03 - Um desafio para os campeões
Betina tomou um banho e vestiu uma peça diferente do uniforme habitual, era um dia de folga. Coisa rara, mas acontecia. Hange estava empolgada imersa em livros e papéis na beliche de cima.
-Não vai jantar Hange? - Betina perguntou.
-Eu vou terminar aqui e depois eu desço.
-É sua última noite aqui? - Betina disse encostada no beliche.
-Sim. Ganhamos quartos individuais, não é o máximo? Mas, devo confessar que sentirei sua falta.
-Eu também. Só não vou sentir falta dos seus roncos. - Betina debochou.
-Eu nem ronco!
Betina riu de Hange e seguiu para o refeitório. Não havia muito para onde ir. Os que tinham família visitavam seus familiares, quem não tinha ficava por ali mesmo, que era o caso de Betina, Levi e Hange e mais alguns.
Ela pegou um prato de sopa e sentou-se sozinha em uma das mesas, observando a luz fraca das velas. Levi chegou devagar e sentou-se diante dela.
-Não é legal comer sozinha.
-Bem, não tenho muitas opções.
-É um dia de folga. Alegre-se. - Ele disse colocando uma colher de sopa na boca.
-Isso foi sarcasmo? Que assustador.
-Acha que não tenho senso de humor?
-Sinceramente? Não.
-Sou muito engraçado. - ele disse essa frase com o mesmo rosto inexpressivo de sempre.
-Eu tenho medo do que vai vir depois disso. - ela riu.
Ele parou por um instante e ficou olhando para ela. Sem dizer nada. Talvez ele quisesse dizer que ela tinha o sorriso tão bonito que chegava ser iluminado. Mas, preferiu não dizer nada.
-O que foi? - Ela perguntou ao perceber que ele estava observando.
-Nada. - Ele mudou de assunto. - Quatro olhos não vai vir jantar?
-Tá falando de Hange?
-Sim.
-Ela disse que vem jantar mais tarde. Está lá estudando sobre os titãs.
-Você bebe? - Ele perguntou de repente.
-Bebo.
-Vai fazer o que agora?
-Tava pensando em dormir como se não houvesse amanhã.
-Dormir é para os fracos. Vamos sair e beber, como se não houvesse amanhã. - Ele disse apoiando-se as duas mãos na mesa.
-Quero ver você me acompanhar.
-Está me desafiando, Betina? - Levi olhou seriamente para ela.
-Não. É um fato. Ninguém aqui neste esquadrão bebe mais que eu. E... eu nem fico bêbada.
Ele bateu as mãos na mesa assustando meia dúzia que jantava na mesa vizinha.
-Desafio aceito. Se eu ganhar, vai limpar o meu quarto. E eu vou fiscalizar.
-Se eu ganhar, você limpa o meu.
-Se ambos cairmos, limpamos os dois um o quarto do outro.
-Combinado. - Ela estendeu a mão para um aperto.
Ele olhou com desdém para a mão dela.
-Qual é? - ela disse ainda com a mão erguida. - Tá limpinha. É sério.
-Como vou saber se não está engordurada, suada e cheia de manteiga?
-Deixa de ser chato!
Ele pegou na mão de Betina e apertou forte. Ele se espantou com as mãos calejadas da mulher e com a força do aperto de mão. E as mãos não estavam suadas.
Ela se levantou e ele olhou para a roupa que ela vestia. Uma calça marrom, um blusa de manga longa de algodão numa cor que ele não conseguia definir. Ele por outro lado vestido com uma camisa cinza e calça preta, social.
-Você vai assim?
Ela olhou para si mesma e analisou a roupa que vestia.
-Está ruim?
-Vestiu a primeira coisa que achou e além de tudo está amarrotada.
-Devo trocar então? - ela se fez de boba.
-Não vou beber com uma molambenta.
-Vamos até o meu dormitório e de lá a gente vai. Você parece um velho.
-E você é uma desleixada.
