2 - Propaganda na TV (Parte II)
— É. Vou descer porque a noite está chegando — disse Xandinho se preparando para se levantar.
Cauã se jogou de costas no chão e esticou os braços.
— Pode ir, mano. Por mim eu durmo aqui hoje.
— Sério?
— Claro que não. Estou morrendo de fome.
Cauã se levantou com ímpeto e sacudiu a poeira da roupa. Rapidamente colocou seu capacete e óculos.
— Mas antes de descer vou dar mais um salto.
Lá se foi Cauã, pegar impulso, mais uma vez. Xandinho o observava enquanto colocava seu capacete.
Cauã acelerou e deu mais um backflip arrancando um suspiro de Xandinho, como se ele estivesse vendo tudo pela primeira vez. Observar o piloto voando de cabeça para baixo era mágico para o rapaz.
Mas aquele pouso não foi como esperado. Cauã caiu no chão e permaneceu deitado. Xandinho tirou seu capacete enquanto corria e o jogou no chão.
— CAUÃ, VOCÊ ME OUVE?
Ele estava imóvel o que deixou Xandinho muito preocupado.
— Não acredito que dei um mole desse! — respondeu ele depois de alguns instantes parado, remoendo a sua falha.
— Mano, que susto que você me deu! — Xandinho respirava fundo e ofegante. Daquela vez não era adrenalina, era alívio pós nervosismo.
Cauã se levantou demonstrando que estava realmente bem, retirou seu capacete, pegou sua moto, que estava a poucos metros dele, e a levantou.
— Estou bem.
— Que susto, cara! Não faz mais isso não, por favor!
Cauã olhou para ele e sorriu.
— Eu tenho adrenalina em meu sangue, cara. Pode deixar que eu não vou fazer mais isso. Não vou mais pousar mal.
Xandinho deu um sorriso amarelo, que demonstrava não concordar com a atitude dele, pois preferia que o piloto não arriscasse mais manobras como aquela.
Ambos se reequiparam e ligaram suas motos para começar a descer o morro.
— Ah! Não acredito nisso! — exclamou Cauã.
Xandinho nem perguntou o que era, pois sabia bem o que estava acontecendo só de ouvir o som que a moto de Cauã emitia.
— Eu fodi minha moto! Esse barulho não é nada bom!
— Veja se ela está andando, Cauã — sugeriu Xandinho.
Cauã assim o fez. A moto andou, mas o barulho indicava que algo estava errado.
— Menos mal. Ela está andando — disse o mecânico seguro do que alegava — Mas este barulho indica algo no motor e você precisa ver logo isso.
— Não acredito, cara! Essa manobra já está me trazendo dor de cabeça!
— Ou não. Pode te trazer coisas boas também.
— Tá maluco, mano? Se meu pai vir a moto com esse barulho eu estou fodido! E eu não sei onde tem uma oficina aberta a esta hora.
— Eu conheço uma que está aberta agora.
Cauã respirou fundo. Sorriu para Xandinho.
— Preciso ir lá se não for te atrasar — disse ele aliviado.
— Bora.
Eles desceram o morro devagar por precaução à moto de Cauã. Xandinho não disse nada no meio do caminho acerca da oficina ser de seu avô. Ele queria garantir a ida de, pelo menos, um cliente naquele dia improdutivo e, ao mesmo tempo, ajudar Cauã.
Ele até faria o conserto de graça para Cauã, mas percebeu que o rapaz tinha condições de arcar com o serviço. Já que seu avô precisava pagar as contas, nada mais justo do que cobrar pela capacidade técnica que eles haviam adquirido realizando seus ofícios durante anos.
Eles, então, chegaram em frente à oficina onde Cauã leu o nome "Caverna da Moto" em uma lona preta feita por uma gráfica cujo funcionário responsável pela arte parecia não ter nenhum conhecimento de design gráfico.
Eles entraram. Xandinho percebeu que seu avô e Silas se preparavam para fechar a loja. A cara de desânimo de Nélio era a mesma apresentada mais cedo. Quando o velho viu os dois rapazes se aproximando sorriu para o neto e perguntou:
— Qual a boa, Xandinho?
— Trouxe cliente — disse ele sorrindo.
Silas olhou para o cliente dos pés à cabeça deduzindo que ele tinha condições financeiras bastante elevadas.
— A moto dele está com um barulho no motor — disse Xandinho.
Cauã ligou a moto e mostrou o barulho que ela estava fazendo.
