Capítulo 18
Santos iluminou os rostos presentes checando se todos ainda estavam ali. Certo de que ninguém ainda havia fugido, ele se perguntou se eles ainda não haviam notado que a chuva tinha parado de cair. Torcendo para que ficassem presos no clima de medo já criado, ele passou pela porta e iluminou o espaço.
No chão estava jogado um colchonete de qualidade duvidosa e em cima dele uma coberta em tons de azul não muito diferente. Santos levantou o objeto para olhar por baixo, e não vendo nada ele soltou o mesmo fazendo uma leve camada de poeira subir no ar.
Os cantos do cômodo estavam ocupados por caixas de papelão envelhecido. Santos começou pelo lado esquerdo clareando as caixas por cima, ele abriu algumas delas para ter certeza de que não havia nada ali, e como não tinha, passou então para o lado direito do cômodo e repetiu o processo.
Era apenas mais um amontoado de poeira do lado de fora e materiais de limpeza do lado de dentro. Ele se pôs de pé descansando o braço esquerdo, o que fez com que o lampião que estava em sua mão ficasse pendurado na altura do joelho. Seus olhos focaram no objeto enquanto ele balançava e sua memória acabou o levando até suas conversas com sua vó, nas quais ela contava o quanto sua família usava esse objeto durante sua infância.
É mais leve do que pensei que seria.
Sua parada para pensar foi percebida pelos hóspedes e ao escutar alguém tossindo ele voltou à realidade da sua situação. Santos deu um passo, ele formulou o que faria a seguir, o objeto balançou no movimento e pelo canto do olho...
Algo brilhante chamou sua atenção.
Ele voltou para dentro e mudou o ângulo da luz.
E viu.
Santos se agachou, esticou a mão e pegou pela ponta da lâmina do canivete, onde provavelmente ninguém teria pego. O sangue ainda respingava da lâmina. Ele levantou sua mão na altura do rosto e um leve e rápido sorriso passou pelo seu rosto por ter encontrado a arma do crime. Mas então se entristeceu pelo fato mais desagradável de tudo isso: onde a tinha encontrado.
As expressões de surpresa começaram antes mesmo de Santos passar pela porta. Ele segurava o canivete o estendendo no ar e quando entrou em definitivo no saguão Dulce saltou para trás com a mão cobrindo o rosto apavorado. Suly deu um passo para trás por instinto, mas logo caminhou para o lado ao perceber que estava se aproximando do corpo de Inácio.
- Foi ele! – Suly gritou apontado para André. Ele se virou bruscamente na direção dela com uma expressão de indignação. – Lucas... Lucas me disse que o viu discutindo com o velho durante a noite. Ele me contou isso na cozinha e logo depois a luz acabou, e então... então, Lucas apareceu morto.
- Não! – Taís falou completamente incrédula. – Não pode ser – seus olhos estavam arregalados e as mãos na frente da boca. – Fala que não. Fala André!
- Não fui eu! – ele disse.
Santos se sentiu um pouco decepcionado pela descoberta, ele queria que fosse um dos irmãos Lima o culpado para que o processo já se adiantasse. Essa era um realidade que ele não esperava que surgisse.
- Taís – André tentou caminhar na sua direção mas Dulce puxou a filha mais para perto e se afastando.
- Não! – Dulce falou. – Por quê, André?
- Eu não...
- Não minta agora! – ela o interrompeu agressivamente. – Vocês não se gostavam, tinham suas diferenças e todos sabiam disso, mas chegar a esse ponto... três facadas... você o odiava tanto assim?!
- Não fui eu. A senhora precisa acreditar em mim. A senhora me conhece.
- Não. Eu achei que conhecia você.
- A senhora sabe que eu não faria isso. Eu não gostava dele, mas isso aí já é ir longe demais. Eu não teria coragem.
Dulce o fitou por alguns segundos analisando o que escutou, todos a olhavam esperando para ver qual seria o veredito dela, e então ela disse:
- Se não foi você, então porque a arma do crime é o seu canivete?
André ficou mudo. Ele tentou responder, abriu a boca uma vez e então duas mas não conseguiu formular uma explicação.
- Não fui eu – foi tudo o que ele disse.
Dulce, que estava esperando por uma resposta se entristeceu aceitando o fato de que seu generoso futuro genro era na realidade um assassino cruel de sangue frio.
Matar Inácio... com a gente dormindo logo no andar de cima...
Taís continuou agarrada à mãe com o rosto enterrado em seu ombro e chorando o quanto podia. Era difícil acreditar que todo seu futuro com ele havia sido jogado fora, que André não era de confiança, que ele era uma pessoa totalmente diferente do rapaz com quem namorava a mais de um ano.
