Galistro

Bocejo.

Era único ato que fazia desde que iniciara a palestra de abertura: "A necessidade dos Curandeiros – Por que toda a alcateia deve ter um." Todo ano era a mesma coisa. Sim, Gabriel entendia a necessidade de um curandeiro, afinal não é como se um lobisomem pudesse ir a um hospital (ou mesmo veterinário) quando necessidade de ajuda clínica. Ter em cada alcateia um membro especializado para "cura" era a melhor opção criada pelo conselho. Também deve-se levar em consideração que grande parte dos ferimentos daquela raça sobrenatural podem ser curar sozinhos, logo não se faz necessário a formação de exímios médicos lobisomens ou algo do tipo. Também entendia o objetivo daqueles encontros anuais, pelo compreendia a essência: atualizar a aprofundar os conhecimentos dos curandeiros. Porém, não era só isso. Aquele evento era um dos poucos momentos que o conselho conseguia reunir representantes das mais diversas alcateias do mundo. Era um momento de formação como também de controle e avaliação.

Pelo menos o local escolhido para sediar as conferências deste ano era bem melhor do que o do ano passado. O hotel detinha todas as regalias necessárias para umas boas férias no litoral paradisíaco aonde se encontra a cidade. Gabriel desconfiava de todas essas mordomias. O conselho não entregaria tudo aqui sem esperar nada em troca. E o que eles queriam? A alienação de público para as questões realmente importantes. Afinal, quem iria pensar no que o conselho estava ocultado em meio a um banho de sol e coquetéis?

— ... E finalmente, um curandeiro deve saber o momento correto de chamar o conselho quando a situação está além de suas habilidades, evitando que a alcateia resolve com as "próprias mãos" os problemas... — O palestrante, um velho lobo de nome Adamastor, deixou que seus olhos amarelos varressem o auditório, deixando-os se reterem mais tempo em certo curandeiro loiro que mais uma vez fazia um sonoro bocejo (talvez de proposito). O palestrante parece conter um rosnado, mas logo retornou a sua fala — Lembrem-se! O conselho foi criando para nós proteger e promover a paz, para isso precisamos atuar em conjunto. Como uma equipe!

Um bater de palmas solitário quebrou o momento de seriedade e interrompeu o orador. Adamastor não perdeu tempo para fitar com fúria o causador do alvoroço.

Gabriel tinha se levantando continuando a bater as palmas com fervor.

— Bonito discurso! Muito lindo mesmo! Quase me fez chorar!

— Senhor Galistro, quer fazer o favor de se sentar? — Aquilo não foi uma sugestão e sim uma ordem. Todos os outros participantes dos eventos tinham a atenção dividida essas duas figuras, o curandeiro rebelde e o palestrante raivoso. Havia um clima de expectativa. O que iria ocorrer? Será que haveria alguma briga?

— Ora, não posso demonstrar o meu apoio a suas palavras? Mesmo que elas... Bem... Sejam meio que um embuste, não é mesmo?

— Embuste?! Ora como ousa...

— Vamos analisar o que você acabou de dizer. Quando a situação está além de suas habilidades, queria saber como teremos tempo de avaliar a necessidade de clamar pela a ajuda do conselho em meio a um ataque? E quando o conselho não se manifesta devemos permanecer calados e paralisados em relação do que ocorre a nossa volta?

— Cada caso um caso, o conselho só não deseja que algum lobisomem se machuque por tomar uma iniciativa desnecessária!

Gabriel cruzou os braços diante do peito.

— E se essa iniciativa for necessária para evitar um dano a todos os lobisomens não só daqueles pertencentes a sua alcateia e sim do mundo?

— Para isso que existe o conselho! Nós tomamos essas decisões! Não um único e solitário lobo. Acho que esse falatório é o suficiente, senhor Galistro, recomendo e guarde essas opiniões subversivas para si mesmo. Não seja igual ao seu pai.

Gabriel não costumava rosnar, viver com humanos por tantos anos fizeram que muitos dos atos instintivos de seu lobo interior fossem contidos, mas naquele momento os limites foram rompidos.

— Gabriel... — Uma mão segurou o seu braço e o forçou se sentar, era Diego. O garoto tinha intervindo no momento certo. O curandeiro mais velho soltou um ar entrecortado dos lábios e se sentou. Ignorou os olhares de curiosidade e até mesmo críticos de outros curandeiros a sua volta.

— G-Gabi... N-não l-ligue... — Cassandra era que parecia que estava sofrendo a humilhação. Nervosa e embaraçada, escondia o rosto por trás de um livro de título "Indomável paixão primaveril", uma capa com homens músculos e semi-nus que se abraçavam e beijavam, não seria uma escolha muito adequada para um ambiente público e ainda mais se não pretendes chamar a atenção.

— Está tudo bem... Tenho que controlar o meu gênio, acho. — Sorriu para a loba.

— Você acha? — Murmurou Diego em um tom claro de bronca — Na próxima, use um autofalante, pois não creio que tenha chamado atenção o suficiente!

