Capítulo 5

André bocejou por um instante, estava cansado e já sentia seu corpo começar a ficar pesado devido ao sono. Estava sentado em uma mesa no canto na sala observando a pensão de sua sogra. Havia acabado de deixar Taís e no momento custava dar fim a uma latinha de refrigerante que comprou mais cedo.

Dulce gostava muito dele, o achava um rapaz bom e trabalhador. Sempre que podia tentava ajudá-lo e fazia muito gosto do namoro e do futuro compromisso entre ele e sua filha. No entanto, também ficava bastante preocupada com ele. Seu sonambulismo poderia acabar provocando um acidente qualquer hora dessas. Isso a deixava receosa pelo rapaz já que ele nunca tinha procurado tratamento, ele porém não tinha a mesma preocupação. Possuía total consciência de sua situação e não via toda essa periculosidade apresentada várias vezes pela sogra através de conselhos, atribuía essa insistente preocupação dela ao fato de ser mãe.

Segundo ela, sua condição poderia acabar fazendo-o se machucar qualquer hora dessas.

André estava esperando a chuva passar para ir embora e enquanto isso observava o movimento. A briga entre Inácio e o hóspede de terno que se identificou como Lucas acabou o preocupando, sentia que aquele o homem não deixaria de revidar de alguma forma.

E como sempre, Inácio continuou arrumando confusão. André pensou que o pior aconteceria quando a mulher o ameaçou com o canivete, a coisa acabou ficando muito séria muito rápido e o olhar determinado de ambos demonstrava isso. Ele saltou da cadeira quando Inácio se moveu para cima de Dulce mas se conteve ao ver a mulher, identificada como Suly, entrar na frente. Pensou que aquela atitude acabaria piorando tudo, felizmente terminou relativamente bem.

No entanto, nada o deixou mais perturbado do que a presença dos irmãos Lima na pensão e sua conversa com Inácio na varanda. Não eram boas pessoas, André conhecia a fama deles.
Eram criminosos famosos e temidos. Provavelmente possuiam uma extensa ficha na policia por roubo, tráfico e coisas do tipo. E hospedados ali, eram um perigo tanto para Dulce quanto para Taís agora que Inácio deu a entender que teria negócios com eles.

Filho da mãe, desgraçado, ele perdeu completamente a noção do perigo.

André se levantou e seguiu até o balcão assim que eles subiram para seus quartos.

- Já está indo? – perguntou Dulce. – Não é melhor esperar a chuva passar?

- Não, não estou indo. – Ele se debruçou no calção e começou a falar num tom mais baixo. – Dona Dulce, posso dormir aqui essa noite? No quartinho dos fundos? Não quero deixar a senhora e Taís sozinhas essa noite - ele virou levemente a cabeça para o salão onde Inácio estava sentado e depois para o teto, como se olhasse para o segundo andar. Dulce seguiu seus olhos, olhando nas messas direções. – Não me parece seguro – disse, por fim.

- Ah, não se preocupe. Está tudo bem.

- Eu me sentiria mais tranquilo se pudesse ficar.

- Se você insiste, então tudo bem.

***

O diminutivo "quartinho" usado por André não era nem de longe um exagero, condizia totalmente com as dimensões do cômodo. Não era exatamente um quarto, servia mais como depósito, mas não havia muita coisa ali no momento, apenas algumas caixas esquecidas no canto esquerdo.

Dulce estendeu o colchão já meio surrado e jogou sobre ele uma coberta decorada com quadrados pintados em
diversos tons de azul.

- Eu poderia fazer isso – André disse. – Não precisava se incomodar.

- Claro que precisava, não seja bobo – respondeu ela. – Pronto. Agora só vou pegar um travesseiro e já vol.. – um ruído de ferro chiando e moedas batendo interrompeu sua fala.

Dulce olhou para o nada esperando a confirmação do que já imaginava ser a origem daquele barulho. André a encarou e ela o olhou de volta.

Dulce largou a coberta e deixou o quartinho apressada. Seu passos caminhavam largamente pelo piso de madeira em direção ao balcão. Ao atravessar a passagem, teve sua suposição confirmada. Inácio estava mexendo na caixa registradora. Algumas notas já podiam ser vistas na mão esquerda dele, as moedas pareciam não o interessar. Dulce avançou sobre o homem puxando de sua mão as notas que quase se rasgaram no processo. Inácio assustou-se com a atitude inesperada.

Ela guardou tudo de volta e o empurrou enquanto dava-lhe tapas em seu braço. Ele estendeu as mão para se proteger mas não obteve sucesso pois no momento em que seu braço se mexeu demais para um dos lados, ela acertou um tapa certeiro em seu rosto. Ambos paralisaram. Dulce estava ofegante o encarando e se arrependeu momentaneamente pelo que fez, não sabia o que poderia estar por vir. Inácio virou seu rosto furioso marcado de vermelho e agarrou os punhos dela com força, apertando-os.

