Capítulo 14

Os passos de Dulce condiziam com sua idade e estado emocional. Ela chegou arrastando os pés e diminuiu ainda mais a velocidade ao se aproximar de onde o corpo estava. Quando seus olhos o avistaram ela rapidamente virou o rosto e fez uma pausa, depois encurtou a distância e arrastou a cadeira para se sentar.

- Se a senhora preferir podemos mudar as posições dos assentos para que a senhora não veja o corpo – Santos falou.

- Não – ela esfregou o nariz com as costas da mão e fungou firme. – Está tudo bem.

- Certo. Fale para mim sobre todas as suas memórias de hoje, por favor.

- Eu... – ela fungou novamente. – O dia estava normal como qualquer outro, quase nenhum cliente, o que já está comum há um bom tempo. Durante à tarde, Inácio... – ela engoliu em seco por um momento, depois inspirou firme de olhos fechados. – Inácio esteve aqui horas antes e foi embora, mas passou alguns minutos e ele reapareceu segurando umas garrafas de cerveja e com certeza com alguns bons goles na cabeça. Depois a hóspede loira chegou, Inácio tentou tocar seus brincos e ela se assustou com o gesto porque eles não se conhecem. Eles trocaram algumas palavras e ele se irritou com a atitude dela.

- Eles chegaram a ofender uns aos outros?

- Não. Só conversaram.

- Mas o clima ficou tenso, pelo que percebi.

- Sim, ficou. Inácio começou a me intimidar depois que tentei pegar a chave da mão dele e nisso a hóspede entrou na frente pra me defender. Depois disso ele brigou de novo, dessa vez com o hóspede em quem ele deu um soco. É isso, nada mais de importante aconteceu.

- Tem certeza? - Santos sinalizou um olhar em direção à cozinha e voltou o olhar para ela. Dulce assentiu confirmando.

Santos abaixou o olhar para o celular por um momento.

- Por que André estava brigando com a vítima? – perguntou.

- Ele não estava – sua postura de tristeza desapareceu e ela ficou ofegante, suas mãos se levantaram por cima da mesa em posição de defesa. – Não estava.

- Dona Dulce eu recebi um relato de alguém que afirma ter visto o rapaz e a vítima brigando aqui embaixo. Eu peço que não tente mentir, pois pode ser pior.

- Eu não… ele não... – sua boca ficou entreaberta por um período longo como se ela tivesse perdido as palavras, mas seus olhos ainda demonstravam seu medo em continuar aquela conversa.

- É melhor que me diga a verdade, assim posso chegar mais rápido ao culpado de tudo isso – ela se manteve do mesmo jeito sem formular nenhuma palavra. – A menos que a senhora não queria que eu descubra quem matou seu ex-marido.

- Não é isso – ela suspirou finalmente se rendendo. – André estava apenas me defendendo – ela começou, gesticulando com as mãos. – Inácio tentou roubar o caixa, eu tentei impedi-lo e André veio me ajudar, ele estava me defendendo apenas. Só isso. Inácio poderia ter me agredido se ele não tivesse chegado.

- Ele já te agrediu antes? – Santos a questionou.

- Não. Mas ele estava bêbado.

- E André? Ele tem algum histórico violento?

- Não! – ela se apressou em negar balançando a mão e a cabeça ao mesmo tempo. – Ele é um bom rapaz, ele jamais faria isso.

- Então por que a senhora tentou esconder a briga entre ele e a vítima?

- Eu... porque não queria que o senhor desconfiasse dele.

- Bem, então essa não foi a melhor decisão.

- Ele é suspeito? Não pode. Ele é um bom rapaz, ele me ajuda às vezes com a pensão, sempre respeitou a mim e a minha filha muito bem, é paciente... – ela tentava buscar em sua mente cada gesto bondoso ou coisa parecida da qual se lembrava mas não parecia estar conseguindo convencer o detetive. – Eu conheço ele!

- Mas eu não – respondeu Santos calmamente e percebeu por um segundo o olhar da mulher beirar o desespero. – E com certeza, a senhora está na mesma posição que eu por mais que pense o contrário. E não se sinta indignada, pois todos nessa cozinha e no planeta estamos nessa posição, não podemos afirmar que conhecemos uma pessoa totalmente, ninguém pode.

