32. Departamento de Homicídios de Nova Amsterdam
As mulheres estavam no departamento de polícia devidamente arrumadas e adequadas para aquela situação. Sophie já tinha se retirado para ir para o necrotério analisar o corpo de Jéssica Lins, enquanto Valquíria encontrava-se na sala de interrogações com a esposa identificada de Jéssica, a mulher era uma jovem universitária de 27 anos, estava concluindo o curso de direito para poder trabalhar com sua esposa.
Valquíria estava impassível, não sabia o que fazer com a moça que estava a sua frente chorando, de fato, suas habilidades sociais eram falhas, assim decidiu fazer o que sabia melhor, o seu trabalho.
- Olá senhorita Carmen, meu nome é detetive Van Dahl e eu estou assumindo o caso sobre a sua esposa. – falou enquanto puxava uma cadeira em frente aquela moça, sentando-se. Sobre a mesa de aço colocou uma pasta de tom amarelo claro.
Carmen fez um aceno com a cabeça informando seu gesto de cumprimento, e sentou na cadeira, um silêncio sepulcral se instalou naquela sala quadrada com uma mesa metálica e duas cadeiras. Atrás de Van Dahl um espelho enorme que dava para outra sala.
- Então, como conheceu Jéssica Lins? – Valquíria a fitava profundamente.
Após um tempo, Carmen falou.
- Estávamos casadas desde os meus 23 anos, nos conhecemos na cadeira da universidade, ela era o ser mais incrível que eu já tinha conhecido. Tivemos alguns problemas devido a sua posição de docente, mas conseguimos superar. – a moça olhava para a foto de Jéssica na mesa, controlando suas lágrimas. - Estávamos felizes, entende?
- Compreendo senhorita, pode me dizer se a Jéssica tinha alguns inimigos? - a detetive analisava a esposa e qualquer fio que pudesse captar.
- Não, a Jéssica era muito querida por todos - coçou a cabeça, tentando lembrar. - No trabalho não havia ninguém que pudesse expor que não gostava dela.
- Entendo seu momento senhorita Carmen - relatava a detetive. - mas qualquer coisa que possa lembrar, uma briga entre vizinhos, um desentendimento entre clientes, alguma desavença é útil.
- Eu de fato não consigo lembrar. - tentava se esforçar. -Passávamos tempo trabalhando, quando não ficávamos em casa juntas ou quando estamos separadas com cada uma em seu respectivo trabalho.
- Diga-me, onde estava na noite anterior? – a detetive mantinha as mãos fechadas sobre a mesa metálica de interrogação.
- Na noite que isso ocorreu, eu estava no atendimento. Jéssica sempre quis pagar meus estudos, mas eu não recebi esse tipo de criação, estava mais segura em bancar o meu próprio futuro, então trabalha no bar do Jonny's a noite até um pouco mais da madrugada e volto para casa.
- De que horas você costuma pegar no bar do Jonny's? - Valquíria mantinha-se impassível.
- O carregamento de todas as coisas costumam chegar às 18h30. Nessa hora a Angélica que toma conta, depois a Luana e por fim, às 19h30 chego para completar a equipe. Naquela noite teve show ao vivo, costumamos trabalhar até às 03h da manhã. Acho que voltei para casa de aproximadamente 04h30.
- Sabe que precisaremos verificar seu álibi – disse a detetive. – faz parte do procedimento. Agora, às 4h30 quando chegou em casa não encontrou sua esposa, você não estranhou isso?
- Para falar a verdade não. Nas noites que as minhas escalas são assim, Jéssica costuma ficar no seu escritório e preferia dormir por lá. Foi um dos combinados. Então, necessariamente, ela deveria estar no escritório. - explicou a rotina que seguiam.
- Você sabe ou lembra de algum acontecimento estranho, alguém que quisesse machucar a sua esposa? – inquiriu Valquíria.
- Não, não... – tentava se lembrar. – Como eu disse, todos sempre adoravam a Jéssica, ela era uma advogada excelente, uma professora impecável. Não creio que alguém do nosso ciclo poderia fazer tal coisa. – dizia agora a viúva.
- Entendo, nem mesmo um caso jurídico que teve algum desentendimento? – indagou a detetive novamente tentando reativar a memória daquela mulher.
