A família
Essa história é uma continuação, logo, vocês (leitores) devem ler a obra anterior "Segunda Chance" para entender um pouco mais o contexto desse especial de Natal. Ok?
~***~
A magia era superestimada, pelo menos era o que ele achava. Só a magia poderia mesmerizar uma multidão de pessoas? Fazer eles suspirarem em nostalgia? Chorarem emotivos? Ou mesmo rirem em alegria? As emoções humanas não são tão facilmente manipuladas com o estalar de dedos, frases entoadas em língua antiga e danças ritualísticas. Mas já tentou cantar? Oh! Uma boa canção com a melodia certa pode conquistar o público em questão de segundos... E o efeito da música será tão duradora que o mesmo público iria cantarolar os versos ao longo de suas vidas, às vezes, sem ao menos recordar onde primeiramente ouvira tal canção. Estavam enfeitiçados. Não por magia, mas pelo poder da música.
Era isso que Jaskier acreditava e era isso que via ocorrer toda vez que cantava na taberna do vilarejo de Bagno. Os camponeses e pescadores que ali se aglutinavam para relaxar ao fim de sua jornada de trabalho, choravam, riam e cantavam com Jaskier.
— Bravo! Bravo! — Exclamava animado Piotr, dono da taberna e um dos maiores fãs de Jaskier. O homem baixinho, com barba extremamente bem cuidado (com direitos a tranças, broches e coisas do gênero) e um sorriso desdentado, entregava uma caneca de cerveja para o trovador.
— Obrigado, mas hoje eu preferia não beber...
— Tem razão, um eximo cantor não devia encharcar suas fabulosas cordas vocais com esse mijo de cavalo! Irei trazer vinho!
— Piotr, não era isso que eu quis dizer...
— Se não for vinho, eu tenho uns estupendos destilados...Fabricação própria! Estão fermentando em um tonel por mais de 15 anos! Se quiser um pouco...
— Piotr, que tal uma água? — Sugeriu Jaskier tentando não rir da expressão de espanto e posterior compreensão que o dono da taberna fez.
— Oh! Oh! Entendo! — Piscou Piotr, de forma tão afetada que sem dúvida indicava que aquele homem nunca poderia ser um espião. Não tinha nenhum pingo de discrição.
— O senhor Geralt vai ficar feliz, não é mesmo?
— Piotr, nenhuma palavra sobre isso, sim?
— Oh! Oh! — Ele piscou de novo — Entendi, é um segredo! Você pretende contá-lo quando? No festival de inverno? Seria perfeito!
— Piotr...
— Nenhuma palavra! Entendi! Prometo! Minha boca é o túmulo! Um cemitério! Um mausoléu! Um...
— Sem dúvida sua boca fede como tais lugares... — Uma nova voz interrompeu a conversa, causando que o pequeno Piotr se sobressaltasse. Mesmo sendo um Bruxo aposentando, Geralt ainda exalava todo aquela "ar" de estou pronto de usar minha espada em você e te partir em dois e fazer todas suas vísceras caírem no chão. Sem dúvida, era um ar nada amigável. Jaskier até tentou dar algumas aulas de "como ser legal com nossos vizinhos", mas seu Bruxo era bem cabeça dura. Talvez o velho ditado estivesse certo: Não se ensina um truque novo a um velho bruxo antissocial e metido a resmungão.
— Ah! Não me assuste assim, mestre Geralt! — Disse Piotr enxugando a testa suada. Ele sempre suava rios na presença do ex-bruxo — Eu só estava...Bem...
— Estimulando Jaskier a cantar mais? Sabe que ele faz isso de graça, não é mesmo? Logo, ele não deveria ser forçado a...
— Ger, seja educado, sim? — Interrompeu Jaskier fazendo um gesto com as mãos, a qual Geralt automaticamente entendeu. O guerreiro de cabelos brancos como a neve, segurou com facilidade Jaskier e o ajudou a descer do rústico palco onde se encontrava. Ajudou a descer, sim, mas o músico não chegou a tocar o chão, ainda sendo segurado de forma possessiva pelo ex-bruxo.
— Não seja tão malvado com o Piotr. — Sussurrou o menestrel nos braços do seu amante.
— Eu não estou sendo malvado.
— Sabe que gosto de cantar aqui...
— Eu sei, mas...Ele...Fica tão animado com você! Parece um sátiro durante a primavera, entrando no cio...
— Ora, eu sei que provoco esse tipo de efeito nas pessoas. — Piscou galante Jaskier para depois rir — Sátiro no cio?
— Não ria, Sátiro quando estão no ápice de seu período reprodutivo podem ser insaciáveis. Há relatos documentados que Sátiros tentam copular com qualquer coisa ou qualquer pessoa. Pedras, árvores, galinhas...
