10 dias antes - Dor

O Sr. Johnson tinha parado de investigar, assim como eu, afinal, já tínhamos as provas que precisávamos para não só publicar a matéria, mas também para denunciar à polícia. Era uma corrida contra o tempo, quanto mais demorássemos, mais pessoas seriam assassinadas e mais morfina e órgãos seriam vendidos para o mercado negro, então o plano era sairmos juntos do jornal em plena quarta-feira e ir direto para a delegacia onde meu pai fazia plantão, mas Stanley Olsen mudou tudo.

Mentalmente eu disse que iria continuar agindo com Stanley como se nada tivesse acontecido, como se eu não soubesse que a família dele traficava órgão, mas na mesma noite do dia em que descobri aquelas provas cabais, meu lado emocional falou mais alto e não consegui nem jantar naquelas louças finas que com certeza vinham de algum rim ou coração.

Eu havia mudado com meu noivo sem perceber, mas é óbvio que ele notou e isso ficou evidente quando, em meio ao meu expediente, ele me chamou para ir em sua mansão. Cheguei a alegar que ia resolver uma matéria com meu chefe para não ter que pisar naquela casa tão cedo, porém, Stanley Olsen sabia persuadir qualquer pessoa e foi o que ele fez. Ouvindo os resmungos do Sr. Johnson, saí do meu trabalho prometendo que encontraria outra coisa que incriminasse meu futuro sogro.

Cheguei a casa dos Olsen, que ficava no bairro mais rico da cidade, e me surpreendi por encontrar apenas meu noivo, ele tinha dispensado os empregados, seus pais não estavam em casa e sua irmã mais nova ainda não tinha chegado do internato onde estudava, ela só viria para o casamento.

Meu noivo abriu a porta e me levou à sala em silêncio, sentei no sofá branco gelo e o vi andar de um lado para o outro nervoso, logo meu coração acelerou imaginando que ele acabaria com o nosso noivado pelo modo agitado que se encontrava, ainda mais quando ele parou em frente ao mini bar próximo a parede atrás do sofá e hesitou em pegar alguma bebida.

— O que houve, Stanley? — chamei sua atenção para mim — O que você tem?

Ele olhou de mim para as garrafas ao seu lado e suspirou virando o corpo na minha direção.

— Eu nem sei como começar, Val.

— Da parte que você achar mais fácil. — tentei incentivar batendo no espaço ao meu lado.

Meu noivo sentou, apoiou os braços nos joelhos e olhando para mim falou em alto e bom som:

— Meu pai é um traficante de órgãos e eu sei que você também sabe.

Meu corpo se enrijeceu no móvel e por alguns segundos pensei que ele me mataria para manter os negócios da família.

— Quando e como você descobriu sobre ele?  — perguntei imaginando meu fim, mas Stanley me surpreendeu segurando minha mão e a apertando em busca de apoio.

— Faz quase cinco meses que descobri, quando eu desci para beber água no meio da noite e ao passar pelo escritório, ouvi meu pai falando no telefone completamente alterado. — seus olhos começaram a ficar vermelhos — Ele falava que o jornalista chefe da News Magazine, seu local de trabalho, estava o investigando e que seus subordinados deviam dá uma distração para ele.

— Iam matar o meu chefe? — me exaltei.

— Essa não foi a primeira opção, matar um jornalista é pedir para ser investigado por outros. — Stanley esclareceu — Eu não faço ideia do que eles fizeram.

Pensei por um instante.

— Ah! Acho que denunciaram o desvio de morfina para que meu chefe investigasse isso ao invés do tráfico, apesar de uma coisa levar a outra. — relembrei — Mas por que será que o Sr. Johnson começou a investigar o tráfico de órgãos? Digo... Quem denunciou isso para ele?

Stanley abriu um sorriso sem graça e deu de ombros.

— Oh! Foi você? — o vi assentir e apertei sua mão ainda mais contra a minha — Eu sinto muito, Stanley. Imagino como deve ter sido difícil.

— Não imagina. — negou — Você não tem ideia de como dói denunciar o próprio pai.

— Por isso você não denunciou para a polícia?

— Valentina, meu pai não só desvia morfina para vender no mercado negro, ele e seu parceiro Dr. Gonzales usam essa droga para sedar os pacientes, provocam a overdose e estimulam assim a morte cerebral de milhares de pessoas em todo o país. 

— Todo o país? — sussurro chocada.

— O último caso que investiguei, um médico aplicou uma injeção letal em dois pacientes que deram entrada no hospital depois de um acidente de moto.

