Despedida


— Pare de ficar sorrindo assim! — Uma mulher de cabelos esbranquiçados quase que prateados. Ela levou as mãos a cintura em uma postura que provavelmente utilizava para repreender os seus filhotes, mas não tinha um mesmo efeito em seu melhor amigo. O curandeiro da Alcateia ainda apresentava um sorriso satisfeito no rosto — Você aprontou alguma coisa!

— Eu? — O curandeiro fez sua melhor expressão de inocência, mechas de seus cabelos loiros caiam por sobre a sua fronte, ocultando, parcialmente, seus olhos de tonalidade verde vibrante — Até parece que você não me conhece, Marcely.

— É por te conhecer que falo isso! — Mesmo tentando manter uma fisionomia firme e autoritária se podia ver que os cantos de seus lábios tremulavam, era o indicio da formação de um sorriso.

— Pense nisso como um presente de despedida, afinal não quero que esqueçam de mim enquanto estiver naquela tediosa conferência...

— Melhor tomar cuidado no que você define como "presente". — Um adolescente adentrou no pequeno quarto/consultório do curandeiro. Se podia correlacionar o parentesco entre eles, ambos detinham cabelos louros, sendo que o mais novo apresentava mechas vermelhas mescladas com o loiro escuro de sua cabeleira rebelde, outra diferença era seu olhar sagaz e calculista — É bem provável que você não saia com vida da casa para a sua viagem, irmão.

— Owt! Angel! Você se preocupa tanto com o seu querido irmão mais velho! — Nisso se lançou para abraçar o mais novo que tentou desviar, mas o espaço limitado da habitação impediu sua fuga, logo se viu abraçado e beijado.

— Para com isso Gabriel! — Rosnou, odiando ser tratado como um filhote — E eu só me preocupo com a sujeira que terei que limpar depois que acabarem com você!

Marcely não conseguiu evitar e começou a rir.

— E que tipo de presentes seriam esses? — A pergunta da loba seria prontamente respondida com a entrada súbita do Alfa no quarto. Trevis, o jovem líder da alcateia, como a sua irmã, também apresentava a característica dos cabelos brancos/prateados. Seus olhos azuis pareciam que estavam prestes a lançar raios mortíferos ao sorridente e relaxado Gabriel. Todos puderam concluir com facilidade a causa daquela fúria: Trevis vestia uma fantasia de lobo-mau.

— O que você fez com minhas roupas?! — Rosnou o Alfa — Como você entrou no meu quarto e... Veja o que estou vestindo? Só tinha essa muda de roupa! Meu armário está completamente vazio! Onde você ... Como... Quando... — Tamanha era a sua raiva que não conseguia nem terminar uma frase direito.

Marcely colocou as duas mãos sobre a boca para conter a gargalhada. Sabia que não devia rir do seu irmão mais novo, mas aquela roupinha, um macacão folgado com um rabo felpudo postiço pendendo na parte traseira, e além disso, havia um capuz infantil de lobo com seus grandes olhos desenhados e orelhas malfeitas, era cómico demais para que ela engolir o riso.

— Trev, se acalme... Não é tão ruim assim... — Outro rapaz tentou conter o Alfa, segurando o seu braço. Esse garoto tinha cabelos castanhos claros, olhos verdes, um rosto meio infantil, na verdade era até difícil de imaginar que pudesse desenvolver barba, denotando a falsa ideia imaturidade. Aquele era Scott, o recém-transformado lobisomem e namorado de Trevis. Tal como o seu amante, também estava fantasiado, contudo distinto de o Alfa, o lobo-novato usava a fantasia de chapeuzinho-vermelho. Com direito a vestidinho e um capuz rubro.

— Não é ruim?! Eu nem estou usando cueca!

— Eu realmente não queria saber dessa informação... — Resmungou Angel visivelmente embaraçado com aquela visão. Ao fundo, Marcely chorava de rir, segurando a barriga. O Alfa rosnou para a irmã, mas foi totalmente ignorado. Era difícil levar a sério um lobisomem fantasiado de lobo.

— Ora, ora, não vejo o porquê de todo esse alarde! Eu lhe presentei com a perfeita fantasia romântica! Deviam estar aproveitando e não desfilando por aí...

