Capítulo XXXVI

Todo o caminho da viagem de volta fiz junto de Jamie em Vento Negro.

Luz carregou os alforjes, seguindo amarrada a uma corda ao cavalo de Ian que era mais dócil.

Fora eu quem pedi para retornarmos assim, pois queria sentir o corpo dele junto ao meu.

E porque na quietude calma das planícies, eu corria sério risco de cair do cavalo, tamanho sono que me dominava, caso passássemos alguns minutos em silêncio.

A viagem de volta durou dez dias, e eu ainda me emociono quando lembro-me da despedida de Jamie e Ian à irmã.

Agora estávamos, finalmente, chegando.

Eu ansiava por dormir na grande cama de Jamie, no colchão macio de penas, com o macio travesseiro. Ansiava também por uma refeição completa e decente, preparada pelas mãos de fada de Nita.

Quase grito de alívio ao desmontar do cavalo, já nos estábulos da propriedade.

Jamie entrega os animais aos cavalariços para receberem os cuidados necessários e nos encaminhamos até a casa principal, acompanhados de Ian.

Nita está nos esperando na porta, com um olhar ansioso e esperançoso, apertando nas mãos no avental que está usando.

- Bem vindos de volta! - ela nos diz, olhando para o filho primeiro e, então, para Jamie e eu, que estamos de mãos dadas - O que significa isso?

Jamie levanta minha mão e mostra o belo anel em meu dedo, não me contenho e ostento um sorriso radiante em meu rosto.

- Significa que temos um grandioso casamento para organizar! - ele diz a ela, sorrindo.

Nita suspira, surpresa.

- Vocês... Oh, que maravilha! Minhas preces foram ouvidas! Minhas crianças, vocês ficam tão lindos juntos! - Nita está tão feliz por nós, que avança nos dando um grande abraço apertado.

Ao final dessa pequena comemoração, Nita se afasta de nós.

- Vamos, tenho um bolo quentinho para vocês, recém saído do forno! - ela diz.

Ian se aproxima, abrindo os braços para ela.

- Eu não trouxe nenhuma noiva comigo, mas também quero um abraço, mãe. - ele diz, brincalhão como sempre foi.

Ele a chamou de mãe.

A expressão de alegria que invadiu o rosto de Nita fora uma das coisas mais lindas que já presenciei em minha vida.

- Todos os abraços que eu puder lhe dar serão seus, meu filho. - ela diz, meio sorrindo, meio chorando de alegria, tomando o filho nos braços, num abraço apertado.

Ian retribui, e afunda a cabeça no ombro da mãe, sentindo seu colo, seu cheiro.

Seco algumas lágrimas que me escapam ao presenciar o momento, e Jamie me abraça, sorrindo.

- Anda muito emotiva, querida. - ele sussurra em meu ouvido.

- Eu chorei apenas duas vezes durante a viagem de volta!

- Sim. Uma porque matamos um coelho para comer, e outra porque concluiu que os cavalos estavam cansados de nos carregar e que deveríamos seguir a pé.

- O pobre coelho deveria ter família para alimentar! E os cavalos nos carregaram por quase um mês nessa viagem! Mereciam um dia de descanso!

- Mas se tivéssemos feit…

- Estão bem íntimos, vocês dois, lembrem-se que o casamento não aconteceu ainda. - diz Nita ao notar que Jamie e eu estamos bem próximos.

- Xiii.. estão encrencados! - Ian zomba de nós.

Uma coisa é Ian saber sobre Jamie e eu.

Outra era Nita.

Eu ainda temia que ela nos perseguisse com uma vassoura.

Nos afastamos, um pouco apenas, mas nossas mãos permanecem unidas.

- Nita, por favor me dê esse pedaço de bolo logo, antes que eu desista e durma sem comer! - peço. Sinto-me extremamente cansada.

Finalmente entramos e seguimos até a sala de jantar, onde sirvo-me de bolo ainda quentinho e o cubro com mel, deixando para os rapazes a tarefa de contar os detalhes da viagem à Nita, que ouvia tudo atentamente, com um misto de saudade e tristeza no olhar por Jeny, e felicidade por ter Ian ao seu lado.

