Salém - A Santa Inquisição

2


— Bruxa pura.. Duvido muito. — Sorri mostrando as presas. Uma mulher naturalmente bonita.

— Se quiser, te mostro minha pureza... — Pisco para ela, que para minha surpresa, gargalha. Uma das poucas bruxas que não mudou a voz, a beleza e até mesmo os hábitos humanos após a descoberta.

— Não pode mostrar o que não tem, Agnes. — Ela sorri e a lareira acende. Ao se levantar, ela se dirige ao que penso ser a cozinha, e volta com chá. Me oferece um e eu aceito. Amo hortelã.

— Quantos anos você tem? — Pergunto após bebericar.

— Vinte e sete. Só faz dez anos que descobri minha linhagem. Aí fui encaminhada para cá. Você? — Ela bebericou o dela, fazendo biquinho. Por alguma razão meu coração palpita.

— Eu tenho trinta. Sei desde de que adquiri consciência. Mas com toda essa caçada religiosa, comecei a fugir. E tem uns quinze anos que vivo nessa chatice.

— Salvou muitas? —Mais um gole do chá, que aquece minha garganta. Encaro os olhos curiosos dela, e sinto um nervosismo estranho. Olho a boca dela, em formato de coração.

— Umas três, fora você, em todo esse trajeto. O restante eram apenas inocentes. Salvei a maioria, os que eu pude. — Olho para qualquer canto.

— Entendo. — Ela ficou pensativa, olhando um ponto fixo na parede de pedras. Com certeza quando eu chegar em casa vou pintá-la. O pensamento me deixa contente.

— Do que está sorrindo? — Indaga me olhando com uma sobrancelha erguida. Me engasgo com meu próprio cuspe e me levanto. Ela deve pensar que eu sou estranha.

— Nada.. Preciso ir. É bom você ficar aqui no submundo, lá fora cada vez mais fica perigoso. — Ela se levanta sem jeito e mexe na barra do vestido verde. Os pés descalços no piso de pedra são realmente fofos. Algo em mim, não quer ir agora...

— Você... — Ela limpa a garganta e coça a nuca, me olhando. Que fofa! — Obrigada por me salvar. — Diz baixinho.

— Por nada, a gente se vê. — Caminho até o portal, já me transformando de volta. Queria ficar mais um pouco... Talvez ela seja a mais amigável das bruxas que salvei.

— Agnes. — Ela me chama, me viro para ela a tempo de ver ela soltar uma respiração. — Quer ir na cerimônia de coroação de uma prima minha comigo? — Ela esconde as mãos atrás de si, e parece adorável. Fico nervosa, escondo as mãos trêmulas. Estou velha demais para isso!

— Eu sou mulher... — Falo e ela piscou, confusa. — Nessas cerimônias, bruxas adultas têm que ter um acompanhante homem. Meu feitiço não engana todos. — Os ombros dela caem e ela faz biquinho. Malícia passa em seus olhos.

Realmente é o que estou pensando?!

— A não ser que você venha para cá... Passar a noite aqui.. — Ela parece nervosa. Meu coração acelera. Encaro ela, sentindo minhas entranhas se contraírem. — Jogar algum jogo, ou até mesmo... Nos conhecer melhor.. — Ela conclui, muito envergonhada.

Se bruxas como nós fossem capazes de jogar feitiços de atração eu recusaria. Mas não fazemos esse tipo de coisa, ainda mais... Ambas sendo mulheres.

— Você é muito legal, sabe? E eu nem tenho amigas bruxas do lado de fora do submundo. Não pense que eu sou uma bruxa do clã que seduz homens e mulheres. — Tagarelou gesticulando. Fofa! Uma risadinha escapuliu. Coloco o cabelo atrás da orelha, talvez ela me ache mais bonita assim.

Funciona! Ela pisca um par de vezes e limpa a garganta.

— Eu saberia se você fosse uma. Elas não gostam de bruxas. — Pisco para ela, que começa a gaguejar um monte de coisas do tipo "não gosto de você" ou "convencida". Risadas genuínas escapam de mim. Limpo os olhos e vejo ela rangendo os dentes.

— Está tudo bem! Me encontro com você esta noite. — Sorrio para ela, que sorri de volta.

— Combinado. — Aceno um tchauzinho e recebo uma piscadela. Tropeço na saída e escuto uma risadinha fofa atrás de mim, me recuso a virar e vou embora, com o coração quentinho.

No outro dia eu não seria mais tão pura quanto meu nome sugere!

*****FIM*****

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