CAPÍTULO 05 - SEGUNDA-FEIRA


O Pântano Encantado

         Amadeo se virou para a casa da família Costha. Pegou um bloco, seu distintivo e se preparou para conversar com aquela família. Olhou a residência geminada em tons pastéis e tocou a campainha. Um latido veio do interior da casa e em seguida, uma voz feminina ordenando que parasse.

O investigador aguardou, olhando a vizinhança calma. Um condomínio popular de classe média, com árvores e gramas em frente às casas.

A porta se abriu e uma jovem ruiva, com cabelos encaracolados, abriu a porta, sorrindo:

— Olá? Com quem deseja falar? — Falou, simpática.

— Tudo bom? Sou o investigador do caso da Isabel Palmas. Meu nome é Amadeo — Mostrou o distintivo, para ela.

— Ah, sim! — Riu. — Você veio pra conversar comigo, não é? — Falou, abrindo a porta pra trás, para que ele entrasse.

— Venha, senhor Amadeo. Vamos para a sala de jantar. É que estou fazendo um trabalho escolar lá.

O investigador ficou atônito com a forma displicente com que ela o deixou entrar. Foi atrás da menina, olhando em volta. Seu olhar é treinado para concluir a personalidade das pessoas, através do ambiente em que viviam.

— Você costuma deixar estranhos entrar na sua casa, assim?

Ela mostrou o seu melhor sorriso, sem responder.

— Mãe! O policial do desaparecimento da Isa veio me interrogar! — A jovem deu um grito, em direção a cozinha, como se aquilo fosse muito normal.

Olhou para ele, sorrindo:

— Pode sentar, policial Amadeo. Minha mãe já está vindo. Onde está o outro policial?

— Ele foi organizar as buscas.

— Buscas? — Falou com ar curioso.

— Precisamos encontrar sua amiga, não é?

Meg apenas, sorriu.

De repente, surge uma mulher elegante, com os cabelos no mesmo tom que a filha, porém lisos até a altura dos ombros. Seu perfume adocicado preencheu o ambiente. Se aproximou dele, sorridente, com a mão estendida para ele:

— Boa tarde, policial? Vocês já têm pistas do que aconteceu? — Sentou, enquanto falava.

— Boa tarde, senhora Costha. Sou o investigador do caso, Amadeo. Sim, temos algumas, sim. Vim para colher algumas informações, que irão somar com as que já temos. — Olhou na direção da garota, que lhe sorria.

— É um prazer em ajudar, policial Amadeo. Pode me chamar de Neusa, apenas. — Sorriu, solicita. — Minha filha era a melhor amiga da Isabel. Assim como eu e a mãe dela... — Falou e seu sorriso foi desaparecendo aos poucos. - Quer um chá, café, água?

— Não, obrigado, dona Neusa. — Sorrindo, pegou seu bloco.

A forma expansiva e exagerada da senhora, denotava um teor de nervosismo natural, enquanto sua filha, se mantinha calma e sorridente. Amadeo sabia que ela estava tão nervosa quanto os amigos, mas preferiu mostrar uma imagem segura. A pergunta era: Por que?

— Então, Megan! — Começou.

— Meg! Me chame de Meg, por favor. — Cortou, inquieta.

— Certo! Meg. Quando você e sua amiga se falaram pela última vez?

Ela olhou o teto por alguns segundos e disse:

— No dia que sumiu. Não! Um dia antes, desculpa.

— E o que conversaram?

— Basicamente sobre as provas, o que faríamos no findi, sobre os gatinhos. Coisa de menina, investigador Amadeo.

— Ela tinha algum namorado ou alguém?

— Isa? — Riu descontroladamente. — Não! Ela não tinha, não. Só falávamos de zueira mesmo.

Amadeo a olhava, sério. Resolveu anotar tudo e fez mais uma pergunta, que estava incomodando-o.

— Você já esteve no pântano encantado?

— O quê!? Eu não faço ideia de onde fica isto!! — Ficou agitada. — Tem um pequeno lago, que íamos nadar na infância. Mas o que tem ele? — Gaguejou. — O que o senhor quer saber?

