A aventura


O dia começou nublado, mais um indício da vinda do inverno. Os ventos marítimos deixavam o ambiente com um ar salgado e movimentavam as folhas das árvores como estivesse acalentando um berço. Geralt adorava aquela época do ano, não era tão quente e tão pouco frio (com exceção da noite). Não haveria neve, raramente nevava naquela região... Um clima ameno que combinava com seu novo estilo de vida. Sem extremos, cuja monotonia se tornava uma constante. Mais uma coisa que Geralt adorava nesse seu novo lar.

Estava avaliando sua horta, queria colher alguma coisa para a ceia do festival de inverno. Jaskier gostava de fazer daquela festividade um evento especial, de início Geralt relutava em concordar com ele, mas com a vinda dos pequenos começou a ver aquelas comemorações camponesas com outros olhos. Queria que seus filhos se divertissem e que acumulassem memórias alegres de suas infâncias... Algo que Geralt nunca teve.

— Aleska iria gostar de um ensopado de abobora? Sei que Miron gostaria de comer batatas doces assadas... Mas Aleska sempre gostou mais de carne do que legumes ou frutas. — Matutou com um sorriso afetuoso nos lábios.

— Ah! Mestre Geralt! Olá! Lindo dia, não? Digo, sei que está nublado e... Bem... — Um velho, senhor Klaus, se aproximou com um passo relutante. Ele até retirou o seu chapéu de palha quando se aproximou de ex-bruxo. Segurando-o em suas mãos calejadas com claro nervosismo.

— O que você q... — Notou que foi um pouco brusco, ao ponto de Klaus se sobressaltar, todo assustado.

Você tem que tentar ser educado com nossos vizinhos. Recordou das palavras de Jaskier martelando em sua mente. De fato, ele deveria pelo menos tentar, ainda mais Klaus não parecia ser um vizinho impertinente, tão pouco chato.

Geralt respirou fundo e tentou novamente:

— Sim, o dia parece lindo.

— É mesmo, não é... — Klaus sorriu, um misto de alívio e surpresa.

"Ele não veio aqui falar sobre o dia estar ou não lindo." Analisou Geralt em silêncio. Se os vizinhos realmente queriam vir a sua casa para "jogar conversa fora", eles iriam diretamente à Jaskier e não ao seu carrancudo marido.

— Bem, eu queria te perguntar uma coisa...

"Sabia...".

~***~

— Cuidado com a cesta, Aleska! — Exclamou Miron ao ver a sua irmã mais velha parar subitamente a sua frente. Eles tinham vindo ao galinheiro com a importância tarefa de pegar ovos, tarefa essa que poderia falhar de forma majestosa com os movimentos bruscos e imprevisíveis de Aleska.

— Papa vai ficar chateado se quebrarmos os ov...

— Shh! — Aleska o silenciou com a mão e apontou para um canto do celeiro. De fato, para eles irem da casa até o galinheiro, os garotos pegavam um atalho por dentro do celeiro. Ademais, gostavam daquele caminho pois podiam conversas com animais que ali estavam: a vaca Petúnia e seu bezerrinho (ainda sem nome), a égua Płotka, os carneiros...

Aleska arrastou seu relutante irmão para a porta entreaberta do celeiro que dava para a horta do seu pai. Pelo estreito espaço puderam observar o que ocorria no lado de fora.

—... Queria te perguntar se notou alguma coisa diferente em suas terras.

Quem perguntava era o vovô Klaus, como os meninos o haviam apelidado. Ele era dono das terras mais a oeste de sua casa.

— Defina: coisa diferente.

Aleska e Miron notaram o quão nervoso vovô Klaus estava com a pergunta (ou ordem) feita por seu papai.

— Bem, coisas sumindo. Meu silo onde armazeno alguns grãos de minha colheita foi meio que atacado. Não sei explicar, mas parece que alguém ou algo roubou meus grãos... E tinha força o suficiente para quebrar as paredes de pedra do meu silo. Isso não é algo normal de acontecer, sabe?

— Ohh... Será que é um monstro? — Inqueriu Aleska a seu irmão, em um sussurro entusiasmado.

