CAPÍTULO QUATRO
“Deve haver apenas um lugar seguro no mundo, quero dizer este mundo. As pessoas se machucam aqui. As pessoas caem e ficam no chão e eu não gosto do jeito que a música é. Você, a lua. Você, a estrada. Você, as florzinhas à beira da estrada. Você continua cantando aquela música que eu odeio. Pare de cantar.” — Richard Siken.
Os sapatos caros praticamente escorregavam pelos degraus da escada. Dali a meia hora, perto da quadra, um filme natalino estaria sendo exibido. E o dono do sapato estava em casa ainda, perfumando-se e ajeitando o cabelo para sair. Talvez ele tivesse um motivo para estar indo lá fora, em pleno inverno, assistir um filme cujos diálogos praticamente moravam na sua memória. E talvez, só talvez, ele estivesse nervoso com isso.
Wooyoung era um cara que gostava de sair e se divertir, mas quase nunca dava sorte no amor. Havia alguns meses que não saía com alguém — pelo menos, não alguém de fato interessante —, então ninguém poderia julgá-lo pelo atual nervoso. Ademais, nem sabia se realmente era um encontro, porque nenhum dos dois chegou a especificar o que seria. Bom, eram apenas amigos saindo por aí e se divertindo? Era mais confortável pensar assim, logo esse foi pensamento que o ajudou a terminar os degraus.
Seu pai não estava em casa, mas o som da televisão ligada preenchia o silêncio. Estava cansado, mas de alguma forma, revitalizado. Se estivesse no seu apartamento, vindo tarde do trabalho, provavelmente não iria para lugar algum. Wooyoung era do tipo que se cansava facilmente, não podia ficar indo de um lado para o outro o dia todo sem cair no sono antes das nove. Seria algum tipo de mágica natalina que o fazia estar em energia para ir à rua mesmo de noite?
A oficina com as crianças foi incrível, ele ainda comeu bastante biscoito. O Natal absolutamente era a melhor época do ano. Tinha as melhores tradições, melhores comidas, decorações e roupas. A neve caía e salpicava toda a cidade, as luzes pareciam mais brilhantes e todo mundo era legal. Até mesmo seu pai. Isso mesmo, o xerife Jung não pegou tanto no pé do filho naquele último dia. Parecia que quanto mais perto do Natal, mais leve e agradável se tornavam as coisas.
O relógio da parede informava que as 19hs batia à porta. Apressadamente, alisou o suéter natalino com renas e flocos de neve, pegou as chaves do carro, desligou a televisão e saiu de casa. Se San viesse buscar, ficaria esperando. Mas eles não marcaram assim. Bem, ele não podia correr o risco do seu pai estar em casa e se deparar com San.
Atravessou a cidade colorida, com todos os pisca-piscas e sorrisos de crianças alegres por terem doce, brincadeiras na neve e futuros presentes de natal. E em falar em presentes de natal, Wooyoung fez uma nota mental para não esquecer de comprar os presentes de Yeosang, San e a galera da peça. Seria um vacilo esquecer.
— Você chegou um pouco atrasado — San comentou sorrindo quando Wooyoung parou o carro em frente ao chalé. — Pensei que havia levado um bolo.
— Eu perdi a noção do tempo — retribuiu o sorriso com uma concordância. — Entra!
San abriu a porta do passageiro e entrou no carro. Como estavam atrasados, não tinham tempo a perder. Woo tentou ser rápido dentro da lei — termo este que rendeu grandes risadas com San, que insistia em dizer que não havia lei naquela cidade. Ora, Choi San era realmente um sujeito formidável. Não havia com quem comparar.
— Será que o filme já começou? — Wooyoung comentou quando estavam apenas a poucos metros.
Conseguiam ver o telão exibindo alguma coisa colorida. Porém, quanto mais chegaram perto, perceberam se tratar de uma propaganda de produtos capilares. Woo suspirou aliviado, afinal não havia perdido o início do filme. Pagaram os ingressos e lentamente acharam um espaço entre um Ford e um Volvo.
O peito de ambos palpitava, talvez por ansiedade. Wooyoung viu-se nervoso no banco, agora virando o corpo para pegar a pipoca que fez em casa e trouxe para que pudessem comer. Ele comprou latinhas de refrigerante também e San inclinou a cabeça para o lado distraidamente.