Jaskier começou a gargalhar.
— Eu estou falando sério, Jaskier! — De fato, o rosto de Geralt de Rivia era a manifestação pura de seriedade e isso só fez com que o trovador risse ainda mais.
— Qual é a graça? — Piotr inqueriu, novamente enxugando a sua testa úmida. E agora com a presença do dono da taberna, ainda mais depois da comparação do mesmo com o sátiro só resultou em mais um ataque de risos por parte de Jaskier.
— Bem, acho que agora é mais do que evidente que ele não está em condições de cantar. — Anunciou o ex-Bruxo, levando consigo o risonho rapaz.
— Terei que me desculpar com Piotr depois... — Falou, enxugando as lágrimas dos olhos.
— Não precisa.
— Geralt, esse seu ciúme é fofo, mas totalmente ilógico.
A resposta do outro foi um resmungo e um levantar de ombros. O que Jaskier facilmente traduziu que Seu bruxo não liga nem um pouco para a lógica quando se tratava das pessoas que amava. Aquilo era bem fofo, sem dúvida, mas inconveniente para os outros, principalmente para o coitado do Piotr.
— E você não precisa vir assistir todos os meus espetáculos, sabe?
— Gosto de te ouvir cantar.
— Eu canto também em nossa casa!
— Mas aqui tem cerveja para acompanhar...
— Que ótima justificativa, senhor Geralt.
— E eu não sou o único que gosta de assistir seus espetáculos na taberna. — O guerreiro apontou para uma mesa afastada da turba de beberrões. Duas crianças acenavam afoitas, ao ver seus pais se aproximando.
Jaskier não pode deixar de sorrir com cena. Todos pareciam fazer vista a grossa ao fato que ele, Jaskier, ter sido capaz de albergar dentro de si aquelas duas crianças. Na verdade, o povo daquela pequena vila já tinha visto tantas coisas nesse fantástico e perigoso mundo que apenas aceitaram aquele fato como mais uma realidade que teriam que conviver. Somado a isso havia as constantes visitas das feiticeiras, Yennefer, Triss e a "ex-criança da profecia" Ciri, o que tornava mais cabível o fato de um homem desenvolver um útero com a ajuda da magia. Mal sabiam eles que a magia não só tinha lhe concebido a capacidade de engravidar, mas o havia rejuvenescido mais de 30 anos (fato que devia permanecer em segredo – busca por juventude só causava confusões desnecessárias). Contudo, a troca por aquele milagre arcano foi a perda da sua mitológica fama como o melhor menestrel do mundo humano e não humano (talvez estivesse exagerando, mas quem poderia contestá-lo agora?). Ninguém se lembrava de suas melodias e canções, contudo ainda podia cantar...O que para o Jaskier atual, era o que realmente importava.
— Pai! Pai! Você foi estu...Estu...Foi muito bom! — Exclamou uma menina de cabelos esbranquiçados como o de Geralt, o que era prova de que os venenos e poções tomadas pelo bruxo durante a infância de fato geraram mutações em seu material genético ao ponto de sua prole herdar a tom platinado em seus cabelos.
— Que bom que gostou, Aleska. — Disse dando um beijo na menina, que sorriu banguela para o seu progenitor.
— Eu gostei das músicas sobre aventuras! Monstros e essas coisas! — Continuou a tagarelar Aleska dando pequeno pulinhos em sua cadeira — Ainda mais por ser aventuras do papai! Né, papai? Você ouviu as canções? Você fez mesmo tuuuuuuuudo aquilo?
Geralt nada disse, apenas segurou a cadeira antes que a afoita criança se desequilibrasse e caísse no chão.
— E o que você achou, Miron?
O seu filho caçula beliscava um pedaço de bolo de frutas e corou ao notar que era o centro da atenção.
— Eu...Eu gostei...Mas...Papa, eu não entendi muito bem alguma de suas canções. — Revelou o menor, com seus cabelos platinados, adoráveis sardas e lindos olhos castanhos.
— Que canção, meu amor?
— Aquela que tinha mulheres...Homens...Se beijando e...Fazendo coisas estranhas.
— Sim, essas canções são chatas e nojentas!
— E são canções de adultos. — Advertiu Geralt de forma oportuna. Jaskier teria que rever o seu repertório de músicas, afinal letras que relatam casos amorosos são os mais requisitados. E quanto mais cômicos e picantes eram as canções, melhor era a reação da plateia. Contudo, suas crianças estavam crescendo e como consequência, estavam realmente prestando atenção na letra e não tão somente na melodia.
— Quero mais canções de aventuras! — Exigiu Aleska.
— Elas me dão medo... — Novamente revelou Miron.
— Você é mesmo medroso, Mi.
