04 - Gardênias no verão

Betina levantou as 3 da manhã e arrumou a bagagem, selou o cavalo e se preparou para a viagem. Ela saiu ainda escuro dos alojamentos, e por um breve instante ela achou que Levi estivesse blefando, mas ao vê-lo pronto a aguardando, ela teve certeza que não era brincadeira.

-Bom dia. - Ela disse ajeitando a capa para proteger do frio da madrugada.

-Bom dia. Está atrasada. Combinamos de sair as 3 em ponto, são 3:30.

-Me desculpe. Tenho dificuldade de levantar muito cedo e além de tudo dormi muito mal.

Ele observou a morena subir no cavalo e bater os calcanhares no animal. A viagem iria começar.

Segundo relatório entregue a eles por Erwin, ouviu-se um boato naquela região de que um grupo vestido de maneira diferente estava a procura de um tal sangue de dragão. Erwin pensava se tratar de algum tipo de remédio, veneno ou algo do tipo. Mas, Betina sabia muito bem do que se tratava.

Ela manteve-se em silêncio durante boa parte do caminho. Sentia ainda uma mágoa pelo fato de que ele simplesmente a ignorou por 3 anos. Como se ela fosse um móvel ou uma pedra qualquer. Ele por outro lado, parecia estar inquieto, como se quisesse perguntar alguma coisa e Betina havia percebido.

-Se tem algo a dizer, diga logo. - Betina disse mantendo o olhar fixo para frente.

-Não tenho nada para dizer, e você, tem? - ele estreitou os olhos.

-Não...

-Engraçado, você parece saber sobre esse tal sangue de dragão. Você disse ao Erwin que não conhecia, mas seu olhar foi espanto quando ouviu a respeito.

Betina ficou em silêncio por um longo tempo e depois disse.

-Só achei diferente o nome.

-Mentira. Além do mais, ele designou você para isso, o que significa que ele desconfia de alguma coisa.

Ela mantinha-se inexpressiva e em silêncio. Levi era esperto demais para cair em qualquer conversa.

-Vamos a viagem inteira assim? São quase 3 dias a cavalo, e eu estarei na sua cola. - Ele mantinha a postura imponente de sempre e Betina tentava disfarçar o nervosismo.

-Está aqui para me vigiar então? - ela disse finalmente apertando a rédea com força.

-Tem algo a esconder? - Levi era rápido na linha de pensamento.

-Não.

Ele parou irritado, bateu os calcanhares na barriga do cavalo e se pôs diante dela. Ela parou com o rosto tenso já pronta para a briga que viria.

-Que merda! - Ele disse olhando fixamente nos olhos dela. - Vai ficar assim? Dizendo palavras monossilábicas? Durante 3 dias?

-6. Se contar a volta.

-Você é uma mentirosa! Tá escondendo algo e eu vou descobrir e se estiver agindo de maneira errada eu mesmo dou cabo de você! - ele alterou o tom de voz pela primeira vez desde que eles se conheceram.

-Você mudou mesmo hein?

-Só estou retribuindo a sua gentileza de 3 anos atrás. - Ele voltou ao tom se voz habitual, tocou o cavalo e continuou o resto da viagem. Em silêncio.

Betina sentia-se culpada. Uma traidora, mas nenhum deles tinha culpa dos seus pecados.

Eles andaram por um longo caminho e já estava anoitecendo.

-Vamos parar. - Levi disse depois de horas e horas em um silêncio constrangedor.

-Onde?

-Segundo o mapa, tem uma casa aqui perto, logo depois dessa vila que pertence ao Reconhecimento. Vamos parar e descansar. Os cavalos também precisam.

-Vamos.

A casa era simples, feita de pedra isolado no meio do campo verde. Era possível ver paisagens bonitas mesmo dentro das muralhas. Betina apeou do cavalo e tratou do animal. Depois seguiu para dentro da casa, quando chegou lá dentro Levi já estava faxinando o local com muito esmero.

-Só vamos dormir aqui. - Betina disse ao ver o empenho do capitão.