— Por que trouxe tudo que pode comprar aqui? — ele perguntou.
— Porque comprar por fora é mais barato — ele deu de ombros. — E a pipoca que faço é mais gostosa.
— Então quero experimentar com certeza — San esticou a mão para que Wooyoung lhe desse o saco.
Jung ligou a luz interna do veículo. E foi naquele exato momento que pôde olhar atentamente o rapaz ao seu lado. Porque quando lhe entregou a pipoca e pôs o refrigerante no painel, San distraiu-se comendo e aquela visão pareceu até tirada de uma tela de cinema — a que estava ali a frente deveria exibir aquela imagem. San não era só o cara mais criticado da cidade, ele parecia ser o mais doce, o mais adorável. E naquela noite do cinema, seu cabelo estava dividido para os lados e seus olhos pareciam mais brilhantes.
Os faróis de algum carro jogaram suas luzes nele, e o ato involuntário de apertar os olhos deixou-o com uma expressão engraçada e fofa. Acontece que desde o dia anterior, quando seguraram as mãos em frente ao fogo e compartilharam histórias que não contavam a ninguém, mas que os assombrava à noite, as coisas começaram a caminhar de uma forma diferente. Sabe, já havia muito tempo que Wooyoung encarava San e podia ter certeza de que suas bochechas estavam rubras, pois queimavam só de pensar na ideia de estarem lado a lado assistindo ao filme e dividindo a mesma pipoca. Porque aí suas mãos teriam mais chances de se encontrarem.
Parecia bobo e careta, mas isso porque Wooyoung se sentia desse jeito aí mesmo. Não sabia por que estava tão estagnado com a presença de San — que naquela noite não usava chapéu, vestia uma camisa azul bebê com listras brancas e calça jeans preta. Não havia nada exuberante ou especial, porém ao mesmo tempo parecia que sim. Seria pelo ar preppy da camisa abotoada até a gola? Após analisar um pouco, ele percebeu isso: não eram detalhes da roupa ou aparência, mas sim o fato de San ter se vestido de uma maneira um pouco diferente e ter penteado o cabelo para… sair com Wooyoung?! Então aquilo era um encontro, certo?
— É, não é ruim — San comentou.
Wooyoung piscou três vezes, logo em seguida desviando o olhar.
— Viu só? — tentou sorrir.
— O que você colocou? — San tinha as sobrancelhas praticamente grudadas enquanto ainda mastigava.
— Um pouco de tempero em pó — para não olhar diretamente para San, ele inventou de ajustar a inclinação do banco.
San ainda mastigava, só que dessa vez olhando para Wooyoung. Sua expressão continuou a mesma, embora por motivos diferentes. Não era mais a pipoca que lhe instigava.
— Tempero em pó? Tipo para carne, frango… essas coisas?
— É, minha mãe fazia e eu peguei a mania — Wooyoung passou a encarar o carro da frente ou o telão já iniciando o filme.
— Ey, Woo… tudo bem? — se ele não morreu de nervosismo, iria morrer com San chamando-o daquele jeito. — Quer dizer, desculpa te chamar assim… mas você está bem?
— Estou sim.
— Mesmo? Porque você está meio… estranho, não sei — ele pareceu engolir em seco.
Wooyoung ficou alguns segundos sem responder, se sentia um bobo por estar mexido com aquilo. Se sentia um bobo por estar surtando no meio do encontro que, agora sabia, era de fato um encontro.
— É só que eu fico meio nervoso perto de você — virou-se para olhá-lo.
San arqueou as sobrancelhas e sorriu.
— Você não precisa ficar nervoso.
— É, eu sei.
— Vem, me dá sua mão — esticou a mão esquerda para ele.
Wooyoung não pensou antes de pôr a sua mão sobre a de San. Eles deixaram as mãos juntas no vão entre os dois bancos.
— Vamos assistir ao filme e vai ser incrível, ok? — San prosseguiu. Para matar Wooyoung de vez, passou a acariciar o dorso da mão dele.
— Pensei que você já tivesse assistido a esse filme.
— É, todo mundo já. Só que estou aqui com você e isso é bem legal. Tipo, você é legal demais — soltou uma pequena risadinha no final. — Então se puder deixar a timidez repentina de lado e falar um pouco, eu ficaria feliz. Quero escutar suas críticas ao filme.
