24 - Sofrimento compartilhado

— Por favor me diz que tem chocolate. — peço assim que Thomas abre a porta

Sim eu estou irritada com ele, sim eu fui procurar minha irmã primeiro e sim eu sabia que ele estava na casa dele porque subornei uma garotinha para ficar de olho para mim. Sim novamente, a mesma que deve ter escutado meus frutos obscenos, mas ela não precisa saber que sou eu.

— Você sabe que são duas da manhã? — o ruivo pergunta irritado

Me encolho levemente por isso, sei que é um incômodo, mas não pude evitar.

— Acabaram meus chocolates e tem muita comédia romântica pra assistir — respondo arrumando o cabelo em um coque apertado

— Por que está assistindo comédia romântica e comendo chocolate? — pergunta confuso

Meus olhos enchem de lágrimas novamente e fungo para conseguir conte-las.

— Que droga, Loirinha! Entra logo — diz abrindo a porta de vez

Percebo que ele está sem camisa e os cabelos ruivos uma completa bagunça, acordei ele de novo.

— Desculpe, eu estou sozinha em casa e não queria sair na rua para comprar chocolate. — peço com a voz embargada

— Eu te dou chocolate, só não chore. — pede com um certo desespero na voz

Se eu não estivesse à beira de um colapso eu teria debochado do medo dele com choro.

— Vou tentar — murmuro limpando algumas lágrimas que escorreram sem eu querer

— Senta ali no sofá, eu já volto. —diz indo para a cozinha

Faço o que ele mandou e fico toda encolhida no sofá macio, conto até dez para não começar a chorar mais uma vez e me forço a manter a calma.

Não posso ficar chorando desse jeito, tenho uma postura a manter! Acho que estou na TPM, porque assim que eu cheguei em casa e liguei a tv estava passando "A cinco passos de você" e eu comecei a chorar instantaneamente. Pode ser por ter levado um fora, mas eu tenho quase certeza que é a TPM.

— Prontinho, chocolate para minha loirinha favorita — Thomas sorri despejando várias barrar de chocolate do meu lado — Agora vai me contar o que aconteceu? — pergunta se sentando do outro lado

— Eu terminei com o Henry e Jake me deu um fora — digo abrindo uma barra de chocolate com avelã

— Como? — pergunta com os olhas arregalados

Suspiro e conto para ele minha trágica vida amorosa. Pode parecer estranho, mas Thomas é meu amigo e mesmo que tenhamos dormido juntos me sinto confortável em contar tudo que aconteceu para ele.

— Se você não falar nada vou comer todo o chocolate — digo mordendo o canto da unha

— Eu nem sei o que dizer — responde com os olhos levemente arregalados

— Pode dizer que eu sou uma completa idiota — sugiro com a boca cheia

— Você não é idiota – ele revira os olhos — Só foi um pouco precipitada — suspira se recostando no sofá

— Sou uma idiota — choramingo

— Se continuar falando isso eu vou ter que concordar — ele me repreende

— O que eu faço agora? — pergunto encarando-o

Thomas me encara de volta intensamente, os olhos azuis atentos e tristes brilham mais fortes sob a luz da sala. Ele é lindo, não da para evitar pensar em como seus olhos escureceram enquanto ele beijava cada parte do meu corpo, ainda sinto seus beijos molhados, a respiração forte e a quentura entre minhas pernas.

— Eu não faço ideia ­— responde tirando-me dos meus devaneios

O encaro completamente chocada.

— Francamente eu esperava algo mais filosófico — reclamo

— O que eu não entendo é como você se apaixonou pelo Jake — diz com uma careta

— Eu sabia que essa pergunta viria — nego com um pequeno sorriso

— É que vocês nem se conhecem!

— Porque não deixei que ele se aproximasse. — explico

— Você só está aqui a dois meses, não pode estar apaixonada — retruca

— Não estou apaixonada, eu gosto dele. — faço uma careta — Não sei o que significa e depois daquele fora não vou descobrir. — forço uma risada que sai mais como um gemido

— Você não levou um fora, foi você quem falou que não queria ficar com o cara. — zomba

— Não achei que ele me escutaria — replico emburrada

— Jake pode ter muitos defeitos, que você ainda vai conhecer, mas ele nunca faz algo que seja contra a vontade de uma mulher — afirma seriamente

Minha cabeça gira, em uma coisa Thomas esta certo, eu não tive tempo para me apaixonar, a diferença é que eu não ligo para isso. Desde que ele me derrubou no chão naquele primeiro dia eu soube que havia algo de diferente nele, algo que eu quero na minha vida.

— E quais são seus defeitos? — desvio o assunto

Chega de focar na minha dor de cotovelo.