- Me... solta – ela reclamou tentando retirar as mãos.

Tomado pela raiva, ele empurrou os braços dela que se desequilibrou e caiu de costas no piso recém-limpo. André chegou correndo e se apressou em ajudar a sogra a se levantar, ela dizia estar bem mas sua mão esquerda sob sua coluna indicava que a dor claramente era real.

- Não se aproxime – o rapaz disse enfurecido ao olhar para Inácio.

- Não me diga o que fazer seu moleque! – rebateu ele.

- Vá embora!

- Você que deveria ir embora. Essa não é sua casa. E você não é da família!

André ajudou Dulce a se sentar em uma cadeira atrás do balcão e depois se virou para Inácio, ele continuava parado no mesmo local. Seus dentes cerrados indicavam sua raiva.

- Se você não estivesse tão bêbado saberia que essa também não é sua casa, e que você não é mais da família.

- Muleque abusado – disse fazendo uma linha na diagonal ao balançar o braço na frente do rosto. Inácio fingia tratar o rapaz com indiferença a maior parte do tempo, mas a verdade é que ele não o suportava. Porque olhar para André era como ver o pai do rapaz e se lembrar do desentendimento que tiveram quando mais jovens, do qual o rancor ainda permaneceu depois de tanto tempo. – Nem entrou na família ainda. É por isso que digo que não quero esse casamento entre você e Taís.

- Não é você quem decide isso – Dulce disse de trás. – André é um bom rapaz. E o mais importante: eles se gostam. Não tenho nada contra.

- Mas eu tenho – ele disse. – Minha opinião tem que ser considerada.

- Vá embora Inácio – respondeu ela se levantando. – Não somos mais casados e você não é o pai de Taís. Se tivesse sido pelo menos um bom padastro para ela eu até iria te escutar, mas nem isso você foi. Agora vá embora. Já chega! Já está no hora de você ir.

- Não pode me expulsar sua... – ele avançou na direção dela mas parou no mesmo momento ao ver André entrar na sua frente. Ele segurava um canivete preto de lâmina média, ele o apontou para o rosto de Inácio o fitando.

- Estou cansado de você me olhando torto e inventando mentiras sobre mim para Taís querendo que nosso namoro acabe. Não sei qual é o seu problema comigo, só sei que não vou mais tolerar você dando opiniões no meu namoro com ela. Mais do que isso, não quero te ver novamente por aqui perturbando dona Dulce. Pensa que não percebi você conversando com os irmãos Lima?! – disse. Inácio desmontou a pose ameaçadora. – Eles estão aqui. E por sua causa. Sua presença traz risco para Dulce e Taís que não tem nada a ver com seus negócios ilegais.

Inácio não respondeu.

- Agora vá embora!

- Não tem como eu ir agora. Está chovendo muito – ele disse já derrotado mas ainda firme.

- Não me importo. Não me escutou?!

- André – chamou Dulce por trás. Ela se aproximou abaixando o braço dele e em seguida olhou para Inácio. – Tem um sofá no saguão. Durma nele. Mas amanhã de manhã não te quero mais aqui. Entendeu?!

Inácio não rebateu nem nada. Ele afastou alguns passos e se virou atravessando o saguão até o outro lado onde estava o sofá marrom. Ele se jogou sobre o móvel liberando um barulho de ferro sendo prensado, em seguida virou o rosto para o lado do encosto e colocou as pernas sobre o apoio de braço.

André e Dulce observaram a cena atentos. Ela enfim suspirou de alívio ao sentir que ele estava mesmo tentando dormir e que não levantaria mais aquela noite.

- Que bom que nada aconteceu.

- Inácio só ameaça... – André disse olhando a figura que mal cabia sob o sofá.

André passou o braço pelo ombro dela a trazendo para mais perto.

- A senhora está melhor?

- Sim estou – respondeu tocando de leve a mão dele que estava sob o ombro.

- Não dê importância para o que ele disse sobre seu casamento com Taís – ela disse. André ficou em silêncio por um momento.

- Certo.

Dulce olhou em volta.

- Que bom que ninguém mais viu. A pensão está lotada, se os hóspedes estivessem aqui e vissem essa cena, nunca mais iriam retornar. E as coisas já não estão boas.

- Calma. Ninguém está acordado a essa hora – ele respondeu.

André não poderia estar mais errado.

- Vamos dormir... – disse e ficou observando Dulce subir para seu quarto que também ficava no segundo andar, mas do lado oposto ao dos hóspedes.

Depois seguiu para seu quartinho, fechou a porta e se jogou sob o colchão cheio de partes sem espuma.

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