Wooyoung riu daquilo. E quando o filme iniciou, não pareceu que eles estavam de fato assistindo. Quer dizer, estavam acompanhando os acontecimentos, mas trocavam alguns comentários sobre o filme que acabava impedindo que escutassem os diálogos claramente.
San encontrava-se encantado. Wooyoung falava e de repente tudo parecia valer a pena. Parece que tudo de ruim acontecido na sua vida tinha sido essencial para levá-lo até ali, nos espaços entre as risadas e a mão suada de Jung Wooyoung. Em momentos de silêncio, prestava atenção ao filme ou encarava o próprio sapato no escuro (desligaram a luz para enxergar melhor o filme). E no meio dele, separaram as mãos, porque estava difícil comer e beber assim. Mesmo assim, seus corações pareciam estar amarrados.
Na cena em que Kevin detonava os ladrões com armadilhas, eles riram como se fosse a primeira vez assistindo. Mas, de certa forma, era a primeira vez assistindo juntos.
O final da risada era marcada por um sorriso. Woo sorria quando olhava para San, ainda mexia no cabelo e às vezes mordia os lábios. Ele olhava o rosto do Choi e pensava como seria se estivesse próximo o suficiente ao ponto de sentir a sua respiração. E pensar nisso levou-o a olhar seus lábios. Eles teriam o gosto do céu?
— Totalmente impossível! — San exclamou repentinamente. Woo voltou-se para a tela de novo. Estava se distraindo demais. — Esse filme todo é uma mentira.
— Não é? — Jung viu um dos bandidos caindo e decidiu acompanhar a risada de San. — Mas o bom é isso. Se fosse realista, eu com certeza não assistiria.
— Incrivelmente terrível — San pegou sua latinha e deu um gole.
Uma ideia surgiu na sua cabeça, um verdadeiro clássico.
— Ei, se prepara — disse antes de pegar uma única pipoca e mirar em Woo.
Em poucos instantes, aquilo virou uma espécie de campeonato de quantas pipocas eles conseguiam pegar com a boca. Sair com San era divertido. Ele tinha um dom de tornar tudo natural e leve. Porque se antes estava prestes a surtar de ansiedade, Woo não podia estar mais despreocupado na brincadeira com a pipoca.
E, assim, a pipoca acabou. Wooyoung ganhou o campeonato, então fez um discurso ridículo sobre como estava feliz em derrotar o ladrãozinho San, que tentou trapacear a brincadeira ao pegar com a mão e enfiar na boca.
Lá para as últimas cenas do fime, eles estiveram em silêncio. E quando só créditos subiram, alguns carros buzinaram como aplausos e ligaram os faróis. Naquela guerra de luzes e barulhos insuportáveis, San passou a olhar Wooyoung seriamente sem nem esconder.
— O que foi?
— Nada — respirou tão fundo que o outro pôde perceber. — Só estou reservando um tempinho da minha vida para te admirar.
O canto esquerdo dos lábios de Wooyoung projetaram-se para um sorrio, mas o outro lado não quis responder tão na cara assim. Um pequeno sorriso tímido surgiu.
— E você… hm… está gostando? — suas unhas esfregavam o volante.
— Oh, yeah — sua voz saiu mais aguda e brincalhona. Ele abriu um sorriso tão filho da puta de provocativo que Wooyoung acabou não aguentando e rindo.
— Besta! — ele se aproximou para bater no seu braço, mas deixou a mão por lá mesmo.
San olhou para a a mão do loiro e depois para o seu rosto. O que aconteceu em seguida, nem ele mesmo acreditou. E seus olhos transmitiram uma mensagem que apenas eles dois poderiam entender, estava criptografada: vem, chega mais perto, vem devagar para não doer, vem devagar porque temos todo o tempo do mundo, feche os olhos porque vamos brilhar tanto que você pode ficar desnorteado…
E próximo o suficiente, Wooyoung sentiu a mão de San tocar seu antebraço e deslizar até chegar na sua nuca parcialmente nua. O contato da pele foi necessário, porque ali mesmo ele se partiu em milhões de pedacinhos na esperança do Choi remontá-lo. E fechou os olhos. Fechou os olhos porque não queria ficar desnorteado com o brilho que emanaria dos dois.