— Sou incrivelmente bonito — ele sorri estufando o peito

Balanço a cabeça em concordância, ele é mesmo.

— Você sumiu por semanas, quero saber o que aconteceu — vou direto ao ponto

— Não aconteceu nada — responde desviando o olhar para a televisão a nossa frente

— Você está mentindo — retruco

— Isso não é da sua conta. — rebate ainda sem me olhar

— Então é assim? — estreito os olhos — Eu venho aqui e te conto minha vida, mas você não pode sequer confiar me mim para me contar poucas semanas da sua vida? — pergunto magoada

— Eu nunca pedi para que me contasse nada. — diz secamente

— Eu sei o que ele está tentando fazer, esta tentando me afastar para que assim fique mais fácil continuar nesse redemoinho de solidão — digo chegando mais perto — Trago boas novas Thomas, eu não vou embora. — afirmo pegando sua mão

— E se eu não quiser que você fique? — pergunta finalmente me encarando nos olhos

— A menos que não precise mais da minha ajuda, eu faço o que você quiser. — respondo com sinceridade

— Eu não sei de onde tirou que eu preciso de ajuda — ele ironiza ficando de pé

— Eu posso ver isso, Thomas! — respondo também me levantando

— Por quê? Por que é uma aspirante a terapeuta? — me encara com um sorriso maldoso — Você não passa de uma estudante confusa e patética.

Aquilo me choca, dói e me deixa com raiva. Sei que vou ouvir muito isso ao longo dos anos, mas escutar pela boca dele é horrível.

— Para de ficar me atacando! — o encaro irritada

— Para de querer me consertar! — devolve igualmente furioso

— Eu não quero te consertar, Thomy — digo com a voz calma — Só quero que ponha para fora.

Ele me encara ainda furioso, os olhos azuis brilham com a raiva, desespero e confusão. Não faço ideia do que ele está sentindo, só sei que quero muito que não passe por isso sozinho.

Por toda minha vida eu tive minha irmã gêmea ao meu lado, não importava quanta dor e sofrimento eu tivesse que passar, eu sempre soube que ela estaria lá por mim assim como eu estaria lá por ela. Não sei como é me sentir sozinha pois sempre tivemos uma a outra, mas Thomas está sozinho e não merece isso.

— Não posso acabar com seu sofrimento — digo me aproximando lentamente — Mas posso te oferecer um apoio, posso estar aqui por você, como última e primeira opção. 

— Não me ofereça sonhos vazios — pede com os olhos cheios d'agua 

— E quem disse que são vazios? — arqueio as sobrancelhas segurando sua mão com mais força.

Ele olha nos meus olhos novamente e quase consigo ver as engrenagens na sua cabeça ponderando tudo aquilo, os prós e contras que me deixam um pouco nervosa. 

— Você não tem ideia no que esta se metendo — murmura balançando a cabeça  

— Então me conta — peço novamente — Thomas, por favor — peço colocando as mãos em seu rosto — Confia em mim. 

— Não é que eu não confie. — ele se afasta — Eu tenho medo, Kendra! Eu tenho tanto medo, que ate falar sobre isso me perturba.           

Não é um choque que ele diga isso, sei exatamente como ele se sente, por motivos completamente diferentes, mas sei exatamente como é.

— Talvez fique mais fácil, se você me contar — sugiro 

Ele me olha como se uma segunda cabeça tivesse brotado no meu pescoço e fico ainda mais curiosa para saber porque. 

— Você não vai me deixar em paz, não é? — pergunta mordendo o lábio inferior 

— Não enquanto você não se sentir em paz. — respondo prontamente 

Ele suspira e se senta no sofá, continuo em pé encarando-o cautelosamente enquanto ele pensa e pondera tudo novamente. 

— Se quer ouvir a historia toda, eu sugiro que você se sente. — murmura sem me encarar 

Não sei descrever exatamente o que senti ao me sentar, com certeza não foi vitoriosa, mas o que ouvi a seguir me deixou muito perturbada. 

— Meu pai morreu quando eu tinha dez anos, logo depois minha mãe se casou e eu achei tudo muito estranho porque os dois se amavam muito e mesmo com o novo marido ela vivia triste... 

E por duas horas inteiras Thomas me contou tudo,  cada detalhe da sua historia conturbada e terrível.  Me contou como foi abusado pelo padrasto por anos e como sua irmã, Aline, foi a sua salvação, me contou todas as trinta vezes que tentou se matar e desistiu, pela irmã. 

Sempre pela irmã.