Gabriel pegou uma mecha de seus cabelos loiros e enrolou, de certa forma, o jovem curandeiro estava correto. Não devia se opor ao conselho tão diretamente. Sim, discordava do modo como a política lupina estava organizada. Principalmente, estava em desacordo com aquela necessidade de controle, de modo que tomam decisões sem ao menos pedir a opinião dos outros lobisomens. A justificativa era proteção, mas para Gabriel, mais parecia uma espécie de ditadura.

Não seja igual ao seu pai.

Adamastor tinha atacar daquela maneira. Usar seu ponto fraca de forma descarada. Fazia anos que Leonard Galistro tinha abandonado seus filhos e adentrado na marginalidade. Para alguns era considerado um louco, para outros visionário ou revolucionário. Para Gabriel, era um pai relapso e egocêntrico. Mas não podia negar que também era um gênio. Um lobisomem que ousou a questionar o conselho, atacando o modo de vida dos lobisomens atuais. Acreditava que ao invés de viver em alcateias afastadas dos humanos, os lobisomens deveria se integrar a sociedade. Se adaptar a nova era e não viver no passado selvagem. Para provar seu ponto de vista, decidiu se tornar um lobisomem desgarrado arrastando consigo a esposa e os filhos.

"Eu não sou como ele..." Pensou contendo outra vontade de rosnar. Havia uma grande diferença entre eles, Gabriel desejava proteger sua família, enquanto Leonard só almejava provar que estava certo, independente dos sacrifícios que deveria fazer para conseguir o que deseja.

"Não sou como ele!" Frisou novamente.

***

—Aconteceu uma confusão na palestra! E eu que pensei que essa conferência seria "mô" chata! — Disse animado um rapaz de cabelos castanhos curtos, penteados de modo que parecesse um porco espinho. Seus olhos cor mel pareciam irradiar satisfação, talvez por ter alguma fofoca com que se entreter, pelo menos, por alguns minutos.

—Hum... — O seu companheiro só emitiu um resmungo, indicando que estava ouvindo, ou melhor que não estava. Não lhe interessava sobre briguinhas entre os "intelectuais". Sua função ali era investigar e não servir de guarda-costas ou seguranças do evento! Isso era uma afronta as suas habilidades.

— Então, teve um "carinha", sabe? Ele meio que se levantou e disse. "Dane-se Adamastor! Você só fala merda!", lógico que não como essas palavras, mas você entende, ne? Aí, cara, o chefe ficou "mô" chateado! Tipo, ele fez a mesma cara quando quebrei a máquina de café dele! Se lembra? Quando ela estourou na cara dele! Foi hilário! Enfim, o carinha lá fez um monte de perguntas. Mentira, foram umas duas, acho. Dizendo, tipo assim " Foda-se, um lobo pode cuidar do próprio rabo!" ou algo do tipo. Meio que ele disse que um lobo pode fazer tudo sozinho se quisesse, não precisava ficar chamando o conselho por tudo... Eu concordo, sabe? Tipo, recebemos cada pedido de auxilio inútil! Daqui a pouco vão nos chamar para matar uma barata na cozinha ou para desentupir o banheiro!

— Resuma, Jack... Já disse para ser objetivo. — Reclamou o outro agente do conselho, ter recebido aquele novato como seu parceiro no início do ano só aumentou a carga de estresse que sentia. O garoto podia ser um bom guerreiro, mas era um tagarela, além disso, era bem possível que Jack sofresse de hiperatividade e déficit de atenção, o que fazia questionar as reais intenções de seus superiores de colocarem aquele filhote sob a sua tutela... Será um tipo de punição?

— Eu já estou chegando no ponto, Akira! Não me interrompa! — Sorriu animado, ignorando que acabara de ser indisciplinar com o seu superior — Então, o carinha lá ficou triste quando o chefe, você sabe como o chefe é! Gosta de pisar nos calos dos outros, ne não? Pois, então, o chefe disse um papo sobre se comportar e tal e ainda disse " Senhor Galistro, não seja igual ao seu pai!". Coisa um pouco Star Wars para mim, você se lembra da cena do Luke, quando ele...

— Espera! Você disse Galistro?

— Hã? Que? — Akira notou que a atenção de Jack já estava se voltando para outra coisa, isso era ruim. O rapaz estava mirando um grupo de turistas que usavam maiôs bem reveladores entrando no hall principal do hotel.

— O que você acabou de falar... Você disse Galistro!? Foco, Jack! — Estalou o dedo ao lado dos olhos do menor o fazendo acordar de seu transe momentâneo.

— Ah! Sim! Galistro! Sim! Esse foi o nome! Por que?

Akira sentiu um sorriso formando nos seus lábios. Tinha esquecido que Gabriel era um curandeiro? Isso foi um deslize que um agente do conselho não deveria cometer, ainda mais, levando-se em conta que não costuma deixar a sua presa escapar duas vezes.

— Oh! Oh! — Jack dava pequenos saltos — Você está com cara de predador! Vamos caçar? Agora? Podemos?!

— Shhh! Jack! Não vamos caçar hoje! Não tem florestas perto da capital, esqueceu? Além disso, estamos de serviço!

Jack fez bico, apesar de ser quase da altura de Akira e tivesse 22 anos, ainda agia como um filhote travesso.

"Mas, pretendo caçar sim, contudo, essa caçava só envolve a mim e um certo curandeiro...".

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