— Entendi — disse Nélio — Já imagino o que seja.
Enquanto Nélio pegava as ferramentas que iria usar para começar a mexer na moto, Cauã reparava em toda a estrutura da oficina. Silas havia percebido que o rapaz não estava muito contente com a situação da Caverna da Moto.
Cauã chamou Xandinho num canto e perguntou se aquele lugar era mesmo de confiança.
— Por quê? — perguntou Xandinho.
— Sei lá, cara — Cauã cochichava — Olha para esse lugar. Nem parece uma oficina decente, de confiança, sabe? Tem certeza que esse senhor vai mexer direito na minha moto?
Xandinho ficou decepcionado com a atitude dele e, antes de responder a qualquer coisa, Silas, que ouviu o cochicho, intrometeu-se na conversa.
— O que foi, playboy? Tá achando que a nossa oficina não é párea para a sua moto cara?
Na mesma hora todos viraram para Silas. Nélio, parou de mexer na moto e olhou preocupado para o filho. Cauã olhou para ele levemente assustado, Xandinho já estava ficando corado de vergonha.
— Não disse nada disso, cara — Cauã tentou se explicar.
— Então foi o quê? — a voz alta e cortante de Silas intimidava a todos — Se eu fosse o senhor, pai. Dispensava esse moleque aí. Ele acabou de dizer pro Xandinho, que nossa oficina não é decente e que não confia muito na sua capacidade. Deixa que ele se vire e vá atrás de uma oficina que seja do padrão da moto dele.
Nélio respirou fundo. Sabia que se tentasse falar alguma coisa para defender o rapaz, o filho arrumaria uma arruaça maior ainda. Silas tirou a moto dos cuidados do pai e entregou a Cauã.
— Faz o seguinte, rapaz: toma aqui sua moto e vai procurar outro lugar pra consertar sua moto... de cristal.
— Me desculpa. Eu não queria...
— Cara, preciso falar de novo? Vaza daqui!
— Calma, Silas! — pediu Nélio.
— Pai. A gente tá precisando sim de cliente, mas eu não aceito que ninguém venha aqui nos esculachar não.
Cauã se encaminhou para a saída olhando para Xandinho que estava cabisbaixo morrendo de vergonha e chateado com toda a situação.
— Vai ficar aí, Alexandre? — perguntou Cauã — Não vai voltar para casa?
— Eu moro aqui — disse o rapaz decepcionado com o piloto.
Silas gargalhou alto.
Xandinho olhou para o motociclista e ambos queriam morrer. Cauã foi embora em cima de sua moto com barulho irregular.
— Quem é esse rapaz? — perguntou seu avô.
— É um competidor de motocross que eu conheci lá em cima do morro. Ele foi dar um backflip, errou no pouso e acabou caindo no chão dando esse problema na moto.
— Bem feito! Se fodeu duas vezes para aprender a não ser babaca — disse Silas como se estivesse comemorando gol da Seleção.
Xandinho levou Madona para o quintal, tirou sua camiseta e deu um banho na moto. Carmem, que foi catar a roupa do varal, viu o neto empenhado na função e se aproximou.
— Quando seu avô disse que você saiu com a Madona eu nem acreditei. Achava que ela nem andava mais.
— Vó, ela está andando muito ainda.
— Está precisando de uma pintura e outros reparos, mas sei que você vai cuidar muito bem dela.
— A gente vai reformar essa moto, Xandinho — disse Nélio adentrando o quintal após fechar a oficina.
— Pode ser, mas depois que a gente pagar as contas todas né, vô?
— É, filho!
Após dar banho em Madona, Xandinho entrou para casa e foi tomar o seu. Debaixo do chuveiro, deixou a água cair forte em sua nuca e esperava que aquela água gelada e gostosa levasse embora toda a vergonha alheia e decepção que sentira por Cauã. Pior é que ele estava com o sorriso e o olhar índigo do rapaz em sua mente. Mentalizava: Do que adiantava pensar num cara daquela forma sabendo que ele era um babaca? Odiava ter que concordar com seu tio Silas, mas naquele momento era obrigado a concordar. Cauã não deveria ter feito desfeita da oficina deles.
Após o banho, Xandinho vestiu uma cueca e uma bermuda leve. Se jogou na cama de seu quarto e começou a rolar a linha do tempo do Instagram sem compromisso. Não se interessava em parar para ler nada, só via as imagens e fotos de várias pessoas que seguia. A maioria nunca havia visto na vida.