Primeira impressão: os lábios de San eram terrivelmente macios demais, sua respiração estava quente e a pele do rosto era suave. Eles passaram alguns segundos assim, apenas sentindo um ao outro, talvez tentando descobrir se realmente era real. A mão de Wooyoung que estava no braço dele desceu até segurar seu pulso que gradativamente chegava a sua cintura. Perceber que San estava inclinado também lhe dava arrepios dos bons. Caramba, aquilo era tão bom!
E quando lentamente os lábios foram abrindo, uma onda de ansiedade percorreu os dois. Ele sabia que aquilo era tudo que queria. Sabia que San estava ganhando linhas demais na música que seu coração performava. Ele estava ganhando destaque, voz, vida… e tudo isso porque era o cara mais incrível que havia conhecido. Isso não podia negar, não agora. Não quando suas línguas acabaram de se tocar e todo o resto pareceu estúpido demais para chamar a sua atenção. Alguma buzina insuportável no carro a frente não podia roubar sua atenção, tampouco o motorista pedindo para que movesse o carro para que pudesse sair.
San riu disso no meio do beijo. Como ousava sorrir no meio do beijo? Quebrou o contato por um segundo e meio para tirar a mão da cintura de Wooyoung e apertar a buzina com força com o intuito de revidar ao incômodo ser humano do outro carro. Woo riu daquilo, porque não pareceu muito comum estar beijando alguém enquanto buzina para um desconhecido. Trocaram mais dois beijos rápidos antes de parecer que entraram numa briga de buzinas que antes eram sobre o filme.
— Que saco! — comentou aos risos.
Eles tiveram de se separar, cada qual em seu banco, tentando recompor o semblante sério ou sei lá. Mas não puderam. Deixaram o local sorridentes, idiotas e bobos. Saíram sem fazer comentário algum sobre o filme — e deveriam, no mínimo, conversar sobre aquilo. Mas quando Wooyoung ligou o rádio, tocava só música de Natal. Por incrível que pareça, San não pareceu se incomodar. Os dois estavam felizes demais para se aborrecer com algo tão fútil.
Parados na sinaleira fechada, Woo avistou uma loja aberta com enfeites divertidos para a árvore, como o boneco do Grinch, trenzinhos cobertos de neve, bonecos de neve, bengala doces e companhia. Foi aí que lembrou-se de algo. Precisava de coisas novas para decorar a árvore que, para variar, ainda não estava montada e seu pai certamente não faria aquilo por conta própria.
— Podemos parar ali um pouco? Preciso fazer umas compras — informou ao San, que apenas concordou com um movimento da cabeça.
E então eles foram. Os momentos que sucederam a isso foram cobertos de sacolas de compras e itens diversos. Eles saíram com as mãos cheias de sacola, porque segundo Wooyoung, o pai quase não tinha decorações e as que tinham estavam velhas e caindo aos pedaços.
— Está tão tarde — San ia comentando quando enfiaram as sacolas no porta-malas. — Por que uma loja estaria aberta?
— Véspera de Natal, San. Talvez queiram ser os únicos a estarem abertos para uma emergência.
— Tenho certas dúvidas sobre a miniatura do Papai Noel ser uma emergência.
— Emergência de Natal!
— Ainda não me convenceu. Emergência de Natal é alguém escorregar na neve e se machucar. Ou um carro derrapar. Sabe, o bom daqui é que constantemente limpamos as pistas, então as chances de alguém se machucar é mínima. Mesmo assim…
Ver aquele lado falador e um pouco opositor do San era até algo interessante. Parecia que a cada segundo ao lado dele descobria facetas que nem tinha ideia antes. Possivelmente ele só fosse assim com pessoas próximas mesmo, quando se sentia à vontade para tagarelar sobre como as pistas precisam estar impecáveis para que ele passasse com Buttercup. E havia um certo brilho no olhar quando San falava de Buttercup. Ele realmente gostava daquele cavalo.
Quando entraram no carro, San sugeriu que passassem na casa de Woo, porque seria melhor deixar as compras por lá e se aquecer um pouco. Por mais que o carro tivesse aquecedor, não era a mesma coisa de estar dentro de uma casa, talvez em frente a lareira. Ainda mais porque um punhado de neve despencou de uma árvore e caiu na cabeça de San antes de entrar no carro. Ele tentou limpar, mas os resquícios derreteram e agora tentava secar com a manga da camisa.