-Por isso temos que dormir em meio a sujeira? Nem pensar. Pegue um balde e venha me ajudar.

Betina deu um suspiro cansado, mas sabia que não adiantaria discutir. Demorou um pouco, mas a casa ficou impecável. As manias de limpeza de Levi era algo muito difícil de lidar.

-Eu vou pegar lenha para esquentar a água do banho. - Ela disse saindo em direção à porta.

Pela janela, ele viu a mulher partir um pedaço de madeira com o machado em uma mão só como se partisse manteiga. Ele sempre achou estranho a força absurda que ela tinha, mas nunca questionou a respeito.

Ela trouxe os feixes de lenha e acendeu a lareira. Ele colocou o caldeirão para esquentar a água.

-Você pode ir primeiro. - Ela disse abrindo os armários. - Deve ter alguma comida enlatada aqui. Estou cansada das barrinhas de ração.

-Não. Pode ir. Eu nem durmo direito mesmo. Você toma banho e descansa. Eu vou depois. Quanto mais você dormir, melhor pra você.

-Não. - Ela fechou o armário e depois disse. - Olha, achei umas conservas.

-Por favor, eu insisto.

-Temos que economizar água e imunda como eu sou vou sujar sua água do banho. - Ela disse essa frase terrivelmente chateada. Ela se lembrava da frase que ele disse bêbado. Que ela tinha cheiro de gardênias, mas, no fim ela achou que fosse só álcool.

Ele apertou o punho e não disse mais nada. Pegou o caldeirão e preparou o banho na única banheira de cobre que tinha naquela casa. Por ser um maníaco por limpeza ele sempre levava consigo sabonetes e outros itens de limpeza.

Ele checou a temperatura e depois foi até a cozinha pisando firme. Olhou para a mulher alta em frente a pia e a segurou pelo pulso.

-O que está fazendo? - ela perguntou confusa.

Sem dizer nada puxou a mulher para si e a pegou no colo. Ela sem dúvida era mais pesada do que ele imaginava. Mas, ele era um homem forte apesar da altura.

-Me põe no chão! Seu esquisito! - ela até tentou se debater, mas ele a segurou firme. - Levi! Seja lá o que for desculpa.

Ele a levou para o banheiro. A banheira estava cheia e pronta.

-Dispa-se. - Ele disse em tom de ordem..

-Que? - Betina ficou tão vermelha que o rosto parecia pegar fogo.

-Disse para se despir ou vai tomar banho de roupa?

Ele virou de costas para não deixar ela ainda mais constrangida. Ela nem ao menos conseguiu retrucar. Apenas obedeceu.

-Já se despiu? - Ele perguntou ainda de costas.

-Me desculpa. Eu não sei o que te fiz, mas desculpa.

-Entra na água, Betina. - Levi ainda parecia estar bravo.

Betina obedeceu e entrou dentro da banheira. Era uma banheira funda e grande. A água estava tão boa que a fez relaxar um pouco apesar da tensão.

-Pronto.

Ele ainda de costas começou a se despir peça por peça, deixando Betina confusa e ainda mais com vergonha.

-O que está fazendo? - Ela disse no impulso.

-Se não quer olhar desvia o rosto.

Mas, ela não conseguiu. Olhou as costas largas do homem a sua frente, os braços bem definidos , o peitoral, a barriga chapada e definida e o restante a fez sentir um calor tão absurdo que a água parecia que ia ferver, era grande para a altura dele. Ele entrou na água olhando nos olhos dela sem nenhum pingo de pudor. Até para ele era uma situação complicada, mas era o sacrifício que ele teve que fazer.

-O que... - Ela nem conseguia dizer uma frase completa.

-Acha que tenho nojo de você. - Ele disse visivelmente chateado.

-Eu... não sou a mulher mais limpa e feminina do mundo.

-Eu menti. Fiquei com raiva e menti. Você tem um cheiro gostoso...

-De gardênias trazidas por uma brisa de verão.

Ele assustou ao ouvir a frase.