Em umas das fotos, viu ao fundo a Garagem Bar. Fazia tempo que não ia àquele barzinho dedicado à cultura das motos, que ficava no centro da cidade pequena em que morava. Não pensou duas vezes em se arrumar, pegar sua gata Madona e se dirigir ao local para ver se encontrava alguma distração por lá.
Xandinho colocou uma calça preta, camiseta branca básica sem nenhuma estampa, calçou tênis e colocou seu cordão que imitava prata. Deu uma leve penteada no cabelo e ficou contente com o que via no espelho. Para finalizar, deu duas borrifadas de seu perfume.
— Pra onde vai assim todo gatão? — perguntou Carmem quando viu o neto passando todo arrumado pela sala.
— Vou dar uma voltinha na Garagem.
— Vai de moto? — perguntou Nélio.
— Vou.
Ele olhou para Silas, que estava sentado no outro sofá ainda sem banho e ria do fato que Xandinho insistia em sair com a moto velha.
— Prudência no trânsito, hein, filho! Não vá beber — disse o avô.
— Tá bom — disse ele.
Xandinho saiu de casa e pilotou pelas ruas escuras até chegar na parte da cidade asfaltada com maior iluminação. Em poucos minutos, deixava sua moto no estacionamento do Garagem Bar. Tirou seu capacete, deu uma pequena arrumada no cabelo com as mãos. Começou a ouvir alguns risos abafados a poucos metros dali. De repente os risos foram ficando mais intensos e próximos.
— Mano, olha isso! — ria um dos garotos.
— Rapaz! O cara tá confundindo a Garagem com o Museu!
Eles começaram a rir alto.
— Cauã, olha isso cara! — disse um deles.
Cauã virou o rosto sorridente, mas quando ele viu que era Xandinho, sua fisionomia mudou na hora.
— Olha essa moto velha, Cauã! Vê se pode isso! — disse o outro.
Xandinho ignorou a todos. Não se sentiu intimidado. Ignorou Cauã e entrou no bar com seu capacete na mão e com uma expressão de bad guy no rosto. Ainda na entrada, conseguiu ouvir Cauã falando para os rapazes do lado de fora:
— Ele é meu amigo.
Xandinho observou que o bar estava lotado. Uma banda tocava no mini palco algumas músicas conhecidas de rock tanto em inglês como em português. Tentou procurar por algum rosto familiar, mas não encontrou. Sentou em um dos bancos desocupados do balcão. Cumprimentou Ivan, o barman, a quem conhecia de várias idas ao estabelecimento. Pegou o cardápio e ficou pensando no que pediria para beber. Não beberia muito para não decepcionar seus avós, mas certamente tomaria alguma coisa.
— Já tomou o Mojito daqui? — perguntou Cauã.
— Já — disse Xandinho, não querendo dar muita atenção para aquela aparição de Cauã.
— Mojito é a bebida preferida do Xandinho — disse Ivan se intrometendo na conversa com um sorriso no rosto, achando que estava interagindo de forma positiva com os clientes, mas percebeu que não, depois do olhar mortal recebido por Xandinho.
— Então me dá dois — disse Cauã todo confiante — Um para mim e um pro Xandinho. Por minha conta.
— Ih, alá! Cara, não me chame de Xandinho. Eu não sou seu amigo. Vocês que têm grana acham que podem esculachar o estabelecimento dos outros e depois vir consertar tudo com Mojito ?
Ivan ergueu as sobrancelhas observando a treta.
— Não — respondeu Cauã corando de vergonha — Claro que não.
Os dois olharam para Ivan, que disfarçava arrumando os drinques.
— Mas eu queria te pedir desculpas, mesmo assim. Eu sei que fui babaca. Mas eu não sabia que você morava lá. Não sabia que a oficina era do seu avô.
— Mas isso não muda nada, cara. Você fez desfeita do lugar.
— É eu sei, meus pais são assim e eu não quero mais repetir esses maus costumes que eles têm. Eu perguntei se a oficina era confiável porque eu não conhecia o lugar. Só isso. Meu pai também vive enchendo o saco com essa minha moto. Ele me cobra demais, sabe? Que às vezes eu fico meio neurótico com cuidado. Não posso deixá-la em qualquer lugar.
Xandinho virou-se para ele e o olhou com repreensão.
— Lá não é qualquer lugar. Eu sei. Foi modo de dizer. Me desculpe.
