Capítulo 17
Assim que Santos passou pela porta entreaberta percebeu todos no meio da sala, somente os irmãos Lima não demonstravam claro pavor pelo que tinha acontecido. Santos deixou o paletó sobre uma das mesas e caminhou mais um pouco, Suly surgiu vindo em sua direção com o rosto atormentado pelo medo, e de repente seu corpo ficou mole e ela desabou, mas não foi ao chão pois Santos a segurou a tempo.
Ela não era muito pesada e o creme de pele, ou de cabelo, que usava provavelmente era muito caro pois Santos percebeu o cheiro forte, mas já se esvaindo, chegar ao seu nariz quando as mãos dela se posicionaram perto de seu rosto. Pessoas ricas compram coisas exóticas como queijos mofados, então ele abandonou observações inúteis e se concentrou em sacolejar de leve o corpo dela para que voltasse ao normal.
Ele pensou em dar algum leves tapas em seu rosto mas com sua mão suja daquele jeito essa seria uma péssima ideia, talvez até levasse um tapa quando ela acordasse e visse a sujeira que ele tinha feito. Ele usou o braço que não estava sujo para firmar o corpo e a sacudiu de leve. Aos poucos Suly despertou um pouco confusa resmungando coisas sem sentido, tentou se firmar de pé e de repente seus olhos se arregalaram olhando em todas as direções e Santos imaginou que ela teria se lembrado do que tinha visto inicialmente.
- O que está havendo aqui? – ele perguntou.
- Mataram um hóspede! Na cozinha! – Taís falou, e Santos mais rapidamente posicionou Suly de pé para que firmasse o próprio corpo e se encaminhou para o cômodo. No caminho ele pegou um lampião que estava no balcão, se abaixou ao lado do corpo iluminando a figura.
Lucas estava estirado no chão com um buraco no peito, a facada foi certeira no coração. Santos ponderou que fazer aquilo, naquele lugar e sem deixar ninguém perceber provavelmente significava que a pessoa estava desesperada. Seus olhos continuaram procurando por pistas até que uma mancha embaixo do corpo chamou sua atenção. Ainda estava meio tampado pelo cabelo, mas ele não precisava de tudo para se dar conta do que estava vendo.
Mesmo assim ele afastou a cabeça da vítima e olhou, sua respiração chegou a cortar na mesma hora e seu coração errou as batidas quando percebeu os símbolos desenhados com sangue na sua frente. Eram seis pequenas retas na vertical, duas delas com uma linha na horizontal atravessando as barras pelo meio em uma caligrafia tosca e exagerada.
Santos considerou se virar para encarar os olhares curiosos, mas sabia que se fizesse isso sua visão seria direcionada imediatamente para os irmãos Lima porque, com anos de experiência naquele trabalho não existia a menor possibilidade de ele não reconhecer o símbolo característico que a gangue deles usava para situações que acabavam tendo reféns como escudo. E duas daquelas retas estavam riscadas, ele sabia o que estavam querendo dizer. Fingir ignorância depois disso seria terrivelmente difícil, ele estaria andando em uma corda bamba, então aliviou a pressão nos ombros os relaxando, as coisas poderiam piorar demais dependendo do que ele fizesse no momento seguinte.
Não havia mais feridas pelo corpo, Santos se colocou de pé e deu alguns passos em direção à bancada, ele levantou o lampião na altura da cabeça e iluminou procurando por alguma faca que estivesse fora do lugar, mas todas as três que estavam em sua frente se apresentavam muito bem penduradas nos próprios ganchos.
- Dona Dulce – ele falou aumentando o tom de voz. A mulher respondeu começando a caminhar até ele mas foi impedida de continuar por um aceno de mão de Santos.
- Quantas facas a senhora tem aqui na cozinha?
Ela demorou um segundo para responder.
- Três.
- Certeza?
- Sim.
- Tudo bem. Pode voltar para a sala.
Os outros observaram a conversa mas não disseram nada. Santos foi até a pia e olhou para dentro, estava seco.
Finalizado sua busca ele voltou para a sala onde todos esperavam.
- Vou terminar a revista dos quartos – falou parado no primeiro degrau da escada. – Ninguém entra na cozinha. Me esperem aqui. – ele se virou para Taís ao terminar. – Qual é o seu quarto?