-Você me disse no dia da bebedeira. Eu sempre achei que fosse só o álcool.

Ele suspirou e ficou em silêncio apenas olhando para Betina. Depois disse com a voz baixa.

-Me desculpe se te ofendi.

-Está me pedindo desculpas? Isso é raro.

-Aproveite, não vai acontecer de novo.

Betina pensou em se mover, mas Lembrou-se que estavam os dois completamente nus. Ele notou a expressão dela e disse.

-Acho melhor ficarmos de costas um para o outro. Não quero que diga que aproveitei de você.

-Você é um cavalheiro no final das contas. - ela disse sorrindo.

Eles se viraram um de costas para o outro e continuaram o banho, as vezes ele olhava por cima dos ombros, e via as costas desnudas da mulher, a verdade é que estando de costas, ela não ia notar que ele sentiu coisas por ela naquele instante e seu corpo reagiu.

-Posso te fazer uma pergunta? - Betina disse mantendo-se do lado oposto.

-Pode.

-Me acha desleixada, alta demais, desengonçada e beberrona?

Ele se lembrou da própria frase dita 3 anos atrás a Erwin.

-Você ouviu...

-Sim.

-Acho.

Ela ficou triste e não respondeu. Ele continuou.

-Mas, não disse que não gostava disso.

Ela virou o corpo para olhar para ele.

-Eu tenho uma pergunta para você também. - Ele disse olhando para ela. -Você... já esteve com alguém?

-Quer dizer...?

-Sexo.

Ela pensou bem antes de responder. Ela esteve sim com alguém, uma única pessoa.

-Sim.

Ele fez uma expressão de desapontado e se virou para frente e depois continuou.

-E com o Erwin? - ele estava esperando 3 anos para saber sobre isso.

-Eu e o Erwin? Não! Eu o respeito muito, mas é só isso. Espera, acha que ficamos juntos por que ele disse pra você aquele dia que me achava bonita né? - ela respondeu um pouco ansiosa.

-Também. Mas, é pela preocupação que tem com ele. Pensei que vocês...

-Não. - Ela viu que ele mantinha-se com o rosto desapontado. - Era do Reconhecimento, a gente se envolveu logo que eu cheguei, ele morreu dois meses depois. Mastigado por um titã. Nem deu tempo de conhecer ele direito.

-Ahhh, transar com ele não foi o suficiente?

-Levi? - ela olhou para ele com o rosto debochado.

-Hum?

-Esta com ciúmes?

-Mas, o que? Não. Não. Não é ciúmes! Eu só... quer dizer. Bem. Eu...

Ela mantinha o olhar debochado.

-Você o que?

-Queria saber o seu grau de experiência... - ele abaixou a cabeça.

Ela pensou por um instante. Como ela não podia ter percebido antes? Estava claro, desde o início. Ela virou o homem de frente para ela, ele teve dificuldade em olhar nos olhos dela, com os seios dela a mostra bem diante dele. Ela tocou o rosto dele com as duas mãos.

-Levi... você nunca esteve com uma mulher, não é?

Ele raramente ficava sem palavras. Naquele dia, Betina conseguiu deixá-lo sem reação. Ela acariciou o rosto dele e deu um selinho nos lábios dele.

-Nem beijar você beijou né? - Os olhos de Betina pareciam o de um predador.

-Não... - A negativa dele saiu abafada.

-É por causa da sua mania de limpeza, não é? Não gosta que te toquem. Mas...- Ela beijou os lábios dele de novo, ele não reagia, não conseguia. A mulher alta e sedutora parecia tê-lo hipnotizado. Era como ele se sentia.

-Não.

-Mas, deixa eu te contar uma coisa? - Ela se posicionou no ouvido dele. Por ser mais alta, ela te que se curvar um pouco e sentiu que ele se arrepiou quando ela passou a mão na nuca dele. - O sexo é sujo mesmo, mas tem jeito, é só tomar um bom banho depois.

Ela mordeu o pescoço dele, ele passou os dois braços nas costas dela e a puxou para mais perto de si. Ela olhou os olhos dele com os braços cruzados atrás de seu pescoço.