— Um monstro? Nas terras do vovô Klaus? — O menino tremeu, com medo da possibilidade de existir um monstro de verdade assim tão perto de sua casa.

— Deve ser um andarilho faminto. — Sugeriu Geralt não exibindo nenhum sinal de interesse na história, diferente de seus filhos.

— Mas, como seus conhecimentos de bruxo...Digo, você bem que poderia investigar.

— Eu não sou mais um bruxo, senhor Klaus. Sou apenas um reles agricultor assim como você. Roubo de grãos, frutas, galinhas e outras coisas desse tipo acontece em nosso dia a dia. Se o roubo é de uma pequena proporção, não precisamos nos preocupar de verdade. — Disse Geralt em um tom tão firme que impossibilitou qualquer brecha para Klaus o questionar.

— De fato, o roubo foi de alguns grãos somente... Se fosse mesmo um ladrão profissional, teria roubado tudo e não pequenas porções. Deve ser um viajante faminto, como você diz.

— Exatamente.

— Não há nada para se preocupar, não é? — A pergunta de Klaus parecia mais uma súplica do que de fato um questionamento.

Geralt o encarou por longos segundos, por fim soltou um longo suspiro e passou a mão por seus longos cabelos platinados.

— Não. Não há nada para se preocupar, senhor Klaus.

— Oh! Muito obrigado, mestre Geralt. Eu não sei como te agradecer... Talvez você deseje algumas espigas de milho para o festival de inverno. Senhor Jaskier estava falando que desejava fazer uma ceia especial.

Geralt declinou com o máximo de educação a oferta do vizinho. Jaskier iria ficar orgulhoso ao ver o seu bruxo sendo tão amigável.

Ainda bisbilhotando do celeiro, Aleska e Miron assistiram toda a conversa sem entender muito o que realmente era discutido. Tudo que importava para os pequenos era que existia um evidente mistério em toda aquela história sobre grãos, roubo e silo.

— Devemos investigar. — Declarou Aleska.

— Não. — Choramingou Miron — Por que devemos? Isso não é da nossa conta, Ale.

—Essa é nossa chance de viver uma aventura igual à do papai nas canções.

— Igual as aventuras das canções? Mas...Isso significa que terá monstros?

— Ora, espero que tenha monstros, senão será uma aventura bem chata.

— Não! Não quero ir!

Aleska rolou os olhos e entregou a cesta de ovos ao irmão.

— Pode ficar aqui sendo um bebê chorão...Eu irei investigar e enfrentar o monstro. Serei uma bruxa, igual ao papai. — Disse isso com a autoconfiança que lhe era característica. Miron, por outro lado, a observou com preocupação enquanto ela pegava uma vareta em um dos cantos do celeiro para a ser a sua arma.

— Eu não sou um bebê chorão. — Murmurou para si mesmo, mesmo sentindo que lágrimas rolavam de sua pequena face. Queria ser audacioso como a sua irmã mais velha. Queria mostrar ao seu papai que também podia ser um herói.

Ainda hesitando, ele deixou a cesta de ovos junto a uma pilha de feno e correu para seguir a sua irmã rumo a aventura.

~***~

Geralt tentou não pensar muito a respeito do assunto discutido com Klaus. Ele tentou de verdade, mas parecia que seu cérebro agia contra a sua vontade e já começava a analisar as possibilidades. Que tipo de criatura estava rodando as terras de Bagno roubando grãos de humanos...

"Eu não sou mais um bruxo!" Pensou furioso consigo mesmo "Joguei fora o meu medalhão...Abandonei a minha guilda. Esses velhos hábitos devem cessar!"

Normalmente havia poucas coisas que era capazes de distrair Geralt, ainda mais quando seus instintos de bruxo foram despertados. E uma dessas coisas era...

— Essa receita está mesmo correta? Essa quantidade de açúcar em um bolo não deve ser saudável, ainda mais quero que meus pequenos não fiquem tão elétricos na noite do festival de inverno... — Matutava Jaskier apoiado na bancada da cozinha avaliando o que pareciam ser um livro. O menestrel estava usando apenas uma camisa que claramente não era do seu tamanho. A camisa era grande o suficiente para cobrir o seu corpo...Ou grande parte dele. Suas pernas nuas estavam amostra...