— Ai meu Deus. — soltei sua mão e coloquei as mãos na boca.

— Lembra quando eu viajei?

Assenti tentando evitar corar ao lembrar que foi durante aqueles dias que beijei Caleb.

— Eu fui até outras cidades para conseguir todas as provas que você encontrou no banheiro. — explicou — Descobri que essa quadrilha atua desde 2006 e que meu avô a comandava, mas com a morte dele esse ano, meu pai assumiu. São cerca de sessenta hospitais, cada um com seu líder e que em cada lugar existe um subordinado direto dele, como o Dr. Gonzales aqui no hospital de Point City. Meu pai... Ele...

Como uma criança, meu noivo começou a soluçar de repente e suas lágrimas pesadas escorreram livremente por seu rosto até eu abraça-lo fortemente e elas passarem a cair em meu cabelo solto.

— Ele nunca existiu, Val... Meu herói nunca existiu, é simplesmente uma farsa que atende pelo nome de Sebastian... É um homem podre, ganancioso, que desfruta de uma vida boa, as custas de pessoas que poderia ter tido a chance de viver! — seus braços se apertaram ao meu redor e seus olhos negros me assustaram — EU SOU FILHO DE UM MONSTRO! Não quero ser igual a ele, Val, eu não quero...

O afastei de mim, enxuguei suas lágrimas com meus dedos e o fiz se deitar em minhas pernas.

— Você não é e nunca será. — acariciei seu queixo largo e quadrado — Seu pai vai pagar por toda essa monstruosidade, graças a sua bondade, graças a sua denúncia, ok?

— Ok. — ele murmurou terminando de soluçar.

— Você viu as provas atrás do espelho no banheiro social? — minha mente apitou — Foi você que as colocou lá?

— Sim, foi eu. Vi que alguém tinha mexido lá e perguntei da mamãe, ela disse que só você tinha usado o banheiro, dessa forma percebi que você sabia. — esclareceu — Você sempre foi inteligente, sempre esteve um passo a frente, não merece o filho daquele monstro.

— Ei! Não diga isso! — o encarei de forma dura — Estou casando com você, não com  seu pai.

É claro que na prática eu estava me relacionando com outra pessoa, mas eu não conseguia ser imparcial, nem que eu tentasse, ainda mais depois do que estava prestes a descobrir.

— Val, tem mais uma coisa... — ele se sentou novamente — Uma coisa terrível.

— Conte de uma vez. — pedi achando que estava preparada para qualquer coisa, mas não estava.

— Eu passei meses tentando pegar diversas provas que incriminam meu pai, meses hackeando seu email, meses ouvindo conversas e fingindo normalidade, mas eu não te chamei aqui só porque você descobriu de onde vem o dinheiro dos Olsen, te chamei porque descobri algo horrível e como estamos prestes a nos casar, quero ser completamente sincero com você.

Assenti e tratei de dizer:

— Fale logo, Stanley. Vá direto ao ponto.

— Meu pai guarda os nomes de cada pessoa para quem os órgãos foram vendidos e para quem foram comprados como forma de estudar a qualidade dos órgãos de cada um e posteriormente, dizer qual é compatível com seus clientes. Nessa busca eu pesquisei o sobrenome de cada família que eu conheço, tanto para saber se alguém tinha recebido ou tinha até mesmo sido "doador" — ele fez aspas com as mãos — e acabei encontrando uma pessoa que teve seus órgãos traficados.

— Quem? — uma gota de suor escorreu da minha cabeça ao mesmo tempo que meu coração começou a cair num abismo profundo.

— Anne Elizabeth Javaddy, sua mãe.

Então eu desmaiei.

Acordei no hospital, em uma sala azul com uma maca clara, tomando soro.

Ethan Hale e Stanley Olsen estavam debatendo sobre o que tinha acontecido comigo. Meu noivo estava inventando uma mentira nada convincente e meu amigo insistia em entender por pura preocupação, quando murmurei um:

— Fale logo, Stanley. Ele é confiável.

Os dois me olharam surpresos, mas trataram de voltar ao assunto mais sério: O tráfico.

Eu não devia ser a prioridade naquele momento, então, enquanto eu finalizava a injeção do soro diretamente na minha veia, Stanley e eu transformamos Ethan em nosso aliado número um, pelo menos até ele dizer:

— Eu queria ajudar, mas o Dr. Gonzales está no meu pé desde que declararam a morte cerebral daquela menina e ela acordou. — se referiu a garotinha que causou suspeita em Caleb e nele.