Betina não ligava para muita coisa. Aparência, vestimenta. Talvez pela forma que cresceu. Vestimenta era a última coisa que se preocupava.
Ele ficou do lado de fora aguardando a mulher se vestir. Ela não tinha muitas roupas. Estava 90% das vezes vestida de uniforme. Vestiu uma calça preta que ela tinha a algum tempo. As pernas dela eram grossas e deixava a calça mais justa do que deveria. Tinha uma camisa social que ela havia ganhado de Erwin quando ele chegou ao Reconhecimento, branca. A camisa que a muito não servia em Erwin, provavelmente de quando ele ainda era um adolescente, também estava justo em Betina. Ela era forte e tinha seios grandes, o que deixava a camisa ser abotoada somente até chegar até eles, deixando o colo a mostra. O cabelo curto sempre preso num rabo de cavalo mal feito estava solto e a franja cortada de qualquer jeito a deixava com um aspecto bem jovial, abaixo do olho direito uma pequena pinta que deixava seu rosto charmoso e harmonioso, junto com os olhos verdes pálidos, o nariz arrebitado e os lábios levemente carnudos num formato bem desenhado. A cintura era fina, os quadris eram largos. Uma mulher que se destacava, principalmente por ser tão alta. Levi olhou a mulher sair do quarto e ficou um tempo tentando assimilar o que via. Ela sem dúvida não estava a desleixada de sempre.
-Então, vamos. - Ele tentou disfarçar a cara de espanto ao ver a mulher diferente do habitual.
O local escolhido foi um bar não muito longe dali onde os soldados sempre se reuniam para beber. Os dois sentaram-se a mesa e pediram dois copos de cerveja.
-Que vença o melhor! - Ela ergueu a caneca.
Em questão de minutos eles viraram atração para os outros beberrões. Juntos eles esvaziaram 14 canecas de cerveja como se estivessem bebendo água e nenhum dos dois esboçava estar embriagado.
-Você se rende, Levi?
-Posso beber a noite toda! - Ele ergueu o copo.
Os outros bêbados no bar fizeram festa.
-Desce mais uma rodada! - Betina gritou para o garçom.
Depois de certa quantidade eles pararam de contar, mas quem estava lá disse que eles dois devem ter bebido umas 30 canecas juntos. No fim das contas, não houve vencedor, mas eles ficaram bêbados. Muito bêbados.
Saíram do bar já muito tarde e saíram pelas ruas escorando um no outro. Dizem que teve até música cantada de madrugada.
Eles foram juntos até o dormitório dele, escorando pelas paredes.
-Nanico, firma esse corpo! - Betina já falava enrolando a língua.
-Já te falei pra não me chamar de Nanico! - ele também não estava em suas melhores condições.
-Tá, tá. Só firma o corpo!
-Você que tá que nem uma geleia!
-Shhhh! - Ela pôs o indicador nos lábios dele e disse sussurrando - Vai acordar os outros!
-Tira esse dedo sujo da minha boca! - ele respondeu também sussurrando.
-Eu sou limpinha! Você disse que eu fedo como uma égua suada, mas eu sou limpinha!
-Eu não disse isso!
-Disse!
-Eu disse que você cheirava como um animal! - Ele disse tentando achar as chaves para abrir a porta do quarto.
-Dá no mesmo. - Ela enfiou a mão no bolso da frente da calça dele e pegou a chave. - Tá aqui.
-Cuidado onde pega. Pervertida.
-E eu lá quero suas misérias? - Ela respondeu tomando as chaves dele. - Me de isso aqui, não tá acertando nem o buraco da fechadura, claramente eu ganhei, você está mais bêbado que eu.
-Lógico que não! Você nem tá conseguindo caminhar sozinha!
Ela abriu a porta com muita dificuldade e cambaleou para dentro dos aposentos de Levi. O dono do quarto se jogou na cama e ficou olhando para o teto.
-Eu ganhei a disputa... - ele balbuciou.