-Vou beijar você agora, Levi. E não tô nem aí se você tem nojo ou não.

Ela o beijou com intensidade, a língua dela passeava pela boca dele e os lábios estavam cada vez mais colados um no outro. As mãos dele passeavam pelas costas nuas dela e ele sentiu que ela se arrepiou quando sentiu que ele estava gostando do toque dela. Ele podia negar, mas o corpo dele não.

Ela depois ficou olhando para ele ainda com os braços passados em seu pescoço.

-Betina... a gente não pode. - Ele disse afastando do abraço dela.

-Levi... - Ela o chamou ao ver que ele saiu da banheira e começou a secar-se e se vestir.

-Não Betina. Não posso.

Ela saiu da banheira e foi atrás dele, nua mesmo. Betina não tinha muito pudor para falar a verdade.

-Levi, conversa comigo.... eu... gosto de você..

Ele parou ainda de costas para Betina. Ele estava confuso. Sua mente via os corpos de Isabel, de Furlan e de tantos outros perdidos no caminho.

-Betina, nós não podemos. Somos soldados. E estamos sempre à um passo da morte!

-Levi, eu sei me defender e além do mais, temos que viver o máximo de nossas vidas, como se fosse o último dia.

Ele se virou para ela com o olhar assustado e tenso.

-E o que eu vou fazer? Quando eu ver você morta e não poder fazer nada? Não quero ter seu rosto morto nos meus sonhos como a...

Ela tocou o rosto de Levi e acariciou devagar.

-Ah... Levi...

-Eu não posso.

-Não sente o mesmo que eu? Por favor, me diga?

-Eu sinto Betina! Eu sinto. Mas, eu não vou me envolver. Se eu e você... se nós, ficarmos juntos, só vai complicar mais as coisas. Boa noite.

Betina viu ele se afastar. Ele não disse mais nada. Ela sentiu o coração despedaçar. Jamais tinha se sentido assim em toda a sua vida. Levi estava tão longe e tão perto ao mesmo tempo e ela não tinha a menor ideia do que fazer.

O restante da viagem teve um clima estranho. Ele tinha a expressão abatida, de quem tinha passado a noite em claro.

-Estamos próximos do distrito. Vamos começar a sondar por aqui. - Ele disse sem olhar para Betina.

-Vamos.

Betina e Levi caminharam pelas ruas do Distrito observando ao redor. Era o mesmo que buscar uma agulha no palheiro. Para falar a verdade, Betina queria que fosse um engano, nada além disso.

-Vamos nos separar! Nos encontramos aqui daqui uma hora. - Levi disse se afastando.

Betina seguiu seu caminho e foi olhando as barracas no centro do distrito. Havia inúmeras pessoas andando no centro da cidade. Basicamente eles deveriam pesquisar e ouvir os comentários que surgiram a respeito do Sangue de Dragão.

Em meio a esse tempo, Betina viu um homem alto, já mais velho, de chapéu e sobretudo parado num dos cantos da cidade. Ela tentou disfarçar e seguiu seu caminho.

Alguns metros depois ela percebeu que ele ainda estava a seguindo. Betina apertou o passo, desviando o máximo que podia. Mas, era em vão, o homem estava em seu encalço. Betina então usou o dispositivo de manobra e começou a fugir pelo alto. Ele a seguiu até ser encurralada.

-Ora, ora, ora. - O homem de voz rouca e grave parou diante dela. - A descrição bate direitinho. Foi só esparramar os rumores e você veio mesmo.

-Quem é você? - ela perguntou ao homem.

Ele tinha os cabelos pretos médios, uma barba por fazer. Os efeitos do tempo começavam a aparecer. Ele tinha os olhos similares a alguém que ela conhecia, mas naquele momento não se lembrava de onde.

-Tem gente poderosa procurando por você. - ele disse com um sorriso terrivelmente assustador.

-Quem mandou você?

-Alguém que quer você morta, Betina Drachen!

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