- Não, Jéssica prefere evitar assuntos de natureza penal, justamente para evitar algum problema com criminosos. Lidamos com empresas, casos de família, previdência e trabalhista. São casos mais tranquilos - explicava.
- Iremos fazer uma busca quanto a isso. Por enquanto é só, senhorita, os outros policiais irão solicitar o que iremos precisar e aguarde nossas notícias. – disse por fim a detetive.
Carmen apenas consentiu, a jovem começava a lembrar das aulas de direito e das reportagens, o cônjuge era sempre um dos primeiros suspeitos e isso a magoava saber que poderia estar na lista de suspeitos, mesmo que a detetive não a contasse diretamente.
Valquíria saiu da sala de interrogações e foi direto para os armários com batas, calçou as luvas roxas e adentrou aquele recinto que a Doutora Seyfried estava desde que chegaram realizando a autopsia daquele corpo, agora nu, da Jéssica Lins. Assim que Valquíria entrou percebia Seyfried compenetrada, realizando aquela função com total profissionalismo e o desapego habitual, não tinha novamente assistente, então como algo natural, Valquíria se posicionou ao lado da outra, analisando o corpo. Ambas não precisavam se cumprimentar, aquele silêncio já era intimista o bastante para elas.
Valquíria fez a coleta da virilha para saber maiores detalhes do abuso sexual que a vítima passou. Após um tempo, o resultado saiu, informando que possivelmente poderia ter sido estuprada por alguém que estava usando luvas, não só isso, Sophie informou que segundo suas análises a violência e a agressão podem ter ocorrido post mortem. Aquilo era doentio, as duas pensavam. "Mas qual seria a razão de bater nela e a violentarem após a morte?" , pensava Valquíria e resolveu questionar:
- O que mais você tinha encontrado antes que eu chegasse, Sophie? – dessa vez, Valquíria tinha acabado de quebrar o silêncio.
- Detectei hematomas ao redor dos pulsos e tornozelos, além disso identifiquei fragmentos de fibras naturais – explicava, enquanto organizava o material para acionar a luz negra naquele recinto. Valquíria acabou complementando que aquelas fibras naturais seriam "cordas, então, Jéssica Lins, foi amarrada nos tornozelos e nos pulsos" – exatamente, pela forma das marcações na epiderme, foi quando ainda estava viva, mas post mortem "ele" a retirou.
Entendendo o que a legista iria fazer logo em seguida, Valquíria desligou as luzes, enquanto Sophie passava a aquela luz fluorescente pelo corpo da jovem nua. Pelo corpo detectou sinais de alvejantes e produtos de detergente para roupas, pois fazem aquela promessa de entregar o seu "branco, ainda mais branco". Ambas arquearam a sobrancelha por seu corpo ter sido limpo com tal produto, não agrediu a pele, pois parecia uma forma de limpá-la ainda mais. Atentaram-se ainda mais e conseguiram captar algumas inscrições talhadas no corpo
- Valquíria, veja essas inscrições – a doutora ao levantar o braço da vítima, localizou algumas marcas. Debaixo da lente de aumento ressaltavam frases, ela leu o que estava escrito no antebraço da vítima – "assumetque aquam sactam in vase fictili et pauxillum terrae de pavimento habitaculi mittet in eam"1. está escrito em latim, ao que parece isso é...
- Um dos trechos da bíblia, em especial, números cinco, versículo dezessete, uma passagem que falam da purificação com a água benta – completou a detetive. – Conheço alguém no arquivo que irá adorar ler nosso relatório.
Sophie sabia de quem a detetive falava e não deixou de conter o riso, afinal era verdade. Raphaëlle, a estagiária dos relatórios e perícias criminais adorava lê-los e fornecer informações valiosas para as duas mulheres.
- Não sabia que era religiosa – Sophie a olhava.