Ela empurrou ele para o canto e deitou-se ao lado dele.
-O que está fazendo? - Ele perguntou sem muitas forças para recrutar.
-Vou dormir aqui. - Ela resmungou.
-Por que?
-Meu quarto está muito longe. Você vai ter que aguentar meu cheiro de animal.
Ele virou o rosto para ela, e olhou dentro dos olhos dela. Estavam deitados um do lado do outro com os rostos bem próximos.
-É mentira. - Ele disse desta vez calmamente.
-O que? - Ela perguntou confusa.
-Você tem um cheiro fresco, floral. Lembra o cheiro das gardênias trazidas por uma brisa de verão.
Ela encarou os olhos dele. De longe pareciam escuros, cinzentos, de perto eram um azul maçante, intenso. Ele tinha traços delicados, olhos pequenos. O nariz era fino e tinha lábios pequenos em um formato delicado. Tinha o cabelo liso e preto, cortado num elegante degrade. Os fios de cabelo caiam delicadamente em seu rosto e por alguma razão, talvez pela bebida, Betina sentiu o rosto queimar e o coração bater tão forte que parecia que ia sair pela boca.
-Só para você saber... - ela começou a dizer. - Não me importo com sua altura.
Ela se aproximou dele e deu um beijo de leve nos lábios dele.
Ele deu um sorriso leve, antes de apagar. Os dois dormiram bêbados um do lado do outro. Aquela disputa realmente não teve um vencedor.
Betina abriu os olhos com dificuldade. A cabeça rodava sem parar. O preço de quem se tem uma bebedeira intensa, é a ressaca intensa. O sol entrava manso pela janela. Ela rolou os olhos pelo local em que estava, quando ela virou-se viu Levi com os olhos fechados massageando as têmporas.
-Que merda! Eu dormi aqui? - Ela perguntou confusa.
-Fala baixo... - ele disse com a voz rouca. - minha cabeça está estourando.
-A gente tem treinamento, eu tenho que levantar.
-Eu preciso de um chá. - ele balbuciou.
Ela se levantou com dificuldade e saiu andando devagar em direção à porta. Levi se esforçou para se levantar também. A bebedeira tinha sido violenta.
Quando Betina abriu a porta, Mike estava de pé pronto para bater.
-Betina? - Ele ficou surpreso ao ver a mulher.
-Mike?
Ele olhou para Levi e depois para Betina.
-Dormiram juntos? - Mike não escondia o espanto.
-Não! Quer dizer, sim! Mas, não do jeito que está pensando! - Betina tentava se justificar.
-Eu não quero saber! Estão atrasados! Começamos o treino em 10 minutos!
-Ok.
Betina nem olhou para trás, saiu correndo em direção ao seu dormitório, evitando ser vista.
O resto do dia ela ficou evitando Levi, estava com muita vergonha da situação e tinha medo de ser mal interpretada. Embora a maioria estivesse olhando para eles com cara de deboche.
No refeitório não se falava em outra coisa, Levi parecia não se importar. Betina sentou-se afastada de Levi, que estava junto com Hange. Depois do jantar ela deu uma volta pelos estábulos para esvaziar a mente. Na volta acabou se deparando com Levi e Erwin conversando. Ela abaixou a cabeça e esperou e estava de saída quando ouviu seu nome.
-Fiquei sabendo que passou um pouco da conta ontem com a Betina. - Erwin perguntou.
-Saímos para beber. - Levi disse secamente.
-E o fato dela ter dormido no seu quarto?
-A gente só dormiu mesmo. Nada demais.
-Você é um homem resistente. Ela é uma mulher bonita. Dormir ao lado dela e não fazer nada é um teste de resistência.
-Ela não me interessa.
-Se você diz.
-Sabe melhor do que eu, que não temos tempo para romances. - Levi deu de ombros.
-Sei. Por isso optei por ser solteiro. Mas, gosto da diversão de vez em quando.