Aquela noite estava surpreendentemente escura, porém as luzes de natal da vizinhança tornava tudo mais suportável, dava um glamour. Finais são sempre uma libertação e aquele ano não seria diferente. Todos precisavam de algo novo. Novas datas principalmente.
San deixou o carro vestindo uma jaqueta corta vento que Wooyoung arranjou no banco traseiro do carro. Juntos, retiraram as compras do porta-malas e se encaminharam para a varanda iluminada. Era óbvio que Wooyoung quem pusera as luzes de Natal e uns duendes no jardim coberto de neve. E, por incrível que pareça, os duendes tinham gorros verdes.
— Ai, meu Deus, Wooyoung! Ali no jardim é uma escultura sua? — San riu baixinho.
— Sai da frente — era engraçado ver Wooyoung meio pistola, porque ele literalmente empurrou San com o ombro como se realmente estivesse bravo pela zoação.
San riu mais do que deveria. Depois disso, entraram. Não era nenhuma surpresa a casa do xerife. Ele já esteve lá algumas vezes — em sua maioria, para encher o saco ou se vingar —, mas naquele momento ela quase pareceu que não era dele, e sim do Wooyoung. Todas as luzes estavam desligadas, porém quando ligaram, perceberam que as botas do xerife estavam na entrada, ao redor de uma poça de água que poderia ter sido neve em algum momento. Significava que o pai de Jung estava lá.
— Pai? — ele chamou.
San fechou a porta atrás de si. Respirou fundo, pois estava quente no interior. Mais quente do que o carro.
Não houve resposta vinda de lugar algum da casa.
— Ele deve estar dormindo — as chaves deslizavam pelos seus dedos, balançando e tilintando pelo ambiente.
Ele parou no meio do caminho. Percebeu que se fizesse barulho, seu pai acordaria, seu pai implicaria com San, e talvez não fosse possível ressuscitar algo daquele momento pós-filme. As chaves foram parar na bancada. Os enfeites de Natal foram jogados ao lado do sofá. Sua coluna fez um barulho estranho, do tipo que dizia “ei, fiquei muito tempo na mesma posição, está na hora de se esticar um pouco”. Ele fez uma careta. San sorriu timidamente. Não sabia o que fazer.
— Quer que eu acenda a lareira? — Wooyoung apontou para o buraco retangular na parede. — Não será nenhum problema.
— Pode ser.
Aquilo poderia ter sido um convite ambíguo, provavelmente querendo fazer com que ele ficasse e talvez pudessem ter um momento inesquecível. Mas seu pai devia estar roncando no andar de cima, certamente ainda com as roupas do trabalho. Não era o momento, era?
Pensar no assunto lhe trazia ansiedade. Ele apenas apressou-se para acender a lareira e atiçar o fogo. Se estava nervoso? Claro que sim. San era um cara incrível, beijava muito, muito bem, e aquele encontro não poderia ser melhor. Por um segundo, olhando as lânguidas chamas acostumarem-se com a lenha, ele percebeu que aquilo estava tomando uma proporção inimaginável. Estava vivendo um conto de fadas.
Veja bem. San não era assim um príncipe da Disney, ele tinha lá seu jeito desajeitado e às vezes não parecia ser um doce de pessoa. Mas era adorável ao mesmo tempo, algo que Wooyoung nunca poderia entender. O preço do sorriso dele valia muito à pena e ninguém tinha avisado. Ele vagava sobre Buttercup e fazia o que queria, e agora parecia que Wooyoung se via encantado por todo momento que compartilhava com ele. E aproveitava tanto aquilo que vez ou outra esquecia-se que lá fora daquela casa tinha uma realidade acontecendo.
Tinha um apartamento para voltar, a folha de pagamento com seu nome, novos projetos e clientes antigos para lidar. Ainda teria de comparecer a festinha da sua mãe e do padrasto no Ano Novo. E agora que ele notava que tudo era muito novo…
— Você e seu pai irão enfeitar a árvore juntos, não é? — San sabia que sim, mas ousou perguntar para preencher o silêncio meio incômodo que se formava entre os dois.
— É, isso mesmo — Wooyoung cruzou os braços e fez um bico distraído. — Quer um chocolate quente?
