Capítulo II
Eu saí do hospital ao anoitecer, ainda havia os resquícios da luz do sol. Agora, a noite parecia estar em seu auge. A escuridão era minha aliada e eu a estava usando para ir o mais distante possível sem ser vista.
Calculo que estou caminhando há seis ou oito horas, não é possível ter certeza. Sempre ao norte. Saí da aldeia em uma hora de caminhada, e desde então passei apenas por duas propriedades, aparentemente fazendas.
Meus pés estão quase que em carne viva, minha cabeça está latejando no ritmo do coração, sinto falta daquela sopa horrorosa, tamanha fome que estou. Bebi água de um córrego que encontrei há umas duas horas. Meu desejo é deitar em algum arbusto e dormir pesadamente.
Mas, sempre ao norte. Eles se arriscaram por mim, não posso me dar ao luxo de ser pega. E algo me diz que aquele homem procurará por mim até debaixo de cada pedra deste lugar. Preciso já estar em um navio, rumando ao meu destino quando ele procurar no porto. Claro que eles irão cavalgando, chegarão muito mais rápido do que eu. Por isso não devo parar.
Lorde Ethan Coen. Como meu pai permitiu esse noivado? Preciso me lembrar, isso não está certo. Eu sinto o amor dos meus pais por mim, mesmo estando desmemoriada, então, porque permitiram tamanha atrocidade? Se nota a quilômetros que esse tal de lorde Coen é um homem vil e maldoso.
Estremeço com a brisa fria, ou com a menção desse ser detestável, não tenho certeza. Estou em uma subida íngreme a alguns minutos já, vejo uma enorme árvore solitária em alguns metros, e estou me encaminhando até ela.
Quando chego, paro alguns minutos, poucos minutos, para recuperar o fôlego. Encosto a cabeça na árvore, em um tipo estranho de abraço e apoio. Uma árvore. A única companhia que me resta. Respiro profundamente e me recomponho. O nascer do sol não deve tardar. Apenas duas ou três horas, no máximo.
Mas algo chama minha atenção. Um barulho. Ora, como não notei antes? Estou ouvindo as ondas. Olho ao redor e noto que o chão desaparece a minha esquerda em alguns metros. Deve ser a descida da colina. Me encaminho até lá e vejo que estou errada. Não há descida, apenas uma longa e fatal queda. É um precipício, e vejo as ondas quebrando violentamente lá embaixo.
Uma parte mórbida minha imediatamente pede que eu pule. O que eu perderia mesmo? Não tenho família, tenho bens, provavelmente, mas não posso tomar posse deles. Não tenho paz, pois um maluco está me perseguindo. Isso certamente seria a coisa mais correta a se fazer. A mais fácil.
Mas, eu fui ensinada a lutar. Isso está arraigado em mim de uma forma que antes eu nunca havia imaginado. Observando as ondas, eu noto duas coisas. Eu não quero morrer, pelo menos não sem lutar. E eu quero vingança.
Absorta em meus pensamentos, tomo um grande susto quando uma voz grave troveja atrás de mim.
- Afaste-se do precipício.
Dou um pulo meio para trás, meio para o lado e procuro na escuridão a fonte daquela voz. Eu devia estar realmente muito distraída, pois um enorme garanhão está há alguns poucos metros de mim, negro como a noite ao redor. E sobre ele, um homem alto, ruivo, e com cara de poucos amigos.
- Aproxime-se e mostre-me seu rosto. - ele pede.
Não, ele ordena. Seria um capanga de lorde Coen? Pular se tornou atrativo novamente. Eu nunca juro levianamente e nunca quebro um juramento. Eu morrerei para não permitir que aquele homem ponha as mãos em mim. Olho para as ondas novamente.
- Eu mandei revelar seu rosto. E diga-me o que faz em minha propriedade.
Olho novamente para ele, que desmontou do cavalo e está caminhando lentamente em minha direção. Sua propriedade. Então ele não é um capanga de lorde Coen.
Dou dois passos e retiro meu capuz. O homem para imediatamente, e me olha assombrado. E eu apenas penso em como ele é alto e forte. Ele carrega uma espada na cintura, e certamente sabe como maneja-la.
- O que uma mulher faz aqui a uma hora dessas? O que pretende?
Sua pergunta parece ser genuína e encurto mais a distância entre nós.
- Não pretendo nada, senhor. Apenas estou seguindo meu caminho até o porto. Sairei de sua propriedade em breve, não me demorarei. Sinto pelo inconveniente.
Dito isso, viro-me e consigo dar seis passos antes do homem me chamar.
- Senhorita! Não posso permitir tal coisa!