Quando terminaram, e quando eu já estava em meu segundo delicioso pedaço de bolo com mel, Nita anunciou que também tinha novidades a nos contar.

- Bem, acontece que… - notei que a cada palavra o rubor em seu rosto aumentava.

- Diga logo, Nita! - peço.

- É que.. Klan me pediu em namoro. É isso.

- Que ótimo, Nita! - exclamo feliz por ela - Eu lhe disse que poderia encontrar o amor naquela festa. O óleo perfumado deu certo!

- Que óleo perfumado? - Jamie pergunta, olhando-me de soslaio.

- Nada não, é um assunto nosso, coisas de mulher! - respondo sorrindo para ele e piscando para Nita.

- Mas acontece que eu ainda não aceitei. - ela diz, torcendo as mãos nervosamente sobre a mesa.

- E porque não? - pergunto, curiosa.

- Bem.. - ela olha para Jamie e em seguida para Ian, que permanece calado encarando o prato vazio a sua frente - Eu queria saber o que vocês acham, primeiro… Principalmente você, menino Ian.

- Ian? - Jamie o chama.

- É errado eu estar com ciúmes de minha mãe? - ele pergunta, então ergue o olhar para Nita.

- Não, meu menino. Sei que não é o momento disso, vou negar e me dedicar a você, ao casamento que está por vir e…

Antes que eu me meta na conversa, o que eu já estava prestes a fazer, Ian a interrompe.

- Não fará nada disso. Irá aceitar, se for isso que a senhora quer. Meu desejo é que seja feliz, mãe, como não se permitiu ser por todos esses anos. Mesmo que eu fique com um pouquinho enciumado.

Ele diz a ela, dando-lhe um olhar carinhoso.

Noto que Nita seca uma pequenina lágrima que lhe escapou.

- Obrigada, meu filho. - ela diz a Ian, que assente apenas.

- Ótimo! Que tal um jantar com todos reunidos esta noite? Nita, convide Klan para oficializarmos tudo.

O olhar dela se arregala, e olha para Jamie pedindo confirmação.

- É uma ótima idéia. - ele diz, e me estende a mão - Agora, creio que a querida Lizy aqui esteja necessitando de descanso.

Ah, sim, eu estou.

Pego sua mão, e me despeço de Ian e Nita, que tem um olhar desconfiado para nós, e seguimos até o segundo andar.

Jamie para em frente a porta do meu quarto, abre a porta e espera que eu entre.

- O que está fazendo? - pergunto.

- A acompanhando até seus aposentos.

- Eu não quero ficar aqui! Quero ficar ali. - digo apontando para seu quarto.

Nosso quarto.

- Está preparada para enfrentar a fúria de Nita quando descobrir? - ele pergunta num sussurro, e com um sorriso debochado.

- Ah, eu estou. E, de qualquer forma, ela tem muito o que fazer agora, paparicar o filho, organizar o que será servido no jantar e convidar o namorado.

- Muito bem, então! Vamos, querida. Mas, devo avisá-la, que já que ficará em meu quarto eu me deitarei com a senhorita para descansar também. - Jamie pega minha mão e seguimos ate o cômodo.

- Descansar? - pergunto.

- Sim, não era essa sua intenção? - ele pergunta, fechando a porta do quarto enquanto eu rumo até a grande cama com dossel.

- Eu apenas pensei em fazermos algumas coisas antes.

Jamie se aproxima, lentamente, abrindo um botão da camisa a cada passo que dava.

E eu já sentia meus batimentos acelerarem.

- Vivo para servi-la, minha querida. - ele diz, abrindo um sorriso devasso, jogando a camisa ao chão e deitando-se sobre mim.

Acordo vagarosamente, minha consciência lutando para libertar-se da sonolência.

Viro-me e passo a mão pelo grande colchão, onde encontro apenas o vazio, Jamie não está mais ali.

Fico mais alguns segundos deitada e noto que falta pouco para o por do sol, então sei que  já está na hora de começar a me arrumar para o jantar em família que teremos hoje.

Isso me anima e jogo as cobertas para o lado, levantando-me apressadamente, e faz com que eu sinta uma súbita vertigem me dominar.

- Oh, céus, eu não comi quase nada hoje. Muito bem, Lizy! - murmuro comigo mesma, repreendendo-me.