-Não quero ter que ficar me preocupando com romances. Quero minha mente fixa num só lugar. Além do mais ela é desleixada, alta demais, desengonçada e beberrona. Não tem papa na língua e nenhum pingo de feminilidade ou pudor.
-Na verdade, acho ela elegante, tem o sorriso bonito, um cheiro floral gostoso, além do fato dela ser forte e determinada. - Erwin disse com um leve sorriso.
Levi franziu o cenho e cruzou os braços. Depois disse.
-Por que não fica com ela então?
-Porque ela não quer. Se ela quisesse não hesitaria nenhum um instante.
-Tsc. Eu vou dormir. Amanhã temos expedição.
Betina ouviu tudo, ela estava acostumada a receber críticas, mas, aquela foi a primeira vez que doeu de verdade.
Depois disso ela evitou contato com ele.
A cada nova expedição, as baixas aumentavam. Era mesmo uma tarefa difícil estar na frente de batalha. Levi se destacava entre os demais e ganhava admiradores por todo lugar. Betina resolveu se isolar mais uma vez. Comia sozinha, não falava com ninguém.
E o tempo passou. Veio um ano, dois anos, três anos. Um abismo foi criado entre Betina e Levi. Ela ainda estava chateada e ele não fez muita questão de mudar a situação.
Erwin agora era o comandante. Levi havia se tornado capitão de esquadrão. Mas, a luta contra os Titãs continuava.
Betina caminhou pisando firme até o escritório do comandante Erwin. Ele havia a chamado mais cedo naquele dia. Ela bateu de leve na porta e ouviu um "entra". Ao abrir a porta se deparou com Levi sentado diante da mesa de Erwin bebericando um chá, segurando a xícara pelas bordas.
-Betina, que bom te ver. - Erwin disse sorrindo.
-Igualmente, comandante. - ela olhou para Levi e disse secamente. - Capitão.
-Betina.
-Eu posso ajudar em algo, Comandante?
Erwin tirou um papel de dentro da gaveta e pôs sobre a mesa.
-Chegou a notícia até mim de que duas pessoas estavam fazendo perguntas em Shinganshina.
-Perguntas?
-Sim. Por acaso você já ouvir falar em Sangue de Dragão?
Betina ficou pálida ao ouvir as 3 palavras. Ela ficou sem reação e sem palavras. Parecia ter visto um fantasma.
-Sangue de Dragão?
-Já ouviu falar, Betina? - Erwin perguntou mais uma vez.
-Não... - Ela Mentiu. - Não me lembro de nada disso.
Erwin estreitou os olhos.
-Imaginei. Eu gostaria que você fosse até lá para averiguar. Discretamente.
-Claro, senhor.
-Dirá que está a procura de novos soldados.
-Certo. Sairei hoje mesmo.
-Ah, o Levi vai com você. - Erwin disse apontando para o capitão que mantinha-se no mais absoluto silêncio.
-Senhor, eu acho que não seja necessário... - Betina começou a dizer.
-Você é forte, mas não é duas. É sempre bom ter alguém por perto para ajudar. Além do mais ele mesmo se ofereceu para acompanhar.
Betina encarou o homem sentado ainda bebendo seu chá e que não dizia uma única palavra, ela ficou sem entender nada. Mas, disciplinada ela apenas aceitou as ordens se seu comandante..
-Como preferir, senhor.
Betina bateu a continência do exército, punhos fechados em cima do coração. "Ofereçam seus corações" era o lema. Ela virou os pés sobre os calcanhares e saiu rumo a porta. Levi que até então estava calado apenas disse:
-Sairemos de madrugada. Temos que manter sigilo dos demais soldados também.
Betina olhou para Levi e respondeu secamente.
-Claro, capitão.
Betina não conseguia entender o porquê de Levi se oferecer para acompanha-la. Depois de mais de três anos a evitando a todo custo e mal conversando com ela, agora iriam iniciar uma viagem até o outro lado da Muralha para ajudar com uma investigação que nem é do interesse dele. Ou será que era?
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