— Não me lembro de ter pedido sua ajuda nesse quesito! Saiba que temos uma vida sexual bastante ativa e... — A boca do lobisomem foi tapada, subitamente, por Scott, agora tão corado quanto a cor escarlate de seu capuz.

— Não precisa fazer propaganda de nossa vida intima! — Choramingou envergonhado.

Trevis deve ter falado algo, mas fora abafado por seu namorado. Contudo se podia ver que o semblante irritado do líder estava já minguando, sendo substituído por algo mais malicioso. Scott deve ter percebido pois notou que os olhos de seu amante agora pareciam analisar a fantasia do seu companheiro, se detendo, consideravelmente, na região um pouco abaixo da cintura, aonde estava a saia cheia de babados e extremamente curta de Scott.

— P-Pare de ficar olhando! — Disse o menor, libertando a boca do Alfa para puxar a saia para baixo, tentando esconder, sem muito sucesso, o que a fantasia mostrava em demasia.

Gabriel parecia satisfeito com o resultado e também aproveitou o momento de distração para escapar do quarto, contudo não tivera muito tempo para correr já que foi interceptado por mais um casal.

— Não pense que irás escapar ileso de tudo! Quando voltar, juro que teremos uma longa conversa... — Falou Pablo, com os braços cruzados e apoiado na porta de entrada da casa, interrompendo a rota de "fuga" do curandeiro.

— Pablo, meu beta preferido! — Disse sorridente — Por que está tão chateado? Por acaso acordou com o pé esquerdo hoje? Ou diria que... Está meio insatisfeito? Eric não está dando conta do serviço?

— Pois saiba que o meu Eric me satisfaz e muito! — Respondeu prontamente, mas logo depois corou, irritado por ter se deixado levar pelas provocações do outro e revelando coisas que não deviam ser discutidos assim abertamente.

— E-ei! — O dito Eric emergiu da sala com a filha nos braços, o acompanhando havia mais duas crianças um pouco mais velhas de feições idênticas só mudando a tonalidade dos cabelos, um negro e outro branco. Os filhos gêmeos de Marcely, Caio e Cleo — Esqueceram que temos filhotes bastante curiosos na casa?

— Que serviço o tio Eric faz? — Quis saber um dos gêmeos (Cleo).

— E por que o tio Pablo está chateado? Ele não dormiu bem? — Agora era a vez de Caio inquerir.

— Eu as vezes ouço uns gemidos... Talvez tio Eric e Pablo estejam com dor de barriga! Por isso estão chateados! — Concluiu Cleo.

— Então, tio Trevis e tio Scott também devem ter bastante dor de barriga, não é? Eles também gemem a noite!

— Meus papais não têm dor de barriga! Eles só gostam de brincar na cama! — Defendeu Petúnia — Eu acho... Por que eles não parecem dodóis quando vou acordá-los!

Eric lançou um olhar raivoso para Gabriel, claramente dizendo que isso tudo era culpa dele.

— Ninguém está com dor de barriga nesta casa! — Interpôs Adriano, um lobisomem de aparência um pouco ameaçadora com uma cicatriz em seu rosto que descem por um dos seus olhos. Aquele era mais um beta da alcateia e também o cozinheiro oficial — Minha comida é perfeita! Ninguém vai ficar doente por causa dela!

— Adri! — Gabriel se lançou sobre o outro lobo o abraçando — Vais sentir saudades de mim, não é?

Adriano tentou afastar o irritante curandeiro de si.

— Só não cause confusão lá na conferência, ok? Não esqueça que estará nos representando! — Ralhou o beta.

— Não se preocupe, serei bastante profissional! — Piscou divertido para Adriano que rolou os olhos.

— Você é o mais velho, tem que servir de exemplo... — Resmungou, Gabriel sabia muito bem ao que Adriano se referia, na conferência iria se encontrar com curandeiros das alcateias irmãs, ou seja, das outras alcateias que surgiram a partir de uma primordial, no passado, naquela região, havia uma única alcateia, quando o seu alfa faleceu sem indicar um herdeiro de seu título, seus três filhos decidiram, invés de batalharem entre si pela a liderança, dividiram a grande alcateia em três menores. Gabriel era o curandeiro mais velho e experiente em comparação aos outros dois, Diego, irmão mais novo de Adriano e Cassandra, prima de Pablo. Talvez aqueles dois betas pensassem que Gabi iria levar os seus parentes para o "mal caminho". De certa forma, eles estavam corretos em seus temores...