— E por que você se importa em se desculpar com um pé-rapado como eu?
— Também não precisa se tratar assim, né!
Xandinho concordou em pensamento, porém não respondeu.
— Dois Mojitos prontinhos no capricho — disse Ivan colocando no balcão dois copos longos com a bebida.
Cauã pegou um dos copos e foi arrastando devagarzinho em direção a Xandinho. Quando ele percebeu, olhou nos olhos de Cauã e soltou uma breve gargalhada.
— Vou aceitar seu suborno.
Eles riram e brindaram antes de darem o primeiro gole.
Depois os dois ficaram alguns instantes sem assunto. Ambos disfarçaram e ficaram procurando em volta do bar alguma coisa para se distraírem e disfarçar o clima que supostamente havia surgido ali. Um olhava para um casal sentado próximo a eles no balcão, o outro olhava as diversas cores das embalagens das garrafas de bebidas expostas atrás da área por onde Ivan circulava.
— Posso te fazer uma pergunta, Cauã?
— Claro.
— Você costuma vir ao bar com a mesma roupa que rolou no chão o dia todo de moto?
Cauã riu.
— Cara, deixa eu explicar. Eu vim para o bar para me esconder de meu pai. Se ele me vir chegando em casa com a moto fazendo esse barulho, vai falar muito no meu ouvido. O que eu prefiro evitar. E... Já que ele vai viajar daqui a pouco, resolvi vir pra cá e fazer hora. Amanhã eu procuro uma oficina para levar a Malvada.
— Ah sim. Entendi.
— Po, queria eu estar igual a você, ter tomado um banho, ficado cheiroso também. Não com esse cheiro de roupa de moto e esse cheiro de... tombo!
— Relaxa — disse Xandinho olhando sorridente para o copo — Tá fedendo não.
Eles começaram a rir.
O tempo passou e eles passaram quase uma hora jogando conversa fora no balcão. Xandinho não quis beber muito por estar de moto, disse que o Mojito estava por aquela noite.
— Opa. Meu pai, finalmente, saiu de casa — disse Cauã olhando o celular à altura da coxa — Minha mãe acabou de me enviar mensagem me dando bronca que ele saiu e eu nem estava lá para me despedir. Vou aproveitar para ir pra casa. Estou doido para tomar um banho e relaxar.
— Beleza. Acho que vou embora também. Não conheço ninguém por aqui hoje. Meu amigo também não apareceu. Vou para casa.
Eles foram embora juntos de moto. As motos estavam lado a lado numa velocidade que possibilitou que eles conversassem. O assunto era o mesmo que tinham no bar: motocross. Não se aprofundaram em nenhum assunto pessoal. Cauã até quis perguntar por que Xandinho morava com o avô, mas decidiu não fazê-lo naquela noite. Apenas contou que estava em busca de patrocínio porque ainda corria de forma particular. Estava se destacando aos poucos, mas ainda sem patrocínio.
— Eu moro aqui — disse Cauã apontando para uma casa branca de dois andares e muros altos.
— Valeu, Cauã. Bom descanso, mano. E obrigado pelo drinque.
— Por nada, Alexandre. Me desculpe mais uma vez por ter sido... babaca.
— Relaxa, passou.
— Eu vou dormir com muita vergonha hoje e essa vergonha ainda vai durar enquanto eu me lembrar desse dia.
— Que dia? — perguntou Xandinho fazendo uma cara de dúvida — Do que você está falando?
Cauã sorriu e entendeu que Xandinho já estava fazendo questão de esquecer o ocorrido, a partir daquela noite. O mecânico também queria esquecer porque ao lembrar ele sentia vergonha alheia.
Eles se despediram com um aperto de mão e cada um tomou seu rumo.
— Ué, mas já chegou em casa? — perguntou Carmem ao ver o neto entrando na sala. Ela assistia novela.
— Sim, vó. Não tem nada de interessante na Garagem hoje. Cadê o vô?
— Não tá ouvindo ele roncar? Parou um pouco, mas daqui a pouco volta o ronco do motor. Seu tio saiu não sei pra onde. Deve ter arrumado alguma garota por aí.
Xandinho entrou em seu quarto e tirou sua roupa. Tomou mais um banho por conta do calor que estava sentindo. Depois se jogou na cama e apagou em questão de minutos.