— Não precisa.
— Está achando que vai ser ruim? — uma das suas sobrancelhas ergueu.
— Não — Choi revirou os olhos. Ele passou um tempo ocupado olhando o alaranjado do fogo pincelando o cabelo loiro de Wooyoung. — É que realmente não quero por agora.
— Tudo bem — esfregou as mãos.
Eles ficaram um pouco em silêncio.
— Hoje foi legal, não foi?
— Foi sim — San sorriu. — Embora eu tenha leves críticas em relação ao filme.
— É bom você se acostumar, possa ser que ano que vem eu te encha o saco para ir também…
Wooyoung riu da própria fala e, nos primeiros segundos, San também. Depois, o sorriso foi se esvaindo gradativamente e sua expressão se tornou algo confuso.
— Espera… você vai estar aqui ano que vem? — inclinou a cabeça para o lado.
Ora, era de fato uma ótima pergunta.
— Hm… eu… — Woo puxou o lado esquerdo da franja para atrás da orelha, porém a mecha soltou-se no segundo seguinte. — Eu não sei. Acho que quero voltar. Quero estar aqui com mais frequência. Vou fazer o possível.
San concordou com a cabeça, mas não dava para saber sua real opinião sobre aquilo. Estava achando uma boa ideia? Não gostou, porém compreendia? E se ele estava se dando conta agora de que Wooyoung precisava ir embora e que isso era iminente? Afinal, Jung tinha uma vida lá fora, pessoas que se importavam com ele e a quem se importar também. Não que aquela cidade fosse uma droga — não era nem um pouco —, mas não podia trocar tudo que construiu na cidade grande e promissora por um surto sentimental e nostálgico de uma cidadezinha enterrada na neve. Certo?
— Todo dia está ficando mais frio — San sentou-se em frente a lareira, cruzando as pernas sobre o tapete vermelho da sala. — Eu deveria ter vestido mais roupas…
— Oh, se você quiser, posso te dar um suéter. Tem um novo que ainda nem usei e, parando para analisar, acho que ficará incrível em você — com o dedão, ele apontou para a região das escadas.
— Eu não quero tirar o suéter de você.
— Está tudo bem, San — abriu um sorriso magnífico. Simplesmente magnífico. — Não tem problema. Você está muito bonito assim, mas acho interessante que possa se proteger melhor do frio. Vem comigo.
— Não precisa…
Wooyoung segurou sua mão e puxou para cima. San foi obrigado a levantar.
— Não foi um pedido — o sorrisinho de canto de lábio poderia fazer San desfalecer. — Vamos logo.
Eles subiram vagarosamente os degraus da escada. Wooyoung na frente, San atrás. É óbvio que Jung tinha amado aquele suéter, porém não havia comprado um presente sequer ao San e aquele suéter poderia servir como presente de Natal. Se tivesse tempo durante o dia seguinte, com certeza tentaria comprar algo mais apropriado. Em via de dúvidas, lá estava o suéter estendido num cabide da arara de roupas do seu quarto.
Aquele quarto tinha sido do pré-adolescente Jung Wooyoung, com suas crises de identidade e surtos caretas com matemática. As paredes não eram brancas, estavam mais para creme. Na parede esquerda do cômodo era possível encontrar rastros de pôsteres e adesivos. Aquilo fez San levantar uma das sobrancelhas curiosamente para o que tipo de cartaz estava ali grudado e o porquê de ter sido arrancado daquela maneira.
A cama não era uma king size, porém não deixava de ser grande e espaçosa. A cabeceira era engraçada, porque a madeira estava velha e toda riscada. O carpete no chão era felpudo e confortável, e San sentiu que poderia facilmente deitar ali e dormir por horas. Talvez dias.
E lá tinha um cheiro suavemente floral e meio amadeirado que trazia leveza ao ar. Woo sabia que era do difusor que estava em ação algumas horas antes, bem ali na bancada ao lado da bandeira pan estendida. Ele percebeu que San estudava aquilo.
— Bem, está aqui — arrancou o suéter do cabide e segurou na frente de San. — Acho que combina com você.
O suéter era num vermelho de média luminância, tinha detalhes em branco, desenho de uma rena e flocos de neve. Obviamente que suéteres natalinos eram as coisas mais bregas do mundo, mas se tratava de Wooyoung e Wooyoung amava toda e qualquer breguice natalina.
