Benedita & Frederico
" Quando você ama alguém
Tem que deixar esse alguém saber
...
Então dói muito
Abrir mão de alguém"
— Coldplay, Let somebody go (feat. Selena Gomez)
____________________________________________
A primeira e única vez em que Benedita viu a borboleta azul foi no dia 19 de julho de 2026.
Estava andando sem rumo, os olhos inundados por lágrimas, e com uma dor no peito que parecia destruí-la de dentro para fora. Tudo aconteceu tão rápido que ela nem teve a chance de pensar no que aquilo significava, até estar lá.
De início, nada fez sentido. Benedita olhou ao redor, e reconheceu cada detalhe do lugar: o sofá, o tapete debaixo dos pés, a música que tocava na televisão, e as pessoas que estavam ao seu redor. Ela soube imediatamente que já tinha estado ali antes. Mas ainda assim, nada daquilo fazia sentido.
Pediu licença, e foi até a cozinha. O local também estava exatamente como se lembrava: a geladeira pequena em um canto escuro, o armário amarelo, a pia de aço acoplada a um balcão com gavetas, e a mesa, decorada com as flores favoritas da dona da casa, Zínias, de cores mistas, que simbolizavam pensamentos de um amigo ausente. Foi como voltar a ter dezesseis anos, quando ia para a casa de seu melhor amigo depois da escola e passavam a tarde inteira juntos.
Não havia ninguém lá, por isso Benedita sentiu que podia soltar a respiração.
Que merda é essa?, se perguntou.
Tentou pensar na última coisa de que poderia se lembrar, e por incrível que pareça, a única imagem que vinha em sua mente era a da tal borboleta.
Ao tentar se lembrar do que tinha acontecido antes de ver a borboleta, Benedita sentiu uma terrível dor de cabeça e precisou se apoiar no balcão da pia.
— Benedita, está tudo bem?
Ouvir a voz de Frederico fez com que a mulher prestasse atenção no sangue que escorria de seu nariz. Mais uma vez, Benedita se viu completamente confusa e exausta.
Olhou para ele, e ao fazer isso, sua mente inquieta congelou, o coração deu um salto, e Benedita ficou sem reação. Ali estava seu maior arrependimento, e ele parecia tão bem, tão... vivo. Quis abraçá-lo, mas não sabia se aquilo era um sonho ou algo do tipo, e tinha medo de que se o tocasse, tudo se desfizesse e o perdesse outra vez.
— Aqui. — Frederico estendeu a mão e colocou uma folha de papel toalha no nariz dela, para absorver o sangue. — O que aconteceu?
Os dois estavam próximos, e Benedita percebeu que sabia o que faria em seguida. Sabia que contaria para Frederico os problemas que estava enfrentando com sua irmã doente, que ele a abraçaria, que ela não conseguiria dizer o que sentia por ele, que iriam assistir a um filme juntos, que se despediram e que sempre, sempre, sempre se perguntaria como suas vidas teriam sido diferentes se tivesse contado a Frederico o que sentia. E que mesmo anos depois, toda a sua vida giraria em torno desse exato momento, do que não foi dito.
— Eu... eu não sei — Benedita murmurou, assustada demais com a coincidência que era estar ali, naquela lembrança.
Pois a única explicação plausível para o que acontecia era que devia estar sonhando com aquela lembrança.
— Fiquei sabendo do que aconteceu com a sua irmã, sinto muito — Frederico comentou, chamando a atenção de Benedita.
Ao ter sua irmã doente mencionada, outra coisa lhe veio à mente: a imagem de uma carta. Benedita se lembrou de uma carta que lia todos os anos, e que as palavras contidas nela sempre a fizeram se sentir destruída por dentro, como se estivessem lhe abrindo o peito a facadas. O que isso tinha a ver com sua irmã antes doente e agora morta, ela não sabia. Talvez a lembrança estivesse ligada à morte por si só.
Ela também se lembrou de sair do local em que estava e andar sem rumo, até que em um determinado momento, viu a borboleta azul.
Outra onda forte de dor surgiu em sua cabeça, e dessa vez, Benedita soltou um gemido de dor, mais sangue escorreu de seu nariz. Frederico a amparou com os braços e o lenço no mesmo instante, como ele sempre fazia.
