2 dias antes - Lágrimas

Quando mordisquei um pedaço de pão, a mensagem do Stanley chegou e não pude deixar de suspirar profundamente. Até cheguei a pensar que esses imprevistos eram uma forma do destino me avisar que eu não devia terminar com Stanley, mas logo tirei isso da cabeça, não havia razão para o destino querer me vê casada com um homem que eu não amava.

Havia.

Parecia que as coisas só se complicavam para mim, mal sabia eu que iam piorar.

— Vai dar tudo certo, Valentina Javaddy! — repeti para mim, antes de bebericar um pouco de café.

— Vai sim, você vai ficar tão linda naquele vestido, Valentina. — Mary deu um sorriso para mim.

Ela estava sentada a minha frente, sempre maravilhosamente arrumada, abrindo um pote de iogurte ao lado do papai.

— Não vai haver casamento. — respondi automaticamente, fazendo minha madrasta quase se engasgar.

Meu pai arregalou os olhos, enquanto William fechou a porta da geladeira e me lançou um olhar tão confuso quanto nosso pai.

— Isso é algum tipo de brincadeira comigo? — Mary parecia horrorizada.

— Não. Eu vou terminar com o Stanley hoje. — Mordi o pão tentando transparecer normalidade, apesar do coração acelerado e a insegurança quase palpável.

— Vai terminar? — Papai entrou na conversa me passando tranquilidade, apesar do tom assustado.

Mastiguei o pão lentamente atrasando a resposta o máximo possível.

— Sim, eu ainda não terminei, mas pretendo fazer isso assim que o Stanley chegar na cidade. — falei pegando a xícara de café.

— E por que vai fazer isso? — Will indagou sentando conosco com uma caixa de leite.

— Porque eu não o amo.

Mary sorriu do mesmo jeito que faz quando Sarah lhe mostra algum desenho com formatos estranhos.

— O que você entende de amor, Valentina? — O tom de voz dela saiu mais enjoado que o normal — Por favor não me diga que você entende o amor como algo contido em contos de fadas.

Will colocou leite em um copo e alisou sua barriga desnuda enquanto ria da nossa madrasta, pois sabia que o problema não era esse.

— Inclusive, você já é muito adulta para isso, não acha? — Mary continuou como se eu estivesse brincando.

Eu queria ser legal com a Mary, mas ela começou a me ofender e pior, destruir meus sonhos, um pouco infantis, mas ainda assim importantes para mim, como o amor verdadeiro.

Se Skye e Ethan, se Theo e Nicolle e se meus pais se amaram, é porque esse amor existe e não vai ser Mary e seu veneno que vão me fazer desistir, já basta eu ter aceitado uma relação com Stanley graças à sua insistência.

— Mary... — Papai ficou em alerta sabendo que eu não ficaria calada.

Ele estava certo, afinal, se não fosse Mary eu nunca teria aceitado Stanley e não precisaria passar por tudo isso.

— Eu sei que o amor que meus pais tinham um pelo outro existiu e é exatamente isso que quero para mim, um amor tão puro e genuíno quanto o deles, um amor que se manteria até hoje se minha mãe não tivesse morrido. — Cruzei os braços depois de deixar a xícara de café em cima da mesa — Como você se sente sabendo que meu pai nunca conseguirá amar você como amou a mamãe?

— Valentina! — Meu irmão exclamou para que eu parasse.

Ele sempre aceitou muito bem a Mary, o que para mim era completamente desleal com a nossa mãe.

— Está tentando me atingir? — Minha madrasta levantou da cadeira — Eu sinto em dizer que se sua mãe morreu é porque tinha que ser desse jeito, porque o destino quis que de alguma forma seu pai e eu juntos.

A raiva consumiu cada partícula de mim, por um segundo me imaginei estapeando Mary Kintzell, mas eu, por incrível que pareça, consegui me manter no lugar.

— Você está querendo me dizer que minha mãe morreu por culpa do destino? — Me levantei indignada —Mary Kintzell, minha mãe morreu por culpa do...

Fechei a boca antes que despejasse a verdade da pior maneira possível.