— Uau — San se segurou para não rir. — Você realmente gosta do Natal.
— Eu realmente gosto do Natal.
San pegou o suéter e passou a olhar os detalhes.
— Por que você gosta do Natal?
— É a melhor época, San. A comida é incrível, amo enfeitar a árvore. Há o recesso dos feriados nos trabalhos e escolas. Podemos comer biscoitos e montar casas de gengibre. E é legal presentear as pessoas, sabe? Também ficar se aquecendo com roupas quentes, assistindo comédia romântica natalina e bebendo chocolate quente. Isso é qualidade de vida...
— Qualidade de vida… — ele repetiu com uma pequena e anasalada risada.
— Olha, você deveria vestir. Não sei como aguentou ficar tanto tempo fora. Eu posso te emprestar uma camisa para você colocar por dentro dessa, aí joga o suéter por cima das duas.
— Eu tenho direito de dizer não?
— Ter, tem. Mas não será respeitado.
Quando San revirou os olhos, Wooyoung foi até o guarda-roupa. Assim que abriu a porta, suas mãos remexeram apressadamente as roupas do interior. Não tinha muita coisa, afinal não havia planejado ficar muito tempo na cidade, porém encontrou uma regata que trouxera para justamente usar por baixo de todas as camisas. Jogou a roupa para San pegar, fechou a porta do móvel e depois sentou-se na cama.
— Já que não tenho escolha… — foi o que San resmungou.
Ele pôs o suéter e a regata sobre a cama de Wooyoung, bem ao lado do próprio. Seus dedos foram para os botões da camisa, soltando-os devagar — não era proposital, veja bem, ele apenas estava com frio e seus movimentos ficavam lentos — enquanto olhava para o suéter. Wooyoung pegou-se encarando as mãos do outro nos botões, depois na pele que se revelava enquanto a camisa abria. Ficou se questionando como seria se ele abrisse um pouco mais.
Mas, não, Wooyoung estava sendo estúpido! Como poderia olhar San daquela maneira? Ok, ele gostava muito do San e talvez fosse por isso que estava um pouco curioso, porém não queria dizer que devesse estar fazendo aquilo. Era insano. E errado. Muito errado.
Wooyoung levantou-se repentinamente e foi até a janela para ver a rua. Nada surpreendente estava acontecendo, ainda mais porque estava tão tarde que os vizinhos certamente estavam dormindo. Crendo que ele já estava vestido, virou-se para trás e se deparou com o completo oposto. Aparentemente o San estava tirando a regata do avesso antes de vesti-la, sendo assim completamente nu na parte superior do corpo. Nos primeiros segundos, ele estava quase de costas, então dava para ver os músculos da região e do braço. Só que ele se virou assim do nada, deixando Wooyoung sem saber se fingia ainda olhar a rua ou congelar feito um boneco de neve.
— Ei… você acha que dá em mim? — Choi estendeu a regata para que Wooyoung visse.
Como ergueu a camisa perto da região do rosto, agora Wooyoung tinha uma visão privilegiada do corpo dele. Quer dizer, não que se importasse com isso, mas hmm… ele definitivamente não deixava a desejar. E era curioso porque San não parecia frequentar academia, porém tinha o corpo bem delineado. Talvez suas atividades rotineiras fizessem isso.
Ele engoliu em seco sem querer, depois esfregou a palma da mão esquerda na nuca. Precisou desviar o olhar, virar o rosto, qualquer coisa que pudesse mandar a mensagem de que não estava nem aí para aquilo. Ou pelo menos algo próximo disso.
— Acho que sim, ela é bem elástica — sua fala saíra arrastada e rápida demais.
San desceu a regata e olhou Wooyoung com as sobrancelhas juntas.
— O que foi? Fiz algo de errado?
— Hm? — Wooyoung passou a encará-lo. — Ah, não… foi nada de mais.
— Então foi algo — San deixou a regata sobre o ombro esquerdo antes de caminhar na direção de Wooyoung.
Não que Wooyoung se sentisse meio intimidado com homens bonitos e atraentes, mas… bem, é justamente isso mesmo. Wooyoung se sentia intimidado — não de um jeito ruim — por homens bonitos e atraentes que nem o San. Tanto que vagarosamente deu dois passos para trás.