Amadeo, com olhos fixos no bloco, ia anotando. Perguntou, sem desviar:

— Onde fica, Megan? — A olhou profundamente.

A jovem olhava para a mãe e desviava os olhos para um ponto fixo. Suspirou, tendo os olhos marejados.

— O senhor sabe onde fica a curva na estrada? Em direção à saída da cidade? — Passou a manga da blusa no rosto. — É para lá que os senhores devem ir.

Amadeo anotava tudo, sem interromper.

— Tem um atalho, logo após a placa do limite de velocidade. — Continuou forçando um sorriso e colocando o cabelo atrás da orelha.

A mãe da jovem apenas observava, sem dar qualquer palpite. Deslizava a ponta do dedo indicador, nas flores bordadas da almofada no seu colo. Amadeo tentou mudar a tática, olhando para ela:

— Dona Neusa, a senhora desconfia que a menina Isabel tenha fugido?

A pergunta deixou as duas inquietas:

— Isabel? Não! Acho que ela deveria andar sozinha e algum estranho vindo de fora da cidade tenha levado ela! — Fungou, nervosa. — Tenho medo de deixar minha filha andar sozinha, agora.

— Todo cuidado é bom, realmente. — Falou, guardando o bloco no bolso.

— Por ora, é isto. — Sorriu. — Obrigado pela sua colaboração, Meg. Se lembrar mais de alguma coisa, por mais irrelevante que seja, entre em contato conosco. Aqui está meu cartão. Ligue a qualquer hora.

— Pode deixar, policial Amadeo. — Pegou o cartão das mãos dele, voltando-se para o celular.

Ao terminar de falar, levantou-se, seguido de dona Neusa. Meg continuou sentada, mexendo em seu celular. Seu semblante não era de quem estava com a amiga desaparecida. Isto não passou despercebido pelo investigador. Ele se dirigiu até a porta da frente, se despedindo mais uma vez da senhora, indo em direção ao centro da cidade.

Ficou sentado em um dos bancos, pensando na conversa que teve. Pegou o bloquinho e releu suas anotações. Foi quando recebeu a ligação do seu parceiro, tirando da sua concentração:

[— Alô? Amadeo! Venha até onde está a equipe de buscas, imediatamente!]

— Rogério! Acabei de conversar com a amiga da Isabel. Onde você está?

[— Siga em direção a vila industrial. Tem um atalho a uns dez metros, mais ou menos de uma placa de trânsito. Entre no atalho e vá até o fim da estradinha de chão! Venha logo!]

— Está bem, já estou indo, amigo. É alguma pista importante?

[— Não, meu amigo. É mais que uma pista! Pegue um táxi ou chame uma das viaturas. Mas venha imediatamente!]

Silêncio.

— Rogério? Você ainda está aí?

[— Finalmente encontramos Isabel Palmas, meu amigo.]

Desligou.

Amadeo ligou para o departamento, pedindo que uma viatura viesse até a praça. Ainda se perguntava porque não comprava seu próprio carro. Deu a localização para o policial, indo até o local indicado por Rogério. Era um mesmo declive de terra, onde a mata se fechava, porém, alguns quilômetros adiante. Estacionaram a viatura, juntamente com a ambulância da perícia e mais dois carros; um da polícia e o segundo, que era desconhecido. Desceu rapidamente e seguiu a pequena trilha de chão.

"Isto não é bom... Não é nada bom..." — Pensou, apreensivo.

Avistando seu parceiro, acelerou o passo, chamando por ele, tentando não tropeçar nos galhos.

— Rogério! E aí?

Este, fez sinal para que o seguisse. Seu semblante estava sombrio e parecia não ter boas notícias. Ao alcançá-lo, se cumprimentaram rapidamente e Amadeo foi seguindo ao lado de Rogério, tentando se equilibrar no terreno movediço e troncos das várias árvores e arbustos, descendo os desníveis e barrancos úmidos, que mais pareciam ensaboados. Meia hora depois, haviam chegado à uma bela clareira, onde um lago sereno, retalhava a mata e pequenas flores silvestres e heras cresciam livres, no meio do terreno pantanoso.

