Ser humano e bondade no coração
Dê um trocado pra o seu bruxo
Ó, Vila de Bagno
Ó, Vila de Bagno
Ó!
Dê um trocado pra o seu bruxo
Ó, Vila de Bagno
Aleska cantava enquanto usava o seu graveto para abrir caminho pela a relva alta. Sabia que sua voz nada comparava a do seu papa, mas isso não impedia de cantar a sua canção preferida. Bem, que era uma canção incompleta, como o seu papa gostava de enfatizar com tristeza. Aleska não entendia muito bem o que essa balada tinha de diferente das outras criadas por Jaskier... Uma balada que sempre parecia incompleta. Seu papa tentava explicar que era algo do passado, algo que devia ter sido esquecido devido a alguma magia, mas de uma forma inexplicável tinha sobrevivido... Aleska também não entendi por que Jaskier nunca terminava a canção, mas o refrão sempre era cantado pelo menestrel com muita paixão.
Jaskier dizia que a música devia ter algum tipo de poder mágico que fazia todos gostarem dela, mesmo que esses todos só se limitava a sua família, pois o menestrel nunca cantou essa balada na taberna. Sim, a balada era preciosa...E Aleska repetia o refrão e até Miron a acompanhava, apesar do garoto ser bastante crítico quanto algumas partes da letra, principalmente aqueles referentes ao Diabo.
— Ale... — Chamou Miron, vendo o quão distantes estavam de casa. De fato, avançavam cada vez mais, adentrando nas terras do seu vizinho, vovô Klaus. Terras essas, valia lembrar, onde se encontrava o suposto monstro.
—Ó, Vila de Bagno...
— Aleska!
— O que foi?
— Quando vamos começar a investigar?
— Miron bobinho, já estamos investigando! — Sorriu a menina.
— Estamos?
— Sim! Essa é a nossa aventura... Miron e Aleska, caçando o seu primeiro monstro. Já imagino que canção nosso papa irá escrever sobre essa aventura...Será, tipo, muito legal!
Miron engoliu em seco, olhando para os lados temendo que esse referido monstro saltasse sobre eles a qualquer segundo agora que sabia que de fato tinham começado aventura/investigação.
— E... O que devemos fazer?
Aleska abriu a boca para esclarecer os próximos passos, mas logo notou que não sabia o que eles realmente deveriam fazer. Bem, aquela era a sua primeira aventura de verdade e não de faz-de-conta. Pensativa, coçando o queixo com sua vareta (arma), a menina ponderou como deveria ser seu plano de ação.
— Aha! Já sei! Vamos até o tilo do vovô Klaus! Foi lá que o monstro atacou e comeu os grãos, não é?
— Não era silo?
— E o que é silo?
Miron deu os ombros. Bem, isso seria um problema. Eles não sabiam exatamente o que seria e como seria um Silo.
— Estamos nas terras do vovô Klaus, então devemos ficar aqui buscando pelo monstro! — Anunciou Aleska, triunfante.
— Mas...Por quanto tempo? Digo, hoje à noite começa o festival de inverno e...
— Não se preocupe, nós iremos voltar a tempo! Eu prometo! — Garantiu a menina, mesmo sem saber ao certo realmente iria conseguir cumprir tal promessa. Fato era que Aleska não estava planejando os eventos a longo prazo. O que importava era o aqui e o agora. E isso significava, perpetuar a sua aventura!
Miron não estava muito convencido, o garoto, mesmo sendo um ano mais novo, apresentava uma sagacidade que permitia ter uma outra perspectiva da situação. Se conseguissem voltar, sem serem "comidos" pelo monstro, eles ainda estariam em sérios problemas com seus pais...Provavelmente ficariam de castigo.
— Não fique com essa cara... — Reclamou Aleska apontando sua vareta para o rosto desanimado de Miron.
— Que cara?
— Essa cara de bobo!
— Eu não tenho cara de bobo!
— Você não precisava vir para aventura... Eu não te obriguei!
— E você iria enfrentar o monstro sozinha?
— Aham! Eu posso enfrentar muitos monstros sozinha! — Disse a menina orgulhosa, Miron sabia que sua irmã era muito corajosa, mas também era muito cabeça-dura ao ponto de não ver que ela era ainda era uma criança. Não era uma bruxa de verdade... E a verdade é que ela nunca tinha enfrentado nenhum monstro! A não ser os imaginários.
Miron iria dizer isso a ela, talvez começasse uma briga, mas isso valeria a pena se convencesse ela a retornar para casa. O menino sequer teve tempo de abrir a boca, quando algo saiu do meio da grama alta que os rodeava. Algo que agarrou a gola da camisa de Aleska a erguendo do chão.
