Capítulo I

Estou mexendo nesta sopa há alguns minutos e ainda não tomei coragem para a segunda colherada. Não que esteja ruim. Mas, digamos, que a única coisa pior que o vazio em minha mente é esta sopa.     
 
Por fim, coloco a colher de lado e tomo o prato em minhas mãos. Respiro fundo, encarando a maldita sopa intragável. Não posso permitir que uma sopa me vença. Conto até três e tomo todo aquele caldo, como se fosse água e eu estivesse com muita sede. Um pouco escorre pela minha boca, mas não me importo, tomarei um banho em seguida.

Termino e descanso o prato em minha pequena mesa do meu quarto. E conto novamente até três. Desta vez me esforçando e me concentrando a manter a sopa no estômago. Tomo o suco de laranja que restou e me sinto melhor.

Me largo grosseiramente na cadeira e olho pela janela. Mamãe me daria uma bronca se me visse com essa má postura. Sorrio. Eu não me lembro deles, não a fisionomia, mas me lembro do que me ensinaram.

Cada coisa que faço me traz uma nova memória, uma mensagem. Eles estão me ensinando de novo, uma última vez. O médico, Dr. Cooper, disse que graças a esses sinais minha memória muito provavelmente não demorará a voltar. E tal coisa me alegra e amedronta.

- O banho está pronto, senhorita. - a enfermeira chama da porta. É uma senhora, perto dos 60 anos talvez. Mas com um vigor invejável a muitas jovens.

Me levanto e a sigo ao meu banheiro. Uma pequena banheira de madeira me espera, e me aconchego ali, na água quente. É bom, mas falta algo. O óleo de banho, com cheiro de flores. Isso.

Então, uma imagem se forma em minha mente. Um banheiro grande e bem iluminado, com uma banheira de louça branca, cheia de água e uma espuma perfumada. Minha casa. Abro os olhos, assustada. Isso está sendo mais rápido do que imaginei.

- Algo errado, meu bem?

- Eu me lembrei.. de como era o meu banheiro, de minha casa.

- Isso é muito bom, em algumas poucas semanas suas memórias lhe pertencerão novamente.

- Aquele homem que me visitou mais cedo, ele não voltou, não é?

A enfermeira passava o sabão pelas minhas costas e hesitou em responder, notei.

- Não, mas voltará. Ele me dá arrepios, senhorita.

- A mim também. - então, aqueles olhos negros surgem em meus pensamentos. Frios e implacáveis. - A senhora não pode permitir que ele me tire daqui. Por favor, convença o médico. Aquele homem não quer o meu bem.

Ela para de me esfregar e pega minhas mãos. Me conforto com seu toque suave e firme.

- Eu farei tudo o que puder. Todos têm uma energia, meu bem, palavras e ações mentem, mas se concentre e sentirá a energia das pessoas. E a daquele homem, é uma das piores que já senti.

Assim, terminamos o banho como se tal conversa estranha não tivesse acontecido. Em seguida, a enfermeira, que agora sei chama-se Clary, faz meu curativo.

A pancada em minha cabeça abriu uma ferida considerável. Da testa até atrás das orelhas do lado esquerdo do meu rosto. Os pontos ainda não foram retirados e o curativo se faz necessário, e por sorte meus cabelos irão esconder a maior parte da cicatriz. Em seguida, Clary sai e me deixa sozinha, e sou grata, pois estou cansada pelo esforço. Ainda é meio da tarde quando o sono me vence.

- Senhorita! Annelizy, acorde!

Algo me sacode bruscamente e abro os olhos, sobressaltada. Clary está me chamando, visivelmente assustada. Algo está errado, posso sentir.

- O que houve, Clary?

- Ele voltou. Quer levá-la de qualquer maneira. Vamos, vista-se. - ela me estende um vestido verde escuro, que visto apressadamente, enquanto ela amarra meus lençóis um no outro. - O Dr. Cooper o está distraindo.

- Ele sabe que está me ajudando? - pergunto, terminando de fechar os últimos botões do vestido.

- Ora, claro que sim! Ele é um bom homem, senhorita, e viu sua reação quando viu seu noivo.

- Pare de dizer que aquele homem é meu noivo.

- Bem, infelizmente ele é. Mas temos que ser rápidas, ele não está sozinho desta vez. Está pronta? Ótimo! - ela me estende uma capa de veludo azul noite - Vista o capuz e mantenha seu rosto abaixado, Dr. Cooper disse que a senhorita mudou de quarto, eles estão no andar de cima, vamos.

Clary então prende uma das pontas dos lençóis que amarrou na mesa e joga o restante pela janela, pega minha mão e me arrasta com pressa para fora do quarto. Imagino que os lençóis sejam uma distração caso algo dê errado, pois estamos nos encaminhando a direção oposta.

Descemos alguns lances de escadas, e saímos em um beco, nos fundos do hospital.

- Sabe as direções pelas estrelas, senhorita?

- Sim, eu sei.

- Excelente! Siga sempre ao norte. - ela me entrega uma pequena bolsa de couro com algumas moedas - Ao norte está o porto, chegará lá em alguns dias. Mantenha-se discreta. Se quer realmente ficar longe daquele homem deverá fugir para longe, ele a procurará por toda parte. Confie em seus instintos, senhorita, eles lhe guiarão da melhor maneira que há. Estarei rezando pela senhorita em todas minhas preces. Agora vá.

Meu coração bate tão forte contra meu peito que tenho medo de que o mesmo se parta ao meio. Eu não sou tola. Eu sei que aquele homem é perigoso, e também sei o quanto Clary e Dr Cooper estão se arriscando por mim, uma completa estranha para eles. Dou-lhe um beijo em sua face, e um abraço rápido, estamos perdendo tempo.

- Obrigada, Clary. A vocês dois. Muito obrigada.

Ela apenas assente para mim. Me viro e sigo em frente, ao total desconhecido. A única coisa que sei é que meu futuro está sempre ao norte.

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