo foi tanto que ele virou o rosto para me encarar justo no momento em passávamos em um cruzamento e um carro azul vinha.

A batida foi só na parte da frente e apesar do airbag ter sido aberto, não houve nem um impacto grande, afinal usávamos cinto, eu só não esperava que quem saísse do tal carro azul fosse ele. O carro que Stanley tinha batido contra o seu estava sendo dirigido por Caleb Fletcher, o garoto que de forma clichê estava em todo lugar aonde eu ia.

Saímos do veículo e eu ainda pude ouvir a voz do Cal dizendo "Droga, o Luke vai me matar" porque o carro que ele usava na verdade era de seu amigo, mas assim que levantou o rosto e me viu, sorriu e gritou:

— E aí? Atrapalho algo?

Tudo o que pude fazer foi ri e ficar extremamente vermelha, porque Caleb tinha o dom de aparecer nas horas mais inusitadas da minha vida.

[...]

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top