— AHH! O monstro! — Gritou a menina, alarmada. Em meio a sua surpresa, Aleska deixou cair sua única a arma: o graveto.
Miron paralisou. Lágrimas já começam a se formar em seus olhos castanhos. Se sentiu invadido por uma imensa vontade de escapar. Mas...
O menino de 6 anos pegou o graveto abandonado pela a irmã, com os fechados avançou sobre o ser desconhecido emitindo um grito de guerra (que muito era similar a um choro desesperado).
— Larga a minha irmãaaaa!
~***~
Geralt nunca foi alguém muito religioso, ainda mais tendo em vista tudo que já tinha passado. Contudo, teve que agradecer a qualquer força sobrenatural pelo fato de seus filhos não terem ido muito longe nas terras de Klaus.
Do alto de sua égua pode avistar os meninos adentrando no campo de capim-elefante, capim usado para produzir feno. Pode seguir os passos do menino pelo movimento das plantas. Também podia ouvi-los cantando... Eles estavam encarando toda a situação como uma brincadeira?
Seu medalhão em formato de cabeça de lobo começou a vibrar. Isso não era um bom sinal. O símbolo de sua guilda reagia a presença de magia e a criaturas nas imediações...
Sem pensar duas vezes, desceu de sua montaria e adentrou no mato. Não demorou a encontrar seus filhos, que haviam parado devido a alguma discussão boba.
Seu medalhão vibrou com maior intensidade. O monstro como as crianças haviam infantilmente denominado, estava próximo.
Geralt estendeu a sua mão e agarrou a gola da camisa de sua filha. Talvez, devido a situação, tenha agido de forma muito bruta. Os seus filhos não devem ter percebido a sua presença, tão pouco tinham noção do perigo que os cercava...
A reação foi o grito aterrorizante de sua filha. Geralt temeu que Miron fugisse diante daquele susto. Seu filho sempre foi o mais sensível da dupla e era provável que...
— Largue a minha irmãaaaa! — Miron o estava atacando, usando um graveto. Podia ver que a criança chorava de medo, mas isso não o impedia de avançar diante daquilo que capturara a sua irmã mais velha.
E ele não foi o único a atacar. Aleska tinha se enroscado no braço de Geralt e tentava mordê-lo.
— Fuja, Miron! — Disse a menina.
Geralt se sentiu preenchido por uma onda reconfortante de orgulho. Sim, seus pequenos eram corajosos e leais. Ambos estavam dispostos a se sacrificar em prol do bem estar do outro.
— Crianças... — Chamou Geralt, demorou alguns segundos para que os pequenos por fim notassem com quem estavam lutando.
— Papai! — Aleska sorriu, entusiasmada.
Miron, fugando e limpando as lágrimas com a manga de sua camisa, mirou o seu progenitor com alívio.
— Isso é uma espada? — Inqueriu a garota, notando não só uma mais duas espadas nas costas do seu pai. Apesar de saber do passado de Geralt como um bruxo, vagando a o mundo lutando contra criaturas, nunca o vira empunhar uma arma. Por isso, a surpresa ao ver as espadas.
— Um lobo... — Miron apontou para o medalhão — O que é isso?
Geralt colocou Aleska no chão, ao lado do ainda choroso irmão. O que iria dizer a eles? Tinha evitado aquele assunto por muito tempo...E quiçá isso levou a situação que agora se encontravam. Seus filhos mergulhavam na fantasia da bruxaria, desconhecendo as verdades por trás das canções épicas cantadas por Jaskier. Estavam romantizando uma profissão que não tinha nada de glorioso...Mas...Também não era tão horrenda assim.
— Isso... — Ficou de joelhos, a frente de seus filhos, retirou o medalhão do pescoço e mostrou aos filhos — É o símbolo da minha antiga guilda, o medalhão do lobo, dos bruxos...
—Ohhh! — Os olhos de Aleska faiscavam de curiosidade.
— Ele parece feroz... — Comentou Miron.
— Só parece... — Garantiu — A aparência não condiz com os sentimentos que ele albergue em seu interior. Muitos só conseguem ver isso, o que ele parece ser, mas não se preocupam em saber o que ele realmente pensa e sente. Sentem medo, falam palavras horríveis, se afastam... E o chamam de monstro. Chegavam a conclusão, por meio do preconceito, que ele não poderia amar, que não poderia ter uma família...Não lhe ofereciam uma primeira chance, tão pouco uma segunda...
Geralt sabia que tinha falado demais, seus filhos não podiam compreender, eles eram apenas crianças e inocentes quanto todas as mazelas da humanidade. Eles eram sim humanos e não uma mutação, como Geralt.
— Ele é bonito. — O ex-bruxo viu Miron tocando o medalhão — Ele pode parecer assustador, mas só parece, não é? Não acho que seja um monstro.