Ele a protegeu o quanto pode, mais aos dezoito não aguentou e saiu de casa, fugiu de tudo e foi para o mais longe o possível. Tão longe que saiu dos Estados Unidos para se estabelecer na Inglaterra. Me contou dos pesadelos que tem todas as noites, de como ele ainda sente as mãos do homem que abusou dele por anos toda vez que alguém o toca. 

— Mas nós... você e eu... — não consigo colocar em palavras 

— Não sei o que houve, mas aquela noite foi a primeira que dormi em anos. Foi diferente com você — diz com a voz embargada 

Arregalo os olhos sem entender muito bem o que aquilo quer dizer. 

— Thomas eu... 

— Não me encare tão desesperada, Loirinha — ele da um sorriso, o que eu acho completamente incrível e estranho — Não estou revelando meu amor por você, é somente a verdade. Não foi o que me pediu? — arqueia as sobrancelhas  

— É — assinto meio desnorteada — Foi o que eu pedi — murmuro 

Ele mantém o sorriso e volta a me contar, todo o pânico noturno, ansiedade e a depressão que o consumiu. Tantos traumas e problemas mentais em um só lugar, traumas que eu não faço ideia de como resolver. 

Tenho minha própria história, dor e sofrimento e jamais diminuiria isso, mas também sei identificar problemas sérios e aterrorizantes. Tenho apenas vinte anos, por mais quatro Thomas é mais velho que eu e agora o vejo como um garotinho assustado, quero muito ajuda-lo mas não posso usar opinião. Tenho que ser profissional e infelizmente não sou isso. Ainda não, pelo menos. 

— Você quer que eu faça o que? — Rubens pergunta com os olhos arregalados

— Quero que seja terapeuta de Thomas Fontaine — repito 

— Você sabe que não estou formado ainda, não é mesmo? — estreita os olhos

— Pare de falar comigo como se eu fosse uma idiota — reclamo com uma careta — Ele precisa de ajuda e não conheço ninguém mais competente para fazer isso. 

— Pode ao menos me contar com o que estou lidando? — pergunta batucando os dedos na mesa de jantas 

— Não. — desvio os olhos para minha geladeira 

Tem uma foto minha e  da Nina presa ali, de quando roubamos um diamante em Milão, nos divertimos muito naquela tarde antes de tudo quase dar errado. Duas crianças vagando pelo pais, como se soubesse exatamente o que estavam fazendo. Não sabíamos. 

Aprendi a lição de nunca fazer algo por pura força de vontade, o conhecimento é a única forma real e segura de ajudar alguém. 

— Quer que eu ajude um cara sem nem que eu saiba do quadro dele — o loiro me encara confuso 

— A historia não é minha para contar, mais sei que depois de falar comigo você vai conseguir ajuda-lo. 

— Isso não tem nenhum sentindo — ele nega com a cabeça — Nina, amor, pode me ajudar aqui? — ele chama minha irmã que esta na sala 

— Quando minha irmã põe alguma coisa na cabeça, nem mesmo eu consigo tirar — Nina responde 

Sorrio para seu namorado e ele suspira frustrado. 

— Diga para ele me encontrar em um café. Conversamos e vejo o que posso fazer —  diz finalmente cedendo 

— Obrigada Rubens! Você não sabe como esta me ajudando — sorrio triunfante 

Meio relutante meu cunhado abre um pequeno sorriso e assente. 

Deitada na minha cama penso no que aconteceu antes que eu saísse da casa do Thomas, eu o abracei e sugeri que ele procurasse alguém para conversar e o ruivo prometeu que tentaria, mas só com alguém que eu confiasse.

Sem pressão alguma, penso com ironia.

Mesmo no ultimo ano da faculdade, Rubens sabe exatamente o que esta fazendo e confio nele para ajudar Thomas, na verdade acho que ele pode fazer bem mais que isso. Claro que eu não disse isso pra ele, não seria justo jogar esse fardo em alguém que mal começou a carreira. Por mais que eu confie nele é sempre bom tomar cuidado.

Mas não consigo parar de pensar no padrasto e na irmã, imagino se aquele homem parou com a fuga do filho, imagino se não esta fazendo o mesmo com a pobre garotinha. A raiva faz meu sangue ferver, eu poderia ir até a cidade dos anjos e matar o desgraçado, poderia tortura-lo e iria gostar disso, mas isso não resolveria as coisas e eu estaria me tornando tão podre quando Ele o desgraçado que me ensinou tudo isso. E isso não sai da minha cabeça durante a noite toda.

Gente vocês estão gostando do livro?? Comentem aqui!!! E votem, por favor, ajuda o livro crescer.
O watppad bugou por isso não teve capítulo terça, como sempre a plataforma tendo um funcionamento impecável....
 

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top