— Eu nem sei se tenho canela... — Disse Jaskier tentando alcançar um dos potes com especiarias, disposto em uma estante acima do fogo a lenha. Esse gesto gerou como consequência o levantar da camisa, exibindo partes da roupa de baixo que o músico utilizava. Para a decepção de Geralt que deseja e muito que o seu esposo não estivesse usando nada...

— Talvez eu devesse...Oh! — Jaskier interrompeu sua ponderação sobre a ceia do festival de inverno para sentir fortes braços entrelaçando seu esguiou tronco e praticamente o levantando do chão.

— Ger, você me assustou! — Riu o rapaz — Mesmo com anos vivendo juntos, ainda não consigo detectar seus passos quando você entre no recinto... Isso é algum tipo de magia bruxa? Ser furtivo que nem um esperto camundongo?

Geralt não respondeu, apenas deu um beijo afetuoso no pescoço do seu companheiro, enquanto uma das mãos navegava mais ao sul do corpo de Jaskier.

— Hum...Alguém está bem animado para as festividades. — Disse manhoso o cantor, arqueando o seu corpo não oferecendo resistência a exploração e caricias de Geralt de Rivia.

— Eu sempre estou animado, seja para as festividades ou não.

— Isso é bem verdade. Deve ser outra habilidade inata dos bruxos, o seu formidável e nunca saciável apetite sexual. — Agora era a vez de Jaskier usar suas mãos para um proposito menos casto. O menestrel deixou que uma de suas mãos navegasse pelo espaço entre seus corpos, para alcançar uma área muito "especial" do seu guerreiro.

— Humm... Me diga, Ger, isso que estou tocando é o pomo de sua espada ou...

— Jaskier, você sabe que não ando armado... Não mais. — Sussurrou Geralt no ouvido do seu amante, arrancando um gemido prazeroso da parte do menestrel.

— Ger, por mais que desejo que isso...Ah...Continue...Sinto informar que temos pequenos filhotes, bastante curiosos vale ressaltar, no perímetro.

Geralt soltou um longo suspiro de insatisfação, pousando o seu queixo sobre o ombro do seu amado esposo.

— Eu sei... — Resmungou.

— Oh! Não fique todo amuado, meu viril bruxão. Irei recompensá-lo de forma adequada a noite. Afinal, não é só as crianças que merecem ganhar presentes no festival...

Geralt riu, voltando sua atenção para o que Jaskier estava fazendo, havia várias folhas com anotações sobre a bancada e um livro de receitas aberto. Era impressionante notar como as coisas haviam mudado. Jaskier do passado pouco se importaria em aprender receitas culinárias, ainda menos provável em pô-las em prática. Afinal, o menestrel em sua juventude e grande parte de sua fase madura preferiu o ambiente das tabernas ou as festas na nobreza para saciar sua fome (tanto de comida como de outras formas de apetites). O Jaskier atual adquiriu uma postura mais caseira, mostrando uma preocupação em aprender as habilidades requeridas para se tornar um ótimo "dono de casa". Verdade era que Geralt não estava muito atrás referente a essas mudanças em seus hábitos. Fato era que ambos dividiam as tarefas de forma igualitária, de modo que todos teriam a sua chance de cozinhar, varrer, lavar a roupa suja...

— Pretende fazer um bolo?

— Essa era a ideia, mas o bolo será para a sobremesa da ceia, obviamente! Ainda não tenho ideia que fazer para o prato principal... Enfim, decidi começar pelo fim, para engajar nossos pequenos na cozinha, mas eles ainda nem votaram com os ovos que pedi!

— Não voltaram? — Algo alarmou Geralt, seu instinto acendeu tal como a fogueira revivida com o sopro e madeira adicionada. O queimar do fogo catalisou o raciocínio e a memória do bruxo. Sim, momentos atrás sentira a presença de seus filhos no celeiro. Não podia desligar seus sentidos que eram superiores a de um humano comum, mesmo sem a necessidade de uso de poções. Sabia que os pequenos devem ter ouvido a história de Klaus, mas isso não significa que...