—Eu acho muito legal! Quero esse medalhão para mim! — Declarou Aleska também tocando o lobo metálico, sem nenhuma hesitação.
Geralt sorriu, um sentimento de aliviou pareceu lavar o seu corpo como se tivesse adentrado em uma confortável banheira cheia de água morna. Não tinha notado o quão tenso estava em falar sobre aquele assunto com a sua prole. Temia que eles, como os outros do passado, o julgassem, que o temessem se descobrissem mais e mais sobre as outras facetas que compunham Geralt de Rívia. Entretanto, não podia esquecer que aquelas crianças eram seus filhos, frutos de seu amor com Jaskier...Eram o resultado de sua segunda chance. Não devia ser tão descrente ao poder do amor e das ligações familiares que compartilhavam.
— E por que ele fica se remexendo assim? — Riu Aleska ao evidenciar a vibração que o medalhão emitia. Miron também riu. Já Geralt praguejou.
Tinha baixando a guarda e esquecido que não estavam totalmente sozinhos.
Algo se moveu. Geralt percebeu isso na periferia de sua visão. Com um movimento rápido empunhou uma de suas espadas, empurrando os seus filhos para atrás de si.
Quando Klaus tinha descrito anteriormente sobre os problemas do roubo de grãos, a mente de Geralt já tinha criado uma lista de possíveis suspeitos que poderiam ser os responsáveis. Felizmente, a maior parte deles não se enquadravam na categoria sanguinários devoradores de humanos ou algo do tipo, mas sempre havia aqueles casos especiais a qual ações aparentemente pacíficas poderiam ocultar verdadeiros vilões.
Esperou. Sua espada estava erguida. Sua respiração controlada. Seus filhos o enchiam de perguntas, mas ele permaneceu firme.
A grama se afastou, dando espaço para o ser que ali se escondia. Um chifre, foi isso que primeiro Geralt atinou...
— Não pode ser... — Balbuciou, nunca tinha encontrado aquela criatura em especial. Não havia encontrado com vida, devia enfatizar. Já Havia encontrado, por outro lado, a sua carcaça estripada por caçadores, como também tinha vislumbrado o seu chifre em artefatos, poções e outras quinquilharias exibidas pelos orgulhosos feiticeiros. Sua espécie foi perseguida ao ponto do aniquilamento, tudo isso por causa da ganância em relação as propriedades supostamente mágicas de seu chifre. De fato, muitos pesquisadores já determinaram que aquele ser já não mais existia...
— Papai, o que é isso? — Miron sussurrou a indagação.
— É um unicórnio. — Respondeu também em sussurro.
Era lindo. Um pouco menor que um cavalo, possui uma pelagem platinada com tons azulados. Crina de cor bronze dourada, que ressaltava o longo chifre prateado que surgia no meio de sua testa. Os olhos possuíam a íris do mais claro e exuberante azul. Para completar havia a tênue luminescência, o que dava um aspecto mais místico a criatura, mas deveria ser um tremendo chafariz para um caçador.
"Por isso se tornou um alvo fácil ..." Pensou Geralt, mas também ouvira relatos de quão forte um unicórnio podia ser, principalmente quando se encontrava acuado.
"Isso poderia explicar como o silo de pedra destruído..." Analisou. Contudo, de forma geral os relatos referentes a unicórnio indicavam que se tratava de uma espécie pacífica e bastante acanhada na presença de humanos. Existia também a lenda a qual um unicórnio só se revelava para aqueles que detinham bondade no coração. Obviamente esse não era o caso dos caçadores, os unicórnios não se revelavam para eles, eram brutalmente perseguidos, encontrados e massacrados.
Bondade no coração. Isso não deveria envolver Geralt de Rívia, pelo era isso que o ex-bruxo pensava. Logo, as lendas deveriam estar erradas...Por que um unicórnio iria se revelar para ele?
— Papai! Papai! Olha! — Aleska puxava a aba da camisa de Geralt, tentando chamar a sua atenção. A menina estava apontando para algo abaixo da linha de visão do adulto.
Oh....
O unicórnio não estava sozinho.
Sim, ele estava acompanhado por dois filhotes cujas os chifres ainda não passavam de uma tímida proeminência em suas testas.
"Por isso ele atacou o silo, unicórnios não costumam se aproximar de humanos a não ser em circunstâncias extremas. Ele só fez isso para alimentar seus filhotes." Concluiu Geralt. De certa forma, o ex-bruxo sentiu uma certa ligação com o unicórnio. Ambos eram pais, afinal de contas.
— O que faremos? — Miron inqueriu — Ainda estamos na aventura na busca de monstros...Mas...Eles não parecem monstros.