— Não sou... Eu só... Eu...— Miron olhou para Geralt e depois baixou seus olhos, claramente envergonhado de ser chamado de medroso na frente daquele que era o herói de todas as canções de aventura cantadas por Jaskier. O peso devia ser ainda maior, tendo que vista que esse mesmo herói era o seu pai.
— Não tem nada errado em ter medo, Miron. — Garantiu Geralt assumiu o seu tom amável, tom esse designado para um grupo muito restrito de pessoas — Eu mesmo tenho muitos medos.
— Tem? — O pequeno questionou, voltando encarar o seu pai, mas claramente duvidando daquela fala.
— Papai, é feio mentir! — Disse Aleska, fazendo biquinho.
— Oh! Mas ele não está mentido. — Falou Jaskier colocando a sua mão sobre a mão grande, áspera e repleta de pequenas cicatrizes de seu amante— Meu bruxão é bem medroso! Principalmente em relação a sátiros que podem roubar seu adorável esposo.
— Um sátiro? Ele vai roubar o papa? — Aleska já estava se preparando para o defender, pegou uma colher de madeira, empunhando como fosse uma espada.
— Papa... — Miron, por outro lado, começou a choramingar — Por favor, não seja roubado! Papai...Proteja o Papa!
Geralt lançou um olhar extremamente mortal para Jaskier que estava, no momento, achando toda a situação extremamente fofa e divertida.
— Não tem sátiros aqui...E ninguém será roubado. — Garantiu o ex-bruxo, pegando Miron no colo e acalmando o seu filho.
— Sim, sim. Ninguém irá me sequestrar, pois estou sendo protegido por uma valorosa guerreira. Não é mesmo? — Falou Jaskier, oferecendo a sua mão para a sua filha que logo aceitou, saltando da cadeira.
— Sim. Sou valorosa! Sou guerreira! Sou quase uma brux...
— Vamos para casa. — Cortou Geralt de forma um pouco bruta. Aleska não notou tal interrupção de sua fala, pois a menina logo começou a se concentrar em usar a colher, a imaignando como uma arma e a usando para batalhar contra inimigos invisíveis. A menina não notou, mas Jaskier notou.
— Vamos sim para casa. Meus pimpolhos precisam dormir. — Disse guiando a menina para fora da taberna, acenando para Piotr. O dono da taberna ainda estava enxugando o excesso de suor, pelo visto a presença de Geralt surtiria um efeito duradouro.
Geralt, acalentando o seu filho, acompanhou seu esposo em silêncio. No lado de fora, o frio da noite os golpeou com força. O inverno mesmo naquela região praieira estava se aproximando e com ele havia o festival invernal.
— Papa, olha! — Aleska apontou para uma árvore disposta no centro da vila, era uma palmeira e estava toda enfeitada com adereços de vidro colorido, sendo que no seu interior velas estavam sendo acesas.
— Bonito, não é mesmo? Miron...
— Ele já está dormindo. — Informou Geralt indicando o adormecido infante que se aconchegava em seu colo. O ex-bruxo mirava a palmeira com tímido sorriso.
Jaskier sabia que seu companheiro gostava daquele estilo de vida. De fato, Geralt tinha até mesmo se tornado um agricultor, arando a terra próxima a sua casa e chegando a ter uma boa produção na época da colheita. Contudo, Jaskier também sentia que o marido tentava se desvincular do seu passado, principalmente em relação aos seus filhos. Aquilo era um problema, mas o menestrel sabia que cedo ou tarde haveria uma solução, afinal, seus pimpolhos não iriam ficar apenas passivos diante toda aquelas histórias do passado aventureiro do seu papai.
— Esse ano será um festival ainda mais fenomenal que o ano passado. — Garantiu Jaskier pegando Aleska no colo, observando que a menina já cambaleava de sono.
— Por que diz isso? — Geralt questionou erguendo uma sobrancelha, claramente desconfiado.
— Ora, é um pressentimento.
— Pressentimento? Sei... O mesmo pressentimento que fez que nos perdessemos na floresta quando tentamos fazer um piquenique em família?
— Bem, para a minha defesa em relação a essa situação em particular, devo recordar que sou um artista e não um amante da natureza. A culpa foi sua, meu caro bruxo, por deixar um total tolo te guiar em meio a uma floresta desconhecida!
Geralt deu aquele curto sorriso que fazia o coração de Jaskier acelerar. E como não podia resistir, ficou de ponta dos pés e roubou um beijo daqueles tentadores lábios.
— Confie em mim, Bruxão... Esse festival de inverno será fenomenal!
— Se você diz...
— Exatamente, se eu digo então deve ser algo a ser considerado como verdadeiro.
Geralt rolou os olhos com aquela fala autoconfiante, não pressentia nada. Seria apenas mais um festival a ser passado com sua família. Somente isso. Sem aventuras ou surpresas.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top