Como nunca percebi nada?
Foi então que sua memória a levou até os dias em que ele é Inácio discutiam feio. No jeito com que André o olhava, relembrando agora ela pensou ser sua mente, afetada pela situação, que estaria transmitindo ser algo mais obscuro do que ela se lembrava.
Não! Era a realidade! Eu que não vi naquele momento. Estava bem na minha frente. Se eu tivesse reparado antes...
E a sentença final veio como um choque, ela retirou o rosto do ombro da mãe sem choro dessa vez. Taís o encarou com as lágrimas descendo pela bochecha e a boca entreaberta. Todos a encararam e o silêncio surgiu antes de ela engolir em seco antes e falar.
- Eu vi você indo se deitar logo antes de ascender a luz quando cheguei aqui embaixo... Depois do que aconteceu, você parecia não querer que eu prestasse o depoimento, parecia tentar me impedir de conversar com o policial – disse e Santos recobrou momento da pequena discussão, Taís estava calma e ele desconfiado. Sua memória lhe mostrou que até um argumento de "é ele ou eu" o rapaz havia tentado usar contra ela. – E quando cheguei na cozinha – Taís continuou –, eu comentei que não era a primeira vez que tinha prestado um depoimento por causa de Inácio, e aí você me disse "Não vai mais precisar fazer isso", de um jeito frio que não faz seu tipo.
- Por fa... Por favor... Eu... Você tem que acreditar em mim... – ele pediu já dando um passo para trás. Já imaginando o que aconteceria, Santos jogou o canivete na escada e partiu para cima do rapaz o agarrando pela cintura e o tirando do chão.
André tentou dar cabeçadas para trás mas ele era mais leve que Santos, apesar de ainda ser um pouco musculoso. Santos se assegurou de que ao fazer isso seus braços prendessem os dele contra o corpo para evitar escapatória.
- Pare de resistir André! Isso pode acabar aumentando sua pena.
- Não! – ele grunhiu de raiva fazendo força. – Me solta!
- Não resista! – Santos avisou.
Vendo que o rapaz não iria parar de se mexer ele o colocou no chão o mais rápido que pôde e antes de ele ter qualquer chance Santos o empurrou contra a parede da escada, seu rosto ficou prensado contra a madeira e Santos pressionava um braço nas costas do rapaz fazendo pressão.
- Vou pedir novamente André. Não resista.
O rapaz ainda respirava pesado. Por fim Santos juntou as mãos dele, usou seu corpo para pressioná-lo contra a parede ainda mais e então retirou sua gravata amarrando as mãos dele nas costas. Santos não queria ser agressivo com o garoto mas ele tinha matado um homem com três facadas e ele não poderia deixar brecha para fuga. Após apertar o nó ao ponto de o garoto reclamar de dor, ele se certificou de que tudo estava seguro e no fim o colocou sentado em uma das cadeiras.
Santos ficou em pé atrás dele suspirando um pouco pelo cansaço.
Uma olhada pelo ambiente e ele percebeu Dulce, Taís, Suly e Bento olhando para André que estava de cabeça baixa. Os olhares representavam desprezo, tristeza e susto e quando Santos levantou o olhar do rapaz seus suspiros chegaram a se cortar por um segundo. Bernardo estava o encarando com um sorriso que ele não entendeu, e quando começou a pensar no que significava, rapidamente decidiu que seria melhor não entender aquilo.
A luz da manhã apareceu tímida alguns poucos minutos depois.
- A polícia está a caminho – Santos anunciou. – Todos aguardem aqui, vocês vão precisar prestar depoimento.
- Infelizmente, nós temos negócios inadiáveis – Bernardo falou se mexendo. – Precisamos ir.
- Entendo, porém – Santos enfiou a mão por debaixo da camisa social e retirou uma pistola –, eu vou mandar vocês dois para o hospital se vocês derem mais um passo. Talvez eu erre e mande vocês para o cemitério também, quem sabe.
Dulce, Suly e Taís soltaram expressões de susto pelo ato repentino.
Santos usava uma camisa social bastante escura, larga e grande indo até para baixo da cintura, o suficiente para impedir que a arma aparecesse. Como a luz do lampião era fraca ele não precisou se preocupar muito em esconder completamente, já que a camisa escura e os dois crimes ajudaram a desviar a atenção dos outros.
Santos só não tinha uma algema no momento, e não poderia arriscar que eles tentassem fugir, por isso ele manteve a arma apontada na direção dos dois e não desviou o olhar nem por um segundo. Bento estava com uma expressão que parecia querer engoli-lo vivo, ou torturar ele até a morte. Bernardo porém soltou uma gargalhada.
- Braços cruzados na altura do peito – Santos ordenou. – Agora.
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