— Não parecem, não é mesmo? Nem toda a criatura é má, como também nem toda o humano é bom. — Explicou aos seus filhos que assentiram ainda meio confusos com tal ensinamento. Nem sabiam eles que se tratava de uma lição deveras importante. Saber julgar o caráter dos seres que habitam aquele mundo era imprescindível para não cometer injustiças e desenvolver preconceitos. Geralt em seu tempo como bruxo buscou criar um código de conduta que interferia em seu trabalho, tentava, ao seu modo, traçar um limiar de justiça para com os trabalhos que aceitava. Era um bruxo. Mercenário. Mas não um assassino sem consciência.
Os unicórnios se aproximaram. Geralt tinha baixado a espada, mas não ao ponto de não poder defender sua prole se fosse necessário. Não queria ter que lutar com uma criatura a beira da extinção, ainda mais quando essa mesma criatura tinha filhotes.
O unicórnio mais velho continuou a se aproximar. Geralt engoliu em seco, suas crianças pareciam entender a situação e se encolheram atrás do seu progenitor.
— Eu não quero te machucar. — Falou Geralt, desejando que o animal o entendesse — Não precisa se preocupar quanto aos humanos que você roubou os grãos. Estava com fome e precisa alimentar seus filhotes. Eu entendo... Só sugiro que tomem cuidado quando forem roubar de outra fazenda, não causem tantos estragos ao ponto de despertar suspeitas.
Os olhos azuis do unicórnio fitaram Geralt, tal como se o analisasse.
"Eu nunca li nada que indicasse que unicórnios eram seres racionais..." Pensou, receoso com o comportamento do animal. Mas o que seria ser racional? Os humanos se orgulhavam desse título e mesmo assim se embrenhavam em guerras, roubavam um dos outros, destruíam a natureza, acumulavam bens materiais inúteis, traiam, assassinavam, eram corruptos...Enfim, pareciam se empenhar em causar a sua própria destruição, logo poderiam ser mesmo chamados de racionais?
Você tem sim bondade em seu coração, humano.
Uma doce voz tocou a mente de Geralt.
— Como...
O unicórnio abaixou a sua cabeça, tocando levemente o seu chifre no ombro de ex-bruxo. Uma sensação elétrica se propagou pelo corpo do guerreiro, não era de todo ruim, pelo contrário, era reconfortante. Como o abraço de uma mãe a seu querido filho.
Geralt queria questionar a criatura, mas sua mente e corpo estavam entorpecido pelo poder do unicórnio. Porém, tal sensação logo se esvaneceu quando o unicórnio se afastou, libertando Geralt de seu encantamento.
Adeus, humanos.
O unicórnio incitou os seus filhotes para dentro do capim. Galopes foram ouvidos, indicando que os seres legendários estavam se distanciando rumo ao desconhecido.
— Eu ouvi...Eu os ouvi falando dentro da minha cabeça! — Disse Aleska.
— Eu também ouvi. — Informou Miron.
Geralt ainda estava surpreso com todo aquele encontro. Não só conhecera pessoalmente uma criatura dita como extinta como se comunicou com ela.
"Ele me chamou de humano...Disse que eu tinha bondade em mim..." Matutou Geralt meio descrente com a avaliação do unicórnio.
— Papai! Essa foi uma aventura incrível! — Exclamou Aleska — Acho que deveríamos ter outras aventuras como essa!
— Outras? Poderíamos ver outras criaturas como os unicórnios? Eu gostaria de ver outros...
— Não está com medo? — Inqueriu Aleska, surpresa com a mudança de atitude do irmão mais novo. Miron negou rapidamente com a cabeça e sorriu.
Geralt afagou os cabeços de seus filhos.
— Sim, foi uma ótima aventura... E acho que, devemos sim ter outras aventuras juntos.
As crianças saltaram gritinhos de alegria. Geralt sentiu que seu corpo estava mais leve e que a angústia que dominava o seu coração tinha sido retirada. Quiçá fosse esse o verdadeiro poder do chifre do unicórnio.
— Já está anoitecendo, crianças. O festival logo irá começar e seu papa está muito preocupado...
— Oh! Ele está bravo? — Perguntou, timidamente, Aleska.
— Talvez esteja... Mas se chegar a tempo de ajuda-lo em fazer a ceia para o festival do inverno, tenho quase certeza que ele pode ficar mais alegre e menos bravo.
Os meninos concordaram com aquela proposta e seguiram o seu pai, retornando ao lar.
E assim terminava a aventura de Geralt e suas crianças, pelo menos, por enquanto.
~~Palavras da autora~~~
Unicornios....Lindos!
Próximo capítulo será o festival de inverno! Yeah!
E mais momentos em família.
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