CAPÍTULO 5




Na manhã seguinte, Francisco segurou a cabeça com ambas as mãos quando contaram pra ele tudo o que tinha acontecido na véspera.

_Mas que merda eu fui aprontar desta vez, gente? _disse o rapaz se debruçando na mesa inconsolável. _Alguém lá em cima não deve gostar de mim, porque a última pessoa que poderia ter me visto daquele jeito era o Mateus!

_Quantas vezes eu já te falei que a gente só usa drogas perto dos amigos? _ era Simone nervosa andando de um lado a outro com as mãos na cintura. _Você não pensa,  não?

Francisco teria dito que não estava a fim de escutar sermões, especialmente de alguém que também era viciada, mas estava na casa de Simone e tinha que pegar leve.

_Mas eu estava com alguns amigos e..._ele tentou se defender.

Ela o interrompeu, como se fosse uma mãe nervosa parando na frente do filho com os braços cruzados no peito:

_Deixe-me adivinhar...Estava junto com a turma do Clemente, aquele marginalzinho do terceiro período, acertei? Aquele puto que não vale o que come!

Francisco tentou ganhar tempo, já que era óbvio que tinha feito merda na véspera:

_O que você tem contra o Clemente? Ele é gente boa!

Foi a vez de Calado apelar:

_Tão gente boa que te deixou vir sozinho  neste estado pra casa!

_Preciso lembrar que o Clemente não é o meu pai?

Calado e Simone não queriam escutar o que o amigo dizia e se revezavam no sermão sem dar trégua:

 _E o seu carro...vai saber onde está o seu carro...

Francisco esfregou a  têmpora, como se isso fosse ativar a sua memória:

_Eu me lembro que tinha um buraco na pista...

_Lembra nada...chegou aqui completamente fora de si...

_Eu perdi o controle...

_É o que acontece quando se está chapado e assume a direção de um carro...

_Caí numa vala, acho...ou foi  num bueiro...

_Você poderia ter morrido...

_Não consegui sair...

_E será que foi lá que o seu tio te resgatou?

Francisco respirou fundo e protestou:

_Ele não é o meu tio, quantas vezes eu vou ter que repetir isso? Ele é o irmão adotivo do meu pai e nunca foi uma pessoa presente na minha vida! Detesto esta ideia fixa do Mateus agora querer posar de meu tio!

_Entendo você, belo, porque vendo um homem gostoso daqueles perto de mim, a última coisa que eu iria querer é ser da mesma família que ele!

Simone não se conteve:

_Pare de falar besteira, Calado, porque a gente também está atolado nessa até o pescoço, caso você  ainda não tenha percebido!

Calado não se intimidou e continuou falando com  Francisco:

_Ah, mas numa hora dessas, você deveria agradecer a Deus por ele se considerar sim o seu tio, porque se fosse outra pessoa, teria te estuprado e deixado pra morrer na beira da estrada! Ou talvez nunca encontrassem o seu corpo, Francisco!

_Ei! Quanto drama! Dá um tempo, tá bom? _ Francisco apelou sem se conter.

Simone bateu forte na mesa, assustando os dois amigos:

_Dá um tempo porra nenhuma, porque nós dois aqui vimos a cara furiosa  do seu tio que, aliás, não falou uma única palavra quando veio te despejar aqui!

Simone desabafou:

_Eu sei que não consegui pregar os olhos a noite inteira esperando a polícia bater aqui na porta...Quase tive uma crise de pânico, a verdade é essa!

_Bom pra você, minha querida, porque eu dei umas cochiladas e só tive pesadelos! _ Calado completou. 

_Não iriam achar mais do que uns cigarrinhos de maconha e isso não dá cadeia pra ninguém, eu garanto. _Francisco falou impaciente ainda achando que era exagero dos dois amigos. _Aliás, seria bom eu fumar um  agora, porque podem apostar...eu estou precisando...

Simone  agarrou Francisco pelos ombros e sacudiu o rapaz  fora de si:

_Tivemos que virar a casa de cabeça pra baixo pra fazer uma limpa, imaginando que a polícia iria fazer uma busca e pode ter certeza de que nem vinagre de álcool deixamos passar!

_Me preveni e joguei fora até um incenso que eu gostava... _ Calado lamentou. _Sabe como esse povo tem talento pra virar o jogo contra as pessoas a fim de incriminar todo mundo.

Novamente, Francisco apelou impaciente:

_Eu pisei na bola, admito, tá bom? Mas eu não podia adivinhar que aquele sacana do Mateus iria me trazer pra cá e isso iria deixar vocês dois pirados desse jeito!

_Seu pai é montado na grana, mas e nós? E nós, hein? _ Simone perguntou descontrolada. _Sabe o que eles fazem com pessoas trans dentro de um presídio, Francisco?

_Misericórdia! _ Calado gemeu. _Bem dizem que quem dorme com criança acorda molhado.

_Não sou criança!

Novamente foi  Simone quem falou, porque realmente parecia preocupada com Francisco:

_Mas está agindo feito uma desde que se assumiu gay e especialmente desde que começou a usar drogas!

Calado completou a fala da amiga:

_E aí foi atrás justamente do podre do Clemente! Isso depois da gente te dar a ficha de tanto carinha gente boa...