Amadeo, boquiaberto, soltou um assobio de surpresa. Nunca imaginaria um lugar como ele, nem em suas leituras noturnas.

— Uau! Que lugar lindo! — Virou para o amigo.

— Te apresento o lago escondido do pântano encantado, meu amigo. Encontramos ele, afinal.

— E a menina? Onde ela está, Rogério? — Perguntou, temendo pela resposta.

Rogério virou o tronco, apontando com a cabeça, na direção do lago, onde um pequeno leito se formava e pedras roliças escondiam flores silvestres e uma grama alta, completava a cena.

Amadeo, então percebeu que já estavam lá, os peritos e alguns policiais com a fita amarela, circundando aquele paraíso particular. Pela experiência, sabia o que aquilo significava:

— Oh, não... — Engoliu seco. — Quem a encontrou?

— Eu segui minha intuição. — Disse, calmo. — Pensei que estivesse escondida em alguma cabana por aqui — Baixou os olhos, para recuperar o fôlego. — Refiz os passos dela, pela dedução e as pistas deixada no diário e as meias verdades dos garotos. — Sacudiu a cabeça, consternado.

— Que merda... — Murmurou Amadeo. - Já chamaram os pais?

— Pedi que os avisasse, depois de ter o laudo de legista. Venha por aqui e tome cuidado, que está bem escorregadio.

— Percebi. Onde ela está?

Rogério olhou para ele e seguiu em frente, sem dizer nada. Amadeo seguiu logo atrás, olhando ao redor, se apoiando nos troncos das árvores. Era triste que uma menina tão jovem terminasse assim, mas nada mais o surpreendia, pois já vira coisas bem tristes no seu ramo.

Rogério parou de repente, fazendo-o recuar alguns passos para o lado do parceiro.

— Ela está ali, no lago, meu amigo – Disse, por fim. — Venha. — Apontou na direção onde mais policiais e peritos faziam o trabalho deles.

Alguns passos e escorregões à frente, Amadeo consegue chegar até onde já estavam fotografando e coletando provas. Dois policiais jovens, faziam a segurança do local, enquanto os mergulhadores retiraram o corpo nu da jovem coberta de musgos e restos de flores mortas. Colocaram-na à margem, delicadamente sobre a grama e dentes de leão, para averiguação dos investigadores. No alto das árvores copadas, gralhas fazem alarido com aquela agitação incomum.

Amadeo olhou para cima, se surpreendendo com a quantidade.

— Boa tarde, Investigador Amadeo. Detetive Rogério. Estamos apenas aguardando suas ordens para que a perícia leve a jovem até o IML. É que vai escurecer logo e aqui é perigoso demais à noite.

— Claro, policial Sérgio. Só vou verificar uma coisa e já podem recolher o corpo. — Falou Rogério, se aproximando do colega.

Os dois se aproximaram onde o corpo de Isabel jazia perto do leito.

— Tão jovem... — Sussurrou Rogério, observando os hematomas abrasivos nos joelhos.

Ele pegou uma luva, vestindo a mão direita. Inclinou-se próximo ao corpo, para analisar melhor. Afastando as mechas molhadas de cabelo que escondiam seu rosto, observou se havia cortes ou abrasões na pele. Desceu os olhos até seu pescoço, para ver se tinha marcas de estrangulamento.

— Quem teria coragem de fazer isto? — Disse Amadeo.

Rogério aprumou o corpo, retirando as luvas. Olhou o investigador, respondendo calmamente:

— Olhe a posição dela, Amadeo. O que lembra pra você, a posição do corpo?

O parceiro olhou, detalhadamente, mas negou com a cabeça, mostrando que não entendeu a pergunta.

— Ofélia — Respondeu, vendo que este não estendera.

— Como?!

— A posição do corpo dela, lembra a morte de Ofélia de Hamlet. "Na onda calma e negra, entre os astros e os céus, a branca Ofélia, como um grande lírio, passa. Flutua lentamente e dorme em longos véus... longe, no bosque, o caçador chamando a caça... Mais de mil anos faz que a triste Ofélia abraça. Fantasma branco, o rio negro em que perdura. Mais de mil anos: toda noite ela repassa, à brisa, a romança que em delírio murmura ''. — Falou, enquanto olhava o lago.