No outro dia de manhã, ele levantou da cama com uma ideia em mente. Na mesa de café, disse ao avô que iria imprimir mais alguns folhetos e entregá-los no centro da cidade. Nélio aplaudiu a iniciativa.
O garoto engoliu o resto do café e fez as impressões dos panfletos com uma pressa que ninguém entendeu. Gastou mais alguns minutos recortando tudo. Passou pela oficina na hora em que o avô abria o estabelecimento na esperança de aparecer algum cliente cedo naquele sábado.
— Vá lá buscar cliente pra gente — disse o velho, vendo que o neto se preparava para sair.
Xandinho sorriu com um semblante que iria fazer algo a mais do que dissera. Esperou o avô se distrair quando este foi falar alguma coisa com Carmem na cozinha e pegou uma pequena mala com algumas ferramentas. Colocou-a em seu colo, em cima da moto e saiu com os panfletos pendurados no guidão dentro de uma uma sacola de plástico.
Minutos depois ele já estava onde havia planejado mais cedo de ir. Estava em frente à casa branca de dois andares e muros altos. Tocou a campainha. Uma senhora de cabelos loiros e olhos azuis o atendeu desconfiada.
— Pois não?
— O Cauã está?
— Está tomando café para sair.
— Eu poderia falar com ele?
— Qual o seu nome?
— Alexandre.
— Aguarda só um minuto? Eu vou chamá-lo.
Ela fechou o portão. Minutos depois, Cauã o abriu e sorriu ao ver que se tratava mesmo do Alexandre a quem imaginava. Os olhos de Xandinho foram direto para o corpo sarado de Cauã. Ele estava sem camisa por conta do calor. Usava um short preto e chinelo.
— Alexandre! Quando minha mãe falou seu nome eu nem acreditei. O que te trouxe aqui?
— Sua mãe disse que você vai sair agora.
— Pois é. Vou atrás de alguma oficina mecânica antes que meu pai...
— Quer que eu dê uma olhada em sua moto? — perguntou cortando-o.
Cauã sorriu com um brilho no olhar que, para Xandinho, já valeu todo esforço.
Cauã abriu o portão grande de ferro para Xandinho entrar com sua moto. Depois eles se encaminharam para a parte de trás do quintal, onde Cauã guardava sua Malvada. Era uma área coberta, parecida com a garagem que havia na frente, porém com uma área menor.
Xandinho se sentou no chão mesmo. Dispensou o banco que Cauã ofereceu. Segundo o mecânico, no chão teria mais estabilidade. Com sua mala de ferramentas ao lado e a sacola de panfletos, que acabou desamarrando por descuido deixando alguns caírem pelo chão.
— Deixa que eu junto — disse Cauã recolhendo os papéis e os guardando de volta na sacola. Ele leu o conteúdo do material e viu que se tratava de uma propaganda da oficina do avô.
— Posso pegar um desse? — perguntou ele.
Xandinho deu de ombros.
— Já encontrei o problema! — disse Xandinho contente com sua sapiência motociclista — Só preciso desmontar algumas coisas.
Cauã ajudou Xandinho na desmontagem das peças. Ambos se sujaram de graxa e fizeram graça com isso. Uma certa hora, Cauã foi até o interior da casa e retornou com suco, biscoitos, pão e queijo para que eles pudessem lanchar.
Lancharam juntos conversando, rindo. Trocando olhares e fugindo da troca de olhares entre si. Havia algo entre os dois que eles ainda não entendiam. Algo que gostavam de sentir, porém prevalecia a vergonha.
— Cara, é só montar tudo agora que vai dar bom! — disse Xandinho dando a última golada sem seu suco.
Minutos depois a moto estava novamente montada e eles foram para a rua fazer um teste. Cauã a ligou e percebeu que o barulho estranho já havia sumido. Sorriu confiante. Deu partida e percorreu o quarteirão arriscando algumas curvas com manobras. Voltou para o portão de sua casa onde Xandinho o esperava. Sua mãe apareceu na hora.
— E aí, conseguiram? — perguntou ela.
— Sim, mãe. A moto ficou filé! — disse ele rindo fazendo Xandinho rir automaticamente.
— Você é um bom mecânico, garoto! Além do mais ainda atende a domicílio. Isso é bom — disse ela sem demonstrar nenhuma reação — Quanto que eu te devo?
Xandinho não soube o que responder. Ele olhou para Cauã.
— Senhora... Eu vim prestar uma ajuda de... amigo. Não vim pelo dinheiro. Eu vim porque o Cauã estava no sufoco ontem e só quis ajudar.