Will e papai me olharam em expectativa, dessa forma, com os olhos ardendo voltei atrás e disse:

— Se o amor fosse um conto de fadas eu tenho certeza que você seria a bruxa malvada e rancorosa, aquela que nunca está feliz e por isso atormenta os outros.

Mary arqueou as sobrancelhas, ajeitou seu vestido azul rendado, passou as mãos nos cachos escuros amarrados em seu típico coque parecendo ponderar se devia falar, mas eu não fiquei calada e fiz a pior coisa que poderia, a provoquei:

— Ficou sem palavras, madrasta?

Seus olhos se estreitaram, ela suspirou como se não tivesse escolha e disse:

— E você é a princesa solitária, que vê todos os amigos casarem, a que nunca encontra o tal amor verdadeiro e se lamenta pelos cantos sabendo que não teve escolha entre o amor ou um amor. Por isso você escolheu o Stanley, porque ele foi a chance de você ter um amor e se o deixar, vai está jogando tudo fora e nunca, nunca Valentina, amará alguém ou será amada, não como quer.

— CHEGA! — Meu pai bateu na mesa e se levantou derrubando a garrafa térmica e caixa de leite no chão — Parem com isso!

Mordi os lábios, virei de costas e deixei uma lágrima escorrer antes de sair correndo de casa sabendo que não ficaria sozinha, eu tinha Caleb, ele me amava e eu também, então sem dúvida alguma, liguei para o meu amor verdadeiro querendo chegar o mais rápido possível até ele.

***

Era a primeira vez que entrava no apartamento de Caleb, um lugar bem arrumado, como poucos móveis e cheiro de colônia masculina.

— Obrigada por me dá seu endereço. — comentei me encostando no sofá bebendo o chocolate quente que Cal tinha feito especialmente para mim — Obrigada por pagar o táxi e por não me julgar enquanto chorava na ligação.

— Valentina, você não tem que agradecer. — explicou se ajoelhando a minha frente, tirando o chocolate quente da minha mão e o colocando no chão — Você está assim por causa do Stanley?

A última coisa que precisava era lembrar do meu noivo, então fiz o inesperado, puxei o rosto de Cal para o meu e o beijei.

Foi tudo rápido, mal tivemos tempo de nos encarar ou sentir nossas respirações se misturando, nossos lábios se uniram de forma ávida e cheia de paixão, enquanto suas mãos me puxaram para si até que estivesse de joelhos no chão com as costas apoiadas no sofá. A medida que o ar se tornou necessário, Caleb foi diminuindo o ritmo até parar, selar meus lábios, acariciar meu cabelo solto, abrir os olhos e sorrir.

— Eu te amo. — Ofeguei esperando que ele dissesse o mesmo.

Nossos olhos não desviaram um do outro, nossos corpos não se afastaram e nossos sorrisos não sumiram quando ele pareceu adivinhar meus pensamentos e de forma grave repetiu:

— Eu te amo.

Suspirei aliviada e encostei a cabeça em seu peitoral coberto por uma camisa azul clara.

Meu amor verdadeiro chegou!, pensei, Posso ficar calma.

— Sabe qual a vantagem de morar em frente à Sandy's Sorveteria? — sussurrou me abraçando — Eu posso comprar um milkshake para você, boneca.

— Seria ótimo. — confessei — Quando voltar, eu te conto tudo.

Ele assentiu, me soltou e se levantou.

Voltei a sentar no sofá com a pele arrepiada e um nervosismo esquisito crescendo dentro do peito ao ver Caleb me deixar sozinha no apartamento prometendo que voltaria logo. Cruzei os braços, pouco confortável, mordendo os lábios surpresa com minha própria atitude, mas não tive tempo de aprofundar meus pensamentos sobre meu segundo beijo com Cal porque o telefone fixo da casa tocou me assustando.

Por pouco não atendi, com medo de ser o hospital precisando de Caleb, mesmo que ele não estivesse de plantão hoje, mas optei por não invadir a privacidade do Fletcher, até o som do seu celular preencher o ambiente e o do telefone acabar.

Segui o barulho o mais rápido possível, sabendo que se fosse um paciente, o tempo seria fundamental para salvá-lo. O som vinha da última porta do corredor do apartamento, não hesitei em abrir e meu coração acelerado me fez perceber que minha intuição queria dizer algo.