— Não se preocupe, Adri... Vou cuidar muito bem dos meus pupilos. — Piscou travesso, o que pareceu preocupar mais do que apaziguar o beta.

— Que horas são? Não seria já a hora de você ir? — Amélia, a matriarca da família, com seus longos cabelos prateados amarrados em um firme rabo de cavalo, as marcas da idade eram pouco visíveis em sua pele, lhe dando um aspecto jovial e cheio de vida. A loba emergia da cozinha e trazia o que deveria ser uma marmita para a viagem, entregando ao curandeiro — Não quero que se atrase e perca o ônibus...

— Não se preocupe, eu irie leva-lo a estação. — Informou Adriano, sua outra função dentro da alcateia era servir de motorista, algo que adorava, talvez ainda mais do que ser o chef lobisomem.

— Ah! Eu me atrasei! — Alguém descia cambaleante a escada. Um adolescente, cabelos prateados bagunçados e ainda vestindo um pijama do que parecia ser de nuvens sorridentes, extremamente infantil. O garoto estava ofegante, rosto avermelhando e os olhos meio aturdidos, provavelmente tenha acordado naquele momento. Angel tinha emergido do quarto do seu irmão no momento exato que seu namorado caiu de cara no chão, tropeçando no último degrau.

— Gabi! — Ele se levantou, ignorando totalmente o fato da queda, mesmo que o seu nariz estivesse sangrando — Eu fiz uma lista de coisas que quero que me traga da cidade! — Nisso retirou um papel amassado que devia estar preso na aba de suas calças folgadas.

Angel balançou a cabeça, de forma negativa com atitude do outro garoto.

— Cezar! Gabriel não irá para a capital para se divertir! — Ralhou Trevis — Ele vai a trabalho!

Era claro que o alfa estava querendo enfatizar nessa última palavra. Por que todos pensam que ele irá só se divertir e os envergonhar?

— Não se preocupem, irei trabalhar e também irie comprar lembranças para todos! — Dentro de si, havia mais uma coisa que pretendia fazer, um terceiro item, talvez um dos mais importantes: investigar. Desde do que ocorreu na primeira lua cheia do ano, quando a alcateia fora atacada por aqueles lobisomens psicóticos, entorpecidos por algum tipo de droga misteriosa, o curandeiro se concentrou em tentar desvendar a substância química por trás da droga ingerida, bem como uma forma de anula-la. Afinal, não tinha um diploma em farmácia atoa! O conselho dos lobisomens permaneceu silencioso esses últimos meses, agindo como aquele evento catastrófico não tivesse ocorrido... Gabriel não iria simplesmente esquecer. Outros lobisomens e também humanos podem estar em perigo devido a essa droga. Ocultar a verdade não é uma estratégia correta de defesa... Isso era algo que seu pai tinha ensinado. Uma das poucas coisas uteis que tinha aprendido.

— Só espero que você encontre aquele certo lobisomem metido a samurai... — Disse Pablo com um sorriso triunfando no rosto ao ver o efeito de suas palavras no curandeiro, este ficou totalmente rubro e perdera até a fala, algo que era, sem dúvida, muito raro.

— E-ele p-provavelmente nem estará lá! A-afinal é só uma c-conferência para curandeiros! — Gaguejou e rapidamente se dirigiu a porta, querendo evitar os olhares surpresos e curiosos de sua família.

"Não! Não pretendo encontrar com o Akira Kurokami!" Pensou resoluto, não sabia como iria encara-lo depois do fervoroso e estranho encontro que tiveram da última vez. Na verdade, não confiava em seu corpo perto do oriental. Suas reações eram anormais. Parecia um filhote apaixonado e tolo! Algo que não tinha nenhuma relação com a sua personalidade...

Não.

Era melhor manter distância de Akira.

Fantasiar em sua imaginação era mais seguro do que o contato físico.

Com esse pensamento, saiu da casa rumo ao carro (nomeado por Adriano de Rodolfo).

Seria apenas uma conferência tediosa como tantas outras que tinha já participado...

Não sabia o quanto estava enganado.


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