Olho novamente para ele.
- Ora! E posso saber porque não? - questiono, cruzando os braços. Quem esse brutamontes está pensando que é?
- Está ferida! E, sem querer ser rude, está visivelmente desgastada e cansada. E sozinha. A noite, o que é ainda pior! O porto está a um dia e meio de caminhada. Quer ainda mais alguma razão? - ele parecia exasperado.
E certo, obviamente, em cada sentença que proferiu. Sinto o cansaço nos ossos, em cada poro da pele.
- E o que o senhor sugere?
- Hospede-se em minha casa por hoje, alimente-se e descanse. Te ofereço a proteção de minha casa e meu nome, amanhã terá uma montaria para seguir seu caminho ao porto. Tem minha palavra.
O homem parecia sincero. E sua oferta fora tentadora. Ele era um nativo, sobrevivente da guerra que acabou há alguns anos. Os escoceses levavam as promessas, assim como eu, muito a sério. Portanto ele estava falando a verdade.
- Eu fico realmente grata, senhor. Não me demorarei, partirei antes do almoço. Preciso apenas de comida e poucas horas de descanso.
Sigo meu caminho até ele, nesse breve tempo sem caminhar meu corpo tomou total consciência da minha exaustão.
- Pois então que seja. Eu sou Jaime Mackenzie, líder dos remanescentes do clã Mackenzie. E a senhorita é?
- Annelizy Montblanc, senhor.
Ao terminar de pronunciar meu nome notei sua fisionomia se transformar instantaneamente, de preocupação e solidariedade ao mais genuíno desprezo. Sua postura ficou tensa e rígida. E eu entendo. De verdade.
Não sou uma dessas damas tolas que vêem o mundo em cor de rosa e arco íris. Sei que meu povo invadiu esse país, e massacrou centenas dos dele. Sei que meu nome é conhecido e que eles têm aversão e ressentimento, no mínimo, por ele. Meu pai era o general, como me disseram. Cometeu atrocidades com eles, sem dúvidas. Eu sei. E eu entendo.
- Bom, percebo que sua hospitalidade e seu convite me foram retirados. Passar bem, senhor Mackenzie.
Assim, viro-me novamente e sigo meu caminho. O homem nem se dignou a me responder. Não posso negar minha decepção, meu estômago anseia por comida, minhas pernas mal estão suportando meu peso, cada passo é um martírio. Mas eu sigo em frente.
Não tenho muitos detalhes de minha vida antiga. Apenas os fragmentos que o Dr Cooper e a enfermeira Clary me deram. Meu nome, e o nome de meus familiares, John Jones Montblanc, meu pai e ex general dos exércitos, e Evany O'Connor Montblanc, minha mãe. E meu suposto noivo, claro. Não tenho parentes, pelo menos não aqui.
Voltarei a Inglaterra, é o meu melhor destino, e até chegar lá minhas memórias já terão voltado. Assim espero. E, se não, bem, decidirei depois. Um dia de cada vez. Seguindo meus instintos assim como Clary me disse.
Apenas sinto minhas lágrimas quando uma brisa bate em meu rosto. É a primeira vez que choro desde que acordei. Não sou uma pessoa endurecida e sem sentimentos, eu sinto sim, e muito. Apenas sei que lágrimas não ajudam em nada.
Mas o cansaço esta me matando, acabando com meu auto controle. Tropeço em um galho e caio sobre meus joelhos em um baque surdo. Por um momento, apenas um breve momento, eu permito que meu desespero extravase. Sinceramente, o que mais me resta? Então, eu choro. Lágrimas quentes e grossas, carregadas de perdas, incertezas e tristeza.
Meu corpo sacode com meus soluços, e sinto algo em meus ombros. Levanto o rosto imediatamente e vejo o homem que vi há um tempo. Ele veio por mim. Deve ter travado um debate interno brutal pois o deixei para trás há quase uma hora.
- Venha. - ele está agachado em minha frente, o rosto com alguma emoção que no momento não sou capaz de decifrar, me estendendo a mão. E eu a aceito, agradecidamente.
Sem mais nenhuma palavra, Mackenzie me ajuda a subir no gigantesco garanhão e monta atrás de mim em seguida, realizando ambas tarefas com uma facilidade impressionante. E saímos quase que a galope. O sacolejar e o ritmo estável do cavalgar, somados ao corpo quente que me segura firme, fazem com que meu corpo desista de lutar e rapidamente perco os sentidos.
Hmmm, e não é que nosso ruivo alto, bonito e sensual já apareceu na história?!
SPOILER: é ele quem narra o próximo capítulo 😍
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top