Ao levantar os olhos, ela reparou que na parede, o calendário estava marcado em um dia específico com um círculo vermelho chamativo, no centro, o número 19. Estranhando cada vez mais aquilo e ignorando as demonstrações de preocupação de Frederico, Benedita se aproximou mais do objeto. A data marcada era o dia 19 de julho de 2016.
— Que dia é hoje?
— Do que você está falando?
— Me fala que dia é hoje! — Benedita levantou a voz e Frederico se assustou.
— 19 de Julho.
— De que ano?
— 2016.
O coração de Benedita acelerou. Foi como se o chão tivesse se partido ao meio e ela estivesse caindo, caindo... caindo. Ou talvez, flutuando.
Como poderia ser possível voltar dez anos no tempo por meio de um sonho? E exatamente para esse dia em específico? Olhou para Frederico e sem hesitar outra vez, o abraçou.
Não podia perder essa chance de seu subconsciente, como fez da última vez, porque tinha sido idiota de mais para se dar conta de que seria a última vez. As pessoas nunca sabem quando será.
— Eu senti tanto a sua falta! — Ela falou enquanto o apertava o máximo que conseguia.
— Ei, você está me sufocando — Frederico resmungou, mas não parecia realmente incomodado.
Eles se soltaram, e um sorriso dançava feliz nos lábios do garoto. Ao ver isso, o coração de Benedita se afundou em lembranças que ela tentava a todo custo esconder. Lembranças dolorosas, dos dois, que a faziam se sentir culpada por tudo o que aconteceu posteriormente.
— Até parece que sentiu minha falta, você nem se importa comigo! — Ele reclamou, e disfarçou o quanto aquilo era importante com um sorriso.
Só que agora, vendo essa situação e sabendo o que aconteceria logo em seguida, Benedita não se deixou enganar. Pelo contrário, decidiu aproveitar a dádiva de falar tudo o que deveria ter dito antes.
— Você! — Levou suas duas mãos até às bochechas de Frederico e segurou seu rosto perto ao seu. — Saiba que eu te amo, te amo de mais, e que você é muito importante pra mim, e eu sou tão idiota por nunca ter te contado isso. Me perdoa, tá? Por todas as vezes que fingia o contrário, e que te fiz sentir sozinho.
Antes que pudesse se controlar, Benedita começou a chorar. Puxou Frederico mais uma vez para um abraço e chorou em seu ombro. Chorou por todas as vezes em que podia ter dito essas mesmas palavras e não o fez, por todas as vezes em que se calou por medo de demonstrar afeto, de ser rejeitada. E principalmente, chorou por ter visto seu melhor amigo, seu primeiro amor, num caixão.
Se ela tivesse dito... se esse sonho pudesse mudar alguma coisa... talvez, só talvez, ele não tivesse tomado aqueles remédios logo depois de terem assistido a um filme juntos no dia 19 de julho de 2016.
— Eu não faço a menor ideia do que você tá falando, mas... eu também te amo Benedita, e te perdoo, por seja lá o que você fez.
Essas foram as últimas palavras de Frederico que ela escutou antes de acordar em um quarto de hospital. Não conseguiu sair da cama pois sentiu como se seu corpo estivesse desconectado da cabeça. Posteriormente, ela seria informada da paralisia cerebral por conta do AVC hemorrágico, e isso a faria suspeitar de que voltar no tempo não tinha sido apenas um sonho.
Como que para confirmar suas suspeitas, Benedita logo saberia que, naquela tarde do dia 19 de julho de 2016, tudo havia mudado, ao receber uma visita da pessoa que mais desejava ver: seu melhor amigo.
O problema de Frederico não se resumia a ela, fatores que Benedita não podia controlar estavam envolvidos. Todavia, ao contar o que sentia, ela desencadeou uma série de acontecimentos dos quais só se daria conta mais tarde.
Ao ouvir suas palavras, Frederico sentiu que talvez tivesse alguma esperança. Isso o fez reconsiderar, por alguns segundos, sua decisão. Esses poucos segundos foram o suficiente para que sua mãe desse falta dos remédios de dormir antes que ele os tomasse, mudando todo o curso dessa história.
No fim, Frederico foi ajudado e Benedita nunca viu a borboleta azul outra vez. Mas tudo bem, uma segunda chance foi o bastante. Ela aprendeu sua lição.
____________________________________________
"Mas você ainda está comigo, agora eu sei"
— Coldplay, Let somebody go (feat. Selena Gomez)
(1430 palavras)
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top