Geralt se afastou, de forma súbita, do confortável abraço que compartilhava com seu esposo.

— Ger? O que foi?

Sem respondê-lo, o bruxo correu para o celeiro. Ali, não demorou em encontrar a cesta de ovos...

— Ah!...Geralt! Não corra desse jeito! — Jaskier o alcançou segundos depois, ofegante. Sim, podia ter rejuvenescido com o uso da magia, mas ainda era bastante sedentário. Além disso, mesmo que começasse a treinar (um pouco) não iria equivaler a velocidade mutante de um bruxo (mesmo que esse esteja aposentado).

— Terei que ir... — Anunciou, se dirigindo para um canto escuro do celeiro, onde mantinha um baú trancado a chave. Dele Geralt retirou suas antigas armas. Duas espadas, uma de prata, uma de ferro; uma para criaturas e outra para homens. Ambas são para monstros.

— Geralt. O que está acontecendo? — Exigiu saber Jaskier se pondo a frente do bruxo, antes que esse colocasse a sela na sua égua.

Ele relutou em dizer algo, mas o olhar penetrante de Jaskier podia ser bem mais aterrorizante do que muitos dos monstros já enfrentados por Geralt.

— Nossos filhos, acredito que eles possam ter ido investigar as terras do velho Klaus.

— E isso é ruim por quê?

— Acredito que alguma criatura possa estar rodando aquela área.

Os olhos de Jaskier se arregalaram, um claro sinal de assombro.

— Eles foram investigar... Eles devem estar encarando isso como uma espécie de aventura. — Ponderou o menestrel, se sentindo culpado logo em seguida. Suas canções devem ter inspirado a atitude imprudente de seus filhos.

— Eu irei atrás deles. — Garantiu Geralt tocando o ombro do seu trêmulo esposo — Não devem estar longe...E quanto a criatura, não creio que seja de fato perigosa.

— Eu irei com você. — Anunciou Jaskier limpando as lágrimas que se insistiam em se formar em seus olhos.

— Não. Você deve ficar para caso eles retornem e minhas pressuposições sejam uma mera paranoia. Eles podem muito bem estarem brincando por aí...

— O que sua intuição de pai e instinto de bruxo lhe diz, Geralt de Rívia? — A pergunta Jaskier com seriedade.

Geralt mordeu o lábio inferior, não podia negar a apreensão que dominava o íntimo. Uma sensação que beirava o terror de estar prestes a perder algo que incalculável valor...

— Aqui... — Jaskier retirou algo que estava oculto por debaixo de um monte de feno. Agora era a vez de Geralt arregalar os olhos... Era o seu medalhão de bruxo.

— Você irá precisar disso, não é mesmo? — Jaskier ofereceu para colocar a relíquia do passado no pescoço do seu marido que parecia hesitante quanto tão ação.

— Eu não sou...

— Você pode não ser um bruxo no sentido "profissão", mas ainda é um bruxo em todos os outros sentidos, Ger. E não tem nada de errado em ser um bruxo. Eu posso não ser o famoso e glorioso Jaskier do passado, mas ainda sou um músico...Ainda canto e componho fabulosas baladas. É isso que sou e não devo ter vergonha ou temer meu passado que influencia meu presente e meu futuro.

— Eu fiz coisas horríveis como bruxo, Jaskier...

— E também fez coisas maravilhosas, Ger. — Sorriu Jaskier colocando, por fim, o colar no seu teimoso parceiro — Salvou vidas, humanas e de criaturas. Isso você deve se orgulhar e não tentar esquecer.

Geralt tocou o medalhão, um sentimento de nostalgia o dominou.

— Vá salvar nossos filhotes, meu bruxão.

Antes de montar o seu corcel, o bruxou deu o apaixonado beijo de Jaskier. Iria salvar seus pequenos, mas não só como um bruxo, e sim como um pai. Esse era o seu novo título, sua nova Guilda. Era naquela família que residia a sua lealdade.


~~*Palavras da autora**~~

Informações extras sobre o significado do nome das crianças:

Ambos os nomes são de origem polaca

Aleska : significa "Defensor da humanidade".

Miron: significa "Paz".

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NathyMaira1

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