Quando sinto-me melhor, visto-me e abro apenas uma fresta da porta do quarto, espiando o corredor, e saio apenas ao ter certeza de que está vazio.

Ainda faltam algumas horas para o jantar então me encaminho até a cozinha para encontrar alguma coisa para forrar o estômago até lá.

Ao descer as escadas, ouço vozes alteradas, vindo do escritório de Jamie.

Curiosidade e temor me tomam nesse momento, e sigo até lá, a passos silenciosos, para bisbilhotar e descobrir o que está acontecendo.

Chegando lá, encontro a porta entreaberta, e paro o mais próximo da fresta sem ser vista, ouvindo a conversa.

- Nós já o enterramos, patrão. - ouço uma voz masculina que não reconheço dizer.

Enterraram quem?

- Onde? - Jamie pergunta.

- Alguns quilômetros ao norte, pensamos que o senhor não gostaria de tê-lo aqui. - noto que o homem está nervoso.

- E porque não? Ele era um bêbado irritante, mas era um empregado desse lugar.

Silêncio. O homem hesita.

- Diga-me tudo logo de uma vez, homem! - Jamie pede, controlando a voz para não gritar.

- É que.. Sullivan foi encontrado na Queda. O que restou dele. Havia apenas o tronco e a cabeça. Separados um do outro.

Prendo a respiração para não denunciar minha presença com o suspiro de surpresa que já estava em minha garganta.

O que diabos aconteceu em nossa ausência?

- O que? - Ian é quem pergunta.

- Quando desapareceu na noite da Celebração, achamos que tivesse caído morto de bêbado em algum lugar. Mas ele foi assassinado.

- E desmembrado. - murmura Jamie.

- E tem mais, patrão. - percebo que essa voz é diferente.

- Diga logo, Klan! - Jamie ordena.

- Havia algo escrito na testa dele. - o homem hesita novamente, como se tomasse fôlego para dizer as próximas palavras. Mas ele diz apenas uma. - Annelizy.

Ouço um zumbido alto no ouvido, e minha visão por um momento desaparece.

Apoio-me na porta, pois minhas pernas fraquejam por um momento, e ela se abre denunciando minha presença e sei que minhas feições desesperadas denunciam que eu ouvi a terrível conversa que se passou.

Logo sinto mãos em meu corpo, mas tento afasta-lás.

- Sou eu, Lizy! Sou eu, olhe para mim. - Jamie susurra, levantando meu rosto para olhar para ele.

Em meio às lágrimas em meus olhos, vejo o vermelho de seus cabelos, que passou a ser minha cor favorita no mundo todo, e isso me traz a lucidez de volta.

- Ele está aqui. Está aqui, Jamie! - eu digo, numa voz tão triste e quebrada quanto sinto meu coração.

Ele me aperta mais forte em seus braços.

- Isso aconteceu logo que partimos em viagem.

- E ele esperou todo esse tempo porque não estávamos aqui! Mas agora estamos! Ele está vindo, está vindo por mim. - digo.

- Acalme-se. Sabíamos que esse dia chegaria, Lizy. Temos que manter a calma e enfrentar o que virá. Você e eu. Juntos. Passaremos por isso juntos. Terá que se manter forte como foi até agora, tão forte quanto sei que é. - ele diz, olhando-me no fundo dos olhos, e vejo o bronze dos olhos dele derretido no fogo da ira e desejo de vingança.

Então eu me forço a recordar da noite do ataque a meus pais e a mim.

Recordo-me da noite em que Jamie nos contou sobre Jeny e o estado de seu corpo.

Recordo-me o que acabei de ouvir, o que fora feito a Sullivan, mesmo ele sendo um traidor.

E penso nas incontáveis vítimas que esse maníaco fez durante a guerra e mesmo fora dela.

Pouco a pouco, o medo e desespero se acalmam, restando o ódio crepitante que sinto daquele homem aquecendo o sangue em minhas veias.

- Não é apenas Ethan Coen que tem dívidas a acertar. - digo entre dentes numa voz mais controlada.

Um sorriso lento e cruel se abre nos lábios de Jamie.

- Não mesmo. - ele diz.

Estou tensa e vocês?

Votem e comentem ⭐😘

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top