— Não sabia que gostava de poesia, Rogério!

— E não sou, meu amigo! É de Arthur Rimbaud. Um poeta francês do século dezenove.

— Humm...

— Vamos? Temos muito que fazer, agora.

Amadeo, continuou olhando para o corpo de Isabel, lembrando do poema, que acabara de ouvir. Realmente a visão fazia jus às palavras do amigo.

— Amadeo? — Chamou-o, agora mais alto.

— Ah, sim! — Virou-se para o detetive. — Vamos! Por favor, você.
Se dirigiu para um dos peritos:

— Cubra o corpo dela com alguma coisa, sim? Não tem necessidade de expô-la ainda mais. — Falou antes de dar as costas.

— Sim, senhor!

Foram se afastando, com dificuldade, pelo terreno irregular. Se encontraram com o policial Sérgio, já com a equipe do IML.

— Obrigado, Sérgio. Já podem recolher a menina e, por favor. Tomem o máximo de cuidado com o corpo, para não deixarem nada fora das evidências, ok?

— Sim senhor. Já vou avisar o pessoal e dizer que o senhor estará aguardando no departamento.

— Certo. Vamos avisar os pais dela, Amadeo. — Tocou no ombro do parceiro.

— Esta é, inegavelmente, a pior parte...

— É lamentável que a única filha deles tenha tido um fim tão trágico! — Disse, se afastando dos investigadores.

Já no carro, indo em direção à casa dos Palmas, Rogério falou para seu parceiro que se mantinha calado, mais do que o seu normal:

— Ela não estava sozinha.

— Quem você acha que fez aquilo com ela, Rogério?

— Alguém que ela confiava muito. Mas, o que me intriga é ela ter escondido dos amigos. Será que a resposta estará no diário?

— É bem provável que esteja. Ou pistas que nos leve à esta pessoa.

— Vamos nos dividir, ok? Eu vou conversar com os pais e dar a notícia, enquanto...

— Espere! — interrompeu, Amadeo

— A mãe dela arrumou o quarto, porque sabia que ela não ia voltar?

— Você ainda está pensando nisso, Amadeo?

Ele não respondeu à pergunta, mas olhou seu amigo, falando em seguida:

— Me deixe dar a notícia, Rogério? Enquanto isso, procure o médico legista. Quero olhar para a reação dos pais. Mais precisamente para a mãe da menina.

— Você acha que ela pode ter culpabilidade? Duvido muito! — Deu partida no carro, pegando a estrada de volta a Blue River.

— Não sei ainda! Até pode não ter culpa, claro! Mas, tem algo me incomodando...

— Está bem, Amadeo. Vou deixar você lá e nos encontrarmos no DP!

Dirigiu em silêncio o resto do percurso. Quarenta minutos depois, Rogério estaciona em frente à casa dos Palmas, para que Amadeo descesse e desse a derradeira notícia aos pais, saindo em seguida em direção ao IML da cidade.

Amadeo ficou alguns segundos parado em frente à porta envidraçada, puxando o ar. Tocou a campainha, afastando-se alguns passos, tentando manter a postura. Para Amadeo, era a pior parte do seu trabalho e dar aos pais que o filho desaparecido, agora era um corpo no IML, lhe dava embrulhos no estômago, subindo seu ácido pelo esôfago, sufocando-o.

"Nada neste mundo nos prepara para este momento" — Pensou.

Dona Maria, abriu a porta devagar, olhando para Amadeo, com profundas olheiras, mas cheio de esperanças

— Encontraram minha filhinha, policial? — Falou com um fio de voz.

Ele ficou por um tempo parado, olhando para a mulher à sua frente. Toda frágil, destruída pela dúvida. Respirou fundo.

"Sim, senhora Palmas. Morta." — Pensou.

— Sim, senhora. Podemos conversar? — Foi sua resposta, afinal.

(2453 palavras)

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