Francisco resolveu dar um basta:

_Quer saber? Vocês dois estão piores do que o meu pai, sabiam? Que saco! Já foi...já passou! Se o Mateus não veio até agora melar a coisa toda, não vem mais! Além disso, eu tenho certeza de que se eu falasse com o meu pai, caso desse merda pra vocês dois, ele limparia a barra de vocês dois!

Simone passou a mão pelo rosto tentando se conter:

_Me segura, Calado, porque senão  eu juro que  vou arrear as calças deste garoto e vou dar uma dúzia de palmadas no traseiro dele...

Francisco deu um passo atrás, temendo que ela cumprisse a ameaça!

_Nem tente...Fala com ela, Calado...

_Ah, meu filho...até a minha mão está coçando pra fazer o mesmo e eu te garanto que dois contra um só pode ter um resultado! 

_Gente, calma aí... 

_Então desembucha logo...Você acha que o seu tio contou algo para o seu pai? Acha que o seu velho vai surtar e virá atrás da gente?

Antes que ele respondesse, Simone perguntou:

_ Você por acaso deixou escapar que fomos nós que te demos droga pela primeira vez?

_Fiquem frios, porque o que mais tem naquela faculdade é aluno vendendo drogas pra completar o valor da mensalidade. Claro que eu não vou querer prejudicar vocês dois nessa e não...nunca falei com ninguém que foram vocês que me ofereceram droga pela primeira vez!

Simone fechou os olhos com força e coçou a cabeça se sentindo uma tola:

_ Mas que perda de tempo...Ele nem sabe o que está dizendo, já que até confessou para o bonitão lá que é gay!

Francisco ficou pálido:

_Ele disse que eu falei que sou gay?

_Você mesmo nos contou que ele descobriu.

Francisco se desesperou:

_Aí fudeu de vez! O meu tio com certeza não vai deixar passar essa e vai logo dar com a língua nos dentes ...ele vai contar para o meu pai!

_Não me admira se o seu pai  arranjar uma clínica psiquiátrica fora do pais e te internar lá pra curar a veadagem e o vício!

_Vira esta boca pra lá, Simone! Quer saber? Tenho certeza de que o Mateus não é nem doido de contar nada disso para o meu pai! Ele sabe que o meu pai teria um infarto fulminante se soubesse disso! Aliás, o meu tio não deve ter contado nada sobre ontem para o meu pai!

_Espero que você esteja certo, porque a última coisa que a gente precisa neste momento é ter a polícia vindo fuçar as nossas vidas.

Francisco olhou de um para o outro e falou:

_ Até parece que já perderam o réu primário... 

_Vira esta boca  pra lá...

_Nem tanto...

Era hora do herdeiro de Elias Monteiro saber onde estava se metendo, realmente:

_Vocês não me contaram que estavam com o nome sujo!

_Ah, me poupe que todo mundo tem sujeira escondida debaixo do tapete...Você mesmo estava junto ontem com um traficantezinho de merda que com certeza deve ter muito o que esconder na casa dele! _Simone falou.

_Não me lembro de ter entrado na casa dele...Mas não mudem de assunto...Fizeram algo que deveriam ter me contado?

Os dois deram de ombros, talvez tentando minimizar o que viria depois.

_Quem nunca usou um documento falso pra se dar bem, ou mesmo invadiu um estádio pra ver um show sem pagar que atire a primeira pedra! _ começou Calado.

_Sem falar que a gente está devendo três meses de aluguel... _Simone prosseguiu. 

_E você usou o dinheiro que era pra pagar a dívida na farmácia pra pagar a água e a luz.

_Era ficar na escuridão e sem água, ou pagar os nossos remédios...

_Melhor parar por aqui e que ninguém venha meter o nariz onde não é chamado!

Simone olhou para Francisco e implorou com as mãos postas:

_Por isso, meu filho...sai logo daqui, volta pra casa e dê um jeito de calar a boca do seu tio, ok?

Francisco reconheceu que o melhor mesmo seria voltar logo pra casa a fim de saber se Mateus tinha colocado a boca no mundo. Levantou-se e dirigiu-se até a porta do apartamento.

_Pois escrevam o que eu estou dizendo...se eu me safar dessa, eu juro pra vocês dois que nunca mais vou usar drogas e ainda vou arranjar um apartamento melhor do que este pra vocês dois e  o aluguel será por minha conta!

Simone revirou os olhos:

_Falou o carinha que nem sabe se neste exato momento o papai está te deserdando por imaginar que uma biba viciada não merece carregar o sobrenome dele!

Francisco finalmente foi embora apreensivo. Ele gostava do pai e sabia que o pai gostava dele, mas duas notícias pesadas como aquelas de uma só vez realmente poderiam fazer Elias Monteiro mudar de opinião. 

Elias tratou o filho normalmente, o que indicava que ele não sabia de nada, para alívio de Francisco.

Surpreendentemente, como se tivesse se esquecido do ocorrido, Mateus não tocou  no assunto com o sobrinho.

Francisco chegou à conclusão de que Mateus poderia ter pensado que um escândalo como aquele iria  atrapalhar os negócios da família e o melhor seria fingir que nada tinha acontecido. 

 Aliviado, Francisco cumpriu a promessa que havia feito e deixou de usar drogas a partir daquele dia. Também passou a evitar Clemente, pois não estava em seus planos se envolver com um traficante. 


___&&&___

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top