- E não sou, quando meus pais eram vivos eles que eram. Será que estavam fazendo alguma espécie de ritual? – perguntava mais para si do que para a legista. – Veja Sophie, há outra inscrição na parte interna do braço: "cumque posuerit sacerdos mulierem in conspectu Domini, discooperiet caput eius et ponet super manus illius sacrificium recordationis, oblationem zelotypiae; ipse autem tenebit aquas amaríssimas, in quibus cum exsecratione maledicta congessit" – terminava de pronunciar aquelas palavras em latim
- "Estando a mulher de pé diante do Senhor, o sacerdote lhe descobrirá a cabeça e porá em suas mãos a oblação de recordação, a oblação de ciúme. O sacerdote terá na mão as águas amargas que trazem a maldição" – traduzia Sophie aquelas palavras. Seguindo aquela autopsia detectaram mais alguns versículos da Bíblia em números, que eram os versículos 19, 20, 21. Mas o versículo 22 e 24 chamaram atenção das duas e retornaram a leitura em voz alta, falando Sophie: versículo 22 "Ingrediantur aquae maledictae in ventrem tuum, et útero tumescente putrescat fêmur et respondebit mulier: amen, amen!"2
Continuou Valquíria a próxima leitura:
- "Et dabit ei bibere aquas amaras, in quas maledicta congessit, et ingredientur in eam aquae maledictionis, quae amarae fient."3 Precisamos saber o que o exame de tóxicos descobrirá na corrente sanguínea dela.
- Já fiz isso e não foi possível encontrar nada. – explicou Sophie.
- Talvez tenham usado alguma substância química que acabou se concentrando em um único lugar. "E essas águas de maldição penetrarão" – repetiu Valquíria – vamos juntar com as informações que obtivemos da coleta de substâncias da virilha, talvez possamos descobrir algo.
- Tudo bem, não é padrão fazermos, mas coletarei algumas amostras. – dizia Sophie.
- Até lá, meu próximo passo é fazer uma visita ao estabelecimento Prik Bar. – Valquíria falava fitando a outra.
- Se me lembro bem – dizia Sophie enquanto coletava mais amostras. – o bar começa a abertura para o público no final da tarde, se for daqui a trinta minutos, encontrará o pessoal fazendo a recarga de bebidas e demais produtos. Essa é a hora perfeita da organização do bar.
Valquíria a fitou com um olhar de "?" e não precisava que a outra proferisse a pergunta: "como você sabe disso?" Sophie já sabia que ela trazia essa frase no olhar e resolveu explicar:
- Quando eu era mais jovem e cursava a universidade de medicina saía com alguns amigos para o "Prik" naquela época era o único bar LGBT da cidade, então era o principal ponto para ter encontros. – Novamente, Valquíria levantou a sua sobrancelha desenhada como quem perguntasse "você é gay?" e com um sorriso gentil, Sophie respondeu. – Eu sou lésbica, Valquíria, espero que isso não tenha problema para você ou afete nossa relação profissional e de amizade.
- Acha que nossa relação estaria definida ou ameaçada por sua preferência sexual? – indagou a morena a fitando mais intensamente do que antes. – Eu não sou esse tipo de pessoa, Sophie. Você trabalha magnificamente melhor do que qualquer um aqui, é inteligente e uma verdadeira caixinha de surpresas. Nossa relação jamais será definida por isso, mas como você é como pessoa. É isso o que me interessa. – dizia Valquíria por fim.
Sophie sabia que a habilidade social da amiga não era muito boa, mas ela conseguiu se expressar perfeitamente, Valquíria não ligava para isso e jamais iria atrapalhar o que elas eram profissionalmente falando. Isso a deixou um pouco tremula. Algo percebido pela outra que retomou a fala.
- Termine a coleta da substância, Sophie, irei esperar você para irmos juntas ao Prik Bar, estamos assumindo o caso, e como sabe, não tenho parceiros, então... o que acha de investigar esse caso comigo?
- Será um prazer. – disse a legista pronta para finalizar suas coisas.
Saudações leitores, como estamos indo até aqui?
1. Tomará água santa num vaso de barro e, pegando um pouco de pó do pavimento do tabernáculo, o lançará na água. (nm, 5, 17)
2. E estas águas, que trazem maldição penetrem em suas entranhas para te fazer inchar o ventre e emagrecer os flancos. Ao que a mulher responderá: "Amém, Amém!"
3. E farpa com que a mulher beba as águas amargas que trazem maldição, e essas águas de maldição penetrarão nela com suas amarguras.
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