— Negativo! É seu trabalho... Alexandre, né? Não fique fazendo nada de graça. Ainda mais para o Cauã que vai fazer besteira de novo e depois quem acaba encobrindo ele do pai sou eu.
— Não começa, mãe!
— Quanto ficou, Alexandre? Trezentos reais paga por seu serviço?
— Não precisa. Além de ser um valor muito alto! — disse Xandinho espantando, pois havia feito um serviço relativamente simples.
— Dinheiro não é problema aqui, Alexandre. Vou te pagar trezentos porque você saiu de sua casa e gastou seu tempo. Volto em um minuto.
A mãe de Cauã entrou em casa.
— Mano, obrigado por ter vindo! — disse Cauã com um olhar de gratidão.
— Cauã, por favor, diz à sua mãe que não precisa me pagar. Eu vim aqui pra te ajudar só.
— Alexandre, eu fico muito feliz em saber disso, mas posso te dizer uma coisa?
— Hum.
— Pega o dinheiro. Meus pais vivem gastando dinheiro com coisas fúteis todos os dias. Ela falou a verdade quando disse que trezentos reais não é nada para ela. Pega o dinheiro, cara!
A mãe de Cauã voltou ao portão e estendeu o dinheiro com notas novinhas para Xandinho. Ele olhou para Cauã que fez um gesto na cabeça o incentivando a pegar.
— Pega seu dinheiro, Alexandre — disse ela — Você fez seu trabalho e salvou meu filho para a competição de amanhã.
Xandinho estendeu as mãos e pegou o dinheiro. Guardou-o no bolso. Imaginou que o avô ficaria feliz em receber aquele dinheiro mais tarde para abater algumas das dívidas.
— Obrigado, Alexandre. Vou entrar porque estou com visita lá dentro — disse ela depois virando-se para o filho — Cauã, veja se o garoto quer beber água, comer alguma coisa ou usar o banheiro.
— Obrigado. Eu estou de boa — disse Xandinho enquanto ela terminava de entrar — Sua mãe é legal.
— Não se iluda, jovem! Você não viu nada ainda.
— Eu já vou indo. Preciso voltar aos trabalhos.
— Cara, você salvou minha vida! Eu não sabia nem em que oficina levar. A moto está perfeita para o campeonato de amanhã e, mais uma vez, obrigado por ter vindo. Nem imaginava que você viria aqui pra me ajudar.
— Nada, cara.
— Vai lá me ver correr amanhã?
— Vou. Faz tempo que não vou a uma corrida, mas amanhã eu vou sim.
Eles se despediram. Logo em seguida, Xandinho foi direto ao centro da cidade entregar os panfletos. Quando entregou a metade, resolveu voltar para casa porque já iria dar meio-dia.
Quando chegou na oficina, seu avô mexia em uma moto enquanto Silas estava sentado no sofá tocando mensagem com alguém.
— Chegou o margarido! — disse Silas — Onde estavas, rapaz, para voltar todo sujo de graxa e com a maleta de ferramentas nas mãos? Você não ia ao centro entregar panfletos?
Xandinho guardou a mala e tentou canalizar a raiva que sentia de Silas. Mentalizou que não deveria dar nenhuma satisfação a ele.
— Responde, rapaz. Não ouviu o que eu perguntei?
— Eu realmente fui entregar os panfletos, mas antes consertei a moto do Cauã — respondeu com raiva.
— Quem é Cauã?
— Aquele piloto que veio aqui ontem.
— Ouviu isso, Dr. Nélio? O Alexandre não aprende nunca mesmo. Sempre se faz de bonzinho para os outros e as pessoas se aproveitam dele para conseguir as coisas.
— Ninguém está se aproveitando de mim.
— Você acha que não, Xandinho. Abre seu olho. Aquele moleque é um esnobe.
— Chega, Silas! — pediu Nélio — Xandinho, seu tio está certo, você não deveria ter ido ajudar esse rapaz. Ele fez pouco da nossa oficina. Não deveria ter ido ajudar esse cara de graça.
— Vô, mas eu não fiz nada de graça — disse Xandinho abrindo a carteira, pegando todo o dinheiro que havia recebido e entregando para ele.
Nélio se calou e se assustou com o dinheiro.
— Ele te pagou isso tudo por causa daquele barulhinho besta?
Xandinho balançou a cabeça afirmando.
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