Encontrei seu aparelho em cima de algumas caixas empilhadas ao redor de todo o quarto e apenas por um segundo, pensei ser as suas mudanças, mas quando o celular parou de tocar e uma vez feminina preencheu o ambiente falando, na caixa postal:

— Caleb, temos um objeto a ser escamoteado. Precisamos de você. Já apliquei a morfina.

Com o coração caindo em um abismo profundo diante daquela declaração, fui até aquelas caixas e as abri com a mão tremula.

— Por favor, meu Deus. — falei com a voz chorosa — Não deixe ser verdade.

Logo que os frascos daquela droga maldita apareceram, meu primeiro soluço escapou, mas foi só quando abri a segunda caixa perto da porta que entendi a verdade, nela havia cópias de atestados de óbitos, todos causados por morte cerebral e um catálogo com os preços e fotos de órgãos humanos.

Morfina. Morte cerebral. Tráfico de órgãos.

Essas três coisas se ligaram ao nome de Caleb e finalmente entendi o que Mary queria dizer comigo nunca encontrando o amor. Sem contar na rapidez que disse amar Caleb, apenas para viver um amor, exatamente como minha madrasta falou.

— Uma princesa solitária. — murmurei apenas para aumentar a dor em meu peito e sentir a verdade em cada poro do meu ser.

Respirei fundo e abri a outra caixa encostada na parede.

— O que é isso? — Me perguntei vendo fotos de corpos de homens, mulheres e crianças sem roupa com cortes no meio do corpo como se seus órgãos tivessem acabado de serem tirados.

Mexi em algumas até encontrar a de uma mulher de pele alva, cabelos negros, feição tranquila e um corte costurado acima dos seios até a altura do quadril.

— Mãe. — Soltei a foto ouvindo o barulho da porta se abrindo.

Virei de costas para aquelas caixas, fechei a porta do quarto e vi Caleb segurando dois milkshakes com um sorriso, como se ele não matasse pessoas todos os dias, como se não tivesse uma foto da minha mãe depois de roubarem seus órgãos.

— O que foi, Val? Acredita que acabei de encontrar o Stanley?

— Como não suspeitei de nada, Caleb? — perguntei indo até ele sem prestar atenção no que ele dizia — Como você pode ser tão perverso?

As peças se encaixaram na minha cabeça e pensei que Cal se aproximou de mim para verificar minha investigação e talvez até me matar na hora oportuna.

Que hora melhor do que agora?, me perguntei.

Decidida a sair dali viva, o ultrapassei sem dizer mais nada.

— Você já vai? — questionou confuso.

— Nem deveria ter vindo. — respondi olhando para o chão me concentrando para não chorar — Ou melhor, deveria para saber quem você é.

— O que você viu? — O silêncio que se seguiu o fez entender e arregalar os olhos — Val, não é o que está pensando.

Abri a porta do apartamento, mas virei o encarando incrédula.

— Você é a pior pessoa que conheci, Caleb Fletcher. Eu te odeio.

— Valentina, eu...

— O quê, Caleb? Vai dizer que não matou todas aquelas pessoas? — Encarei os copos de milkshakes na sua mão — Que não é um deles? Esse império vai cair, Cal e eu fico feliz que você vai junto.

Ele colocou a mão no bolso da bermuda como se procurasse algo. Quando ele levantou uma arma de fogo, fiz o que qualquer pessoa normal faria, corri o mais rápido que pude ouvindo meu nome sendo chamado por ele, mas não parei, até chegar ao térreo do prédio, pedir um táxi e finalmente me permitir chorar de verdade.

— Moça, alguns homens são idiotas, mas quando encontrar seu amor verdadeiro vai ficar tudo bem. — A motorista do táxi garantiu ao me ver chorando.

Olhei para trás com medo de Caleb está vindo atrás de mim para me matar, mas apenas o vi colocando as mãos na cabeça como se tivesse cometido a maior burrada do mundo.

É claro que haviam muitas questões não resolvidas, muitos pontos em branco nessa história, mas aquelas fotos diziam tudo: Cal é um deles.

No fim, eu nunca amei Stanley, nunca amei Caleb e esse era meu destino:

Nunca amar e ser amada.

[...]

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