Capítulo 30 - Sonhos são apenas sonhos

Por Estela

Ele estava longe.

Longe demais para alguém que prometeu ser meu porto seguro para sempre.

Talvez o "para sempre" fosse apenas uma ilusão, uma frase bonita dita para preencher silêncios. Talvez eu tivesse sido apenas uma peça no tabuleiro dele, uma marionete que, ao perder sua serventia, foi descartada.

Mas não, isso não parecia certo.

Havia algo nos olhos dele, naquela expressão carregada de tristeza, que não combinava com indiferença. Era como se carregasse um sofrimento escondido, uma dor que não me deixava culpá-lo completamente.

Precisei me sacudir desse pensamento.

1, 2, 3...

Despertei num pulo.

Estava suada, a respiração ofegante. O quarto parecia menor, sufocante. O relógio marcava exatamente duas horas da manhã. Enzo se mexeu ao meu lado, mas não acordou. Agradeci silenciosamente por isso enquanto me levantava, sentindo a necessidade de me recompor.

Caminhei até o banheiro da suíte e encarei meu reflexo no espelho. Meu rosto estava pálido, os olhos fundos, como se o pesadelo tivesse drenado toda a energia de mim.

A última vez que tive sonhos como aquele foi depois de um término devastador. Precisei de dois anos de terapia para colar os pedaços de mim mesma.

Fechei os olhos e respirei fundo, tentando acalmar minha mente. Foi então que senti um par de mãos quentes envolver minha cintura. Meu corpo congelou por um segundo antes de ouvir aquela voz que parecia música:

— O que houve, mi amor? — A voz rouca de Enzo, ainda embriagada de sono, ecoou suavemente.

— Só um pesadelo — murmurei, sem forças para entrar em detalhes.

Oh no, no. Pesadillas son una tristeza. — Ele estava tão sonolento que seu espanhol saiu automático, algo que só acontecia quando ele estava completamente à vontade. — Venha, volte para a cama comigo.

Sem protestar, deixei que ele me guiasse de volta ao quarto. Seus braços me envolveram com força, e por um momento, quase acreditei que tudo ficaria bem.

Ainda assim, uma ideia persistia em minha mente.

Eu precisava contar a verdade para ele.

(...)

A manhã chegou cinzenta, acompanhada de uma fina garoa que insistia em marcar presença. Eu praguejei em todas as línguas conhecidas por ter que encarar o dia após uma noite tão mal dormida.

Lutei contra a claridade que insistia em invadir o quarto, escondendo-me debaixo do edredom como uma criança tentando escapar da realidade.

— Já acordou? — A voz de Enzo cortou o silêncio.

— "Acordar" é um termo muito forte — murmurei, a voz abafada pelos cobertores. — Eu diria que abri os olhos de forma culposa, sem intenção real de despertar.

Ele riu, um som caloroso que parecia um abraço em forma de som, ele não sabia o quão reconfortante a voz dele soava para mim.

— Desde quando você ficou tão preguiçosa, chiquita? - Seu semblante leve me causava borboletas no estômago.

Desde quando descobri que estava grávida, pensei, mas engoli as palavras.

— Olha lá fora, Enzo! Está um dia horrível. Hoje é sábado, e honestamente, acho que não há nada melhor para fazer do que ficar aqui, enrolada nos cobertores. Me dê esse desconto.

Ele sorriu de canto, aquele sorriso que fazia meu coração dar piruetas, e só então notei o quanto ele estava lindo.

Enzo usava uma calça de moletom xadrez, e sua pele desnuda revelava o corpo que, embora não fosse musculoso, tinha uma perfeição que sempre me arrancava o fôlego. Seus cabelos negros, levemente desgrenhados, caíam sobre os olhos, teimosos e charmosos como sempre.

— Você me convenceu. — Ele se deitou ao meu lado, puxando-me para perto. — Por isso, proponho um dia de filmes e muita porcaria para comer.

— Posso me acostumar com isso. — Ri, aninhando-me em seu peito.

— Então acostume-se, porque, se depender de mim, isso vai virar rotina. — Ele afastou uma mecha de cabelo que caía no meu rosto, seus dedos leves como uma carícia.

Aquele parecia o momento certo. Talvez fosse a hora de contar sobre a gravidez. Mas antes que eu pudesse abrir a boca, Enzo se levantou repentinamente.

— Aonde você vai? — perguntei, confusa.

— Preparar algo para nosso dia de preguiça. — Ele piscou para mim, um gesto carregado de malícia.

— Quer ajuda?

— Eu até gostaria, mas sei onde isso vai acabar. — Ele riu, me lançando um olhar sugestivo.

Revirei os olhos, rindo também, enquanto ele desaparecia pela porta.

Voltei a me deitar, encarando o teto por alguns minutos até ser arrancada dos meus devaneios por uma ligação. Peguei o celular e vi o nome de Alicia na tela.

— Finalmente lembrou que tem uma amiga, hein? — brinquei ao atender.

— Também estou feliz em ouvir sua voz, amiga. — A voz dela era cheia de culpa. — Me desculpe por ter sumido.

— O que houve? - Eu podia sentir o tom carregado de sua voz.

— Estou com saudades. De verdade. Quando você volta para o Brasil? - Ela não parecia estar sendo cem por cento honesta.

— Alicia, o que aconteceu? Foi o Matías? Ele fez algo com você?

— Não! Não! O Matías é perfeito! — Ela respondeu rápido demais, como se quisesse evitar qualquer suspeita.

— Então me diga o que está acontecendo. - Pedi.

Ela suspirou, e eu soube que vinha notícia ruim.

— É o Bruno... — A voz dela quebrou, cheia de peso. — Ele sofreu um acidente. Está muito mal.

Senti meu corpo gelar, como se o chão tivesse desaparecido debaixo de mim.

— Como assim? O que aconteceu? - Minha voz havia perdido qualquer entonação.

— Ele estava bebendo demais desde que você foi para o Uruguai. Pegou o carro depois de uma festa e capotou na rodovia principal. Foi essa madrugada. - Ela respondeu.

— Eu não deveria ter ido embora sem falar direito com ele... — minha voz era um sussurro.

— Nem comece com isso! — Alicia me cortou. — O Bruno é adulto, Estela. Ele é responsável pelos próprios atos. Você não vai carregar essa culpa. Só me diz que você vem, por favor.

Respirei fundo, sentindo as lágrimas descerem silenciosamente.

— Vou procurar o próximo voo.

Alicia se despediu, e eu chorei pela segunda vez naquele dia.


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Voltei hein!

Estela começando a ficar com peso na consciência por não ter falado ainda sobre o baby e um acidente que pode mudar o rumo das coisas...

É culpa atrás de culpa, meu Brasel!

Teorizem!!!

Obrigada pelo carinho de sempre, um beijo da tia Vick <3

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