- O primeiro do corredor.
Santos subiu as escadas deixando o eco de seus passos viajarem pelo espaço, ele estava tão focado no acontecido e mergulhado em suposições que só quando chegou no quarto de Taís percebeu que não estava mais chovendo. Quando tinha parado de chover ele não sabia, mas pensou ter ocorrido quando analisava o corpo de Lucas e se focava em manter o autocontrole para não piorar a situação.
Santos iluminou o lugar usando o lampião e olhou no mesmo lugar que nos outros quartos, a janela estava aberta e debaixo da cama não havia nada. Assim que terminou a vistoria, ele seguiu para o quarto de Dulce, mas ao encostar na maçaneta sentiu uma vibração estranha na perna que o fez imediatamente afastar a mão assustado. Seu coração se acelerou pelo susto, estava em alerta já fazia horas e só relaxou quando a vibração se repetiu por mais três vezes. Ele suspirou de alívio ao perceber que era uma chamada telefônica, o sinal de rede havia voltado.
Ao notar isso ele abriu a porta do quarto e entrou, pegou o telefone e atendeu a chamada de seu amigo da polícia para o qual tinha ligado na noite anterior.
- Mas que inferno! Onde vocês se enfiaram que não apareceram ainda?! – seu sussurro era agressivo, apesar de ser baixo.
- Foi mal cara, ficamos presos a noite toda. Passamos a maior parte do tempo esperando a água abaixar para ver se conseguiríamos atravessar, e quando finalmente acconteceu descobrimos que a ponte havia caído.
- Por que não ligaram para alguma delegacia da capital então?
- Ligamos. Mas eles nem tentaram vir, já havia horas que a estrada daquele lado estava interditada por um deslizamento, um dos grandes.
- É o que!? – Santos colocou a mão na frente da boca e torceu para que ninguém tivesse escutado nada. Tudo parecia estar dando errado para ele e conspirando para os dois conseguirem escapar novamente.
- Eles ainda estão aí? – o outro perguntou.
- Sim. Estão lá embaixo.
- E como você ainda está vivo? Não te reconheceram?
- Depois explico. Quanto tempo ainda vai demorar para chegarem até aqui?
- Não sei. Fizemos algumas ligações e vão trazer uma escavadeira para tentar arrumar uma passagem, a gente tem que aproveitar essa chance para pegar eles.
- A máquina já chegou aí? Você já começaram?
- Não. Talvez demore... Ah, espera. A máquina está chegando. Deve levar mais meia hora até tudo estar pronto.
- De jeito nenhum! Agiliza isso o máximo que você puder! – Santos parou de falar e foi até a porta do corredor observar se havia alguém. Ele já estava demorando mais do que o suficiente ali em cima, precisava descer antes de surgirem suspeitas. Ele voltou o celular para o ouvido e pegou o final da fala do amigo.
- .... que nem parece o detetive conhecido que é. Você consegue enrolar eles mais um pouco, é simples.
- Bruno, escuta bem. Duas pessoas foram assassinadas nessa pensão depois que eu liguei para você. Eu estou investigando dois assassinatos e torcendo para que eles não me reconheçam porque ainda tem quatro civis presos aqui comigo. Já se passaram das... – Santos olhou a tela do celular rapidamente. – Já são mais de cinco e vinte, a chuva já parou de cair e daqui a pouco vai amanhecer, portanto eu preciso de você aqui em no máximo vinte minutos Bruno. Vinte minutos! Ou vou ser forçado a deixar eles escaparem. Você sabe que não posso arriscar a deixar que eles façam algum refém.
O outro lado da linha ficou mudo.
- Você entendeu? – Santos perguntou.
- Sim. Sim.
- Quando chegarem, cerquem a casa.
- Sim. Pode deixar. Vou adiantar o máximo que eu puder.
- Certo, eu vou esperar.
- Santos? – o outro falou antes de desligar.
- Sim?
- Não vamos demorar.
- Vou ficar esperando.
Só faltava um quarto. Como no de Dulce também não havia nada Santos desceu as escadas sendo seguido pelos olhos de Dulce e Taís que esperavam por uma resposta. Ele passou por eles e parou próximo ao quartinho.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top