— Porque depois que ela acordou, ele não saiu de perto da menina enquanto fazia alguns exames. — expliquei para Stanley — A propósito, como ela está?

— Está em casa, muito bem. — meu amigo explicou — A Dra. Isabella disse a família que pode ter sido um milagre e eles acreditaram, na verdade, todo o hospital acredita veementemente nisso.

— Mas então, quem vai nos ajudar? — Stanley perguntou — Precisamos de alguém dentro do hospital para denunciar também.

— Apesar de eu achar que não precisam, já que vocês tem todas essas provas... — Ethan abriu um botão de seu jaleco — Nada mais justo que ser o Caleb, afinal ele está te ajudando desde o início.

Como se soubesse, Cal abriu a porta segurando um buquê de rosas amarelas.

— Você vem sempre aqui, boneca? — falou para só então notar as outras presenças na sala — Oh! Oi Stanley, tudo bem, cara? Oi, Ethan.

Stanley e Caleb apertaram a mão um do outro, até meu noivo terminar de dizer:

— Ela não está muito pra brincadeirinhas hoje.

— Mas que mocinha brava. — Cal deu de ombros com um olhar esquisito — Talvez essas flores a acalmem.

— É, obrigada, Fletcher, mas eu só desmaiei e precisei tomar soro, nada demais. — falei completamente encantada pegando o buquê pequeno, mas extremamente delicado.

—  Qual é, Valentina... Nada com você é "só".

Mordi os lábios vendo meu noivo cruzar os braços em sinal de ciúmes.

— Bom, vou ter que ir a pediatria agora. — Ethan falou — Val, avise a Skye que você está bem porque ela não para de me ligar preocupada.

— Tudo bem. — disse pegando o celular do meu bolso — Daqui a pouco eu ligo.

Quando meu amigo fechou a porta do quarto e me deixou sozinha com Cal e Stanley, comecei a explicar tudo pela segunda vez, para fazer do Caleb nosso aliado.

Não chorei, não iria adiantar.

Mais do que nunca, eu estava sem chão, mas tinha um propósito.

Resolvi concentrar todas as minhas energias para acabar com Sebastian Olsen.

Minha mãe não teve uma morte cerebral, proveniente do acidente de carro, como todos acreditavam. Haviam induzido a morte de Anne Javaddy, mas ao menos eu podia me agarrar ao fato de uma engrenagem do carro ter atingido sua coluna, pois assim, mesmo se ela sobrevivesse, não poderia andar e isso doeria mais do que qualquer coisa, já que ela sempre foi uma atleta. A dor estava me consumindo por causa de cada memória roubada, cada momento não vivido com minha mãe, porque aqueles bandidos inescrupulosos arrancaram, literalmente, qualquer esperança de vida que ela podia ter.

Enquanto terminava de contar tudo para Cal, vi os olhos de Stanley cheios de dúvidas, ele não sabia se eu ainda manteria o casamento, sinceramente, nem eu sabia naquele momento e meu noivo percebeu, tanto que saiu da sala me deixando sozinha com Caleb.

— Eu estou com você, Valentina.

— O que foi, Caleb? Fale. — afirmei coçando o olho para que as lágrimas não saíssem.

— Eu sei que não pe melhor momento, depois de tudo o que você descobriu, mas daqui há exatos dez dias, se você subir naquele altar com aquele cara, você sentirá falta de mim e se arrependerá por não ter acreditado no nosso sentimento.

Fechei os olhos finalmente interpretando porque seu olhar estava tão diferente.

— Eu vou falar pra ele sobre o beijo. — murmurei — O Stanley foi sincero comigo, Cal, ele denunciou o tráfico, ele reuniu as provas... Eu estou tentando o amar.

— Não como me ama. — Caleb rebateu.

— Para início de conversa eu não te amo, seu egocêntrico. — minha voz vacilou.

— Você ainda tempo, Val. — sussurrou — Decida se quer viver por gratidão ou tentar descobrir o amor.

Ele se afastou para ir em direção a porta.

— Vou chamar a enfermeira para tirar esse soro de você . — ele apontou para minha veia — Independente de qualquer coisa, eu estou do seu lado, Valentina.

Ele saiu e fiquei só, pensando no que estava acontecendo com minha vida e se realmente poderia descobrir o amor com Caleb ou até, quem sabe, com o Stanley. Mal sabia eu que meu coração já havia me pregado uma peça e escolhido o caminho para a felicidade.

[...]

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