Segundos se passaram e Santos percebeu ela absorvendo a informação.

- E antes que a senhora me pergunte novamente, todos nessa casa são suspeitos.

- Até eu?

- Todos são suspeitos até que o culpado apareça.

Ela não disse nada, mas assentiu informando que tinha entendido.

- Onde fica o quarto da senhora?

- No segundo andar, do lado esquerdo.

- Escutou ou viu algum comportamento estranho da vítima nos últimos dias? Alguma briga? Discussão? Sabia se ele devia dinheiro a alguém?

- Brigas... – ela buscou na memória por um instante. – Direto ele tá dentro de um desses bares então ele já deve ter se metido em muitas. Uma ou duas vezes eu soube de algo, mas só quando a coisa ficava muito séria mesmo. Também não me lembro de ter escutado nada de importante. Fora isso, acho que... a única coisa fora do comum que aconteceu recentemente... foi essa visita que ele recebeu hoje.

- A dos dois homens que conversaram com ele na varanda?

- Sim, esses – ela abaixou a voz em um sussurro. – Eu não conheço eles nem nada, mas as pessoas comentam... dizem que eles não são boas pessoas, se é que o senhor me entende.

- Sim, acho que entendi. E Inácio é muito amigo deles?

- Acho que não, mas eles já trabalharam juntos várias outras vezes. Começou quando ainda éramos casados, ele recebia muito bem pelos serviços e eu não me importava porque nunca tinha escutado nada a respeito desses homens. Quando os negócios começaram a ficar piores aqui na pensão foi na mesma época em que os vizinhos e amigos começaram a comentar da fama das pessoas pra quem ele estava trabalhando, mas também não prestei atenção porque o dinheiro que ele recebia me ajudava bastante com as coisas aqui. E era um bom dinheiro, do tipo que demorava semanas pra conseguir com as diárias da pensão.

- Então é uma relação longa?

- Acho que sim – ela deu de ombros. – Mas uma coisa estranha aconteceu depois desse último serviço. Ele... veio me pedir dinheiro, porque o dele tinha acabado.

- Mas isso não é normal? Digo, vendo seu claro vício em álcool?

- Não, não. O serviço aconteceu tem menos de dois dias, ele não iria gastar tudo aquilo nesse tempo. Pode parecer que não, mas ele sabe quando parar, por mais inacreditável que essa informação pareça.

- Então... O quê?

- Ah, não tenho certeza. Talvez eu tenha achado estranho porque fomos casados por muito tempo e por isso me acostumei com o jeito dele, se bem que isso poder ser só um detalhe diferente que chamou minha atenção por ter fugido da rotina.

- Ele pode ter mudado o comportamento depois da separação, não? – Santos supôs. Eram duas situações diferente, realidades diferentes e, naturalmente, seria comuns se alguns hábitos mudassem também. – Eu estive aqui no salão observando o tempo todo e ele não me parecia ser do tipo que sabia a hora de parar.

- É... Pode ser. Quando éramos casados ele só bebia assim quando estava nervoso, ou preocupado.

- A senhora me disse que não sentiu nada suspeito vindo dele – afirmou Santos.

- É verdade – ela garantiu. – Mas eu não moro mais com ele, não tenho como saber o que está acontecendo. Ele mal me contava as coisas quando éramos casados, quanto mais agora que mal nos falamos. Isso é só uma impressão minha, não pensei que fosse o tipo de coisa que o senhor estivesse procurando.

- Todo detalhe é importante – Santos afirmou. – Mais alguma coisa?

- Não.

- Não ouviu nada durante a madrugada?

- Nem se eu quisesse, com essa chuva é praticamente impossível.

- Certo então. A senhora pode voltar para a cozinha. Chame o rapaz para mim.

Dulce deixou a sala e adentrou à cozinha sendo observada por olhares suspeitos. Devagar, ela andou até onde sua filha estava abraçada ao namorado e informou a André que a vez dele tinha chegado. Ele se desgrudou da moça oferecendo um “Já volto” e atravessou o cômodo em direção ao homem sentado de frente para ele no saguão.

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