— É só que eu gosto de você — se aquilo já não estava óbvio, ele queria que ficasse bem explícito. — E, como eu disse, fico meio nervoso…
— Wooyoung, você é muito fofo! — agora, Choi estava mais perto dele. — Eu também gosto de você.
— Isso parece tão coisa de ensino fundamental… dizer que gosta de alguém — Jung revirou os olhos.
— É, um pouco — ele deu de ombros.
— Desculpa falar essas coisas vergonhosas…
— Não são nem um pouco vergonhosas. É como você se sente, não deve ser invalidado.
— Eu sei, obrigado…
Wooyoung se sentia bem naquele momento, seus olhos brilhavam, ele estava nas nuvens. Nenhum dos caras com quem ficou teve tamanha paciência e admiração que San tinha por suas pequenas breguices e momentos de nervosismo ou dramaticidade. Sim, ele ficava nervoso e bobinho, mesmo que fosse cara de pau para fazer perguntas e demonstrar que gostava de alguém. Muitos não gostavam do comportamento dele, como se estivesse de fato no ensino fundamental e se apaixonasse pela primeira vez. Não era algo que ele deveria ter vergonha. Por que tinha tanto medo de agir assim?
San ficou encarando-o carinhosamente por um tempo e ele percebeu que San ainda era melhor quando se conhecia. Parecia completamente diferente do início. No entanto, também tinha isso: só porque San tinha uma reputação não queria dizer que ele só era aquilo. Caramba, San parecia um lago profundo que todo mundo achava ser raso e pequeno.
— O que é isso? — Choi distraiu-se com a bancada próxima a eles. Pegou um óculos vermelho com as lentes em formato de estrela.
— Aqui — o outro rapaz tomou o objeto da sua mão para que colocasse no rosto dele.
San ficou lindo usando aqueles óculos.
— De onde é isso?
— Usei numa apresentação da escola e nunca mais soltei — Jung ficou tão encantado com aquela visão que não se controlou, segurou o rosto de San com ambas as mãos e apertou as bochechas com as palmas. — Você fica completamente adorável com ele.
— Eu não combino com essas coisas — tentar falar só tornava as coisas melhores, porque era engraçado ver seu biquinho se mover
— Jura? — Woo sorriu. — Você sabe que sim.
— Não — ele tentou sorrir.
— Sim! — suas mãos deixaram o rosto dele delicadamente, porém resvalaram até parar em seus ombros.
Seus olhos se encontraram. Não precisaram de mais palavra alguma, nem uma sequer. Eles sabiam o que queriam e como conseguiriam. Wooyoung foi até ele encurtar a distância. Embora tenha levado certo tempo, era na lentidão que se aqueciam. Olharam para os lábios um do outro, chegando mais perto, o coração borbulhando no mar do amor. Ele piscou uma última vez antes de encostar os lábios em San, porque por mais que fossem jovens e tivessem todo o tempo do mundo, não deveriam gastá-lo inteiramente na espera. É sofrível. Ninguém quer sofrer. É mais fácil, e mais gostoso, debruçar-se nos lábios dele.
As mãos de Wooyoung ligeiramente apertaram os ombros firmes de San. Deslizou um pouco para baixo, alcançando o norte do seu peitoral, e ele sentiu que aquilo estava bem melhor do que havia imaginado. Beijava-o lentamente, bem calmo, porém recheado de ternura e carinho. Beijava porque não sabia se existia outra coisa que o fizesse se sentir tão em êxtase como agora, sentir que estava transbordando, ninguém poderia impedir. Nem mesmo San, que encostava a mão no seu antebraço, subia para seus cotovelos e depois ia vagarosamente encontrar seu rosto.
Sim, claro, o rosto de Wooyoung certamente estava rubro, pois era o preço a se pagar por ter Choi tão intimamente assim. Por enroscar a língua na sua e quase perder todo o ar de uma vez só, simplesmente assim, de forma mágica e inexplicável. Era o tipo de beijo que trazia arrepios, que aniquilava raiva e nervosismo. Era um ótimo beijo para dar fim a uma rivalidade infantil.
Uma pausa. Eles precisavam respirar. A mão direita de San tocava suavemente seu rosto, porém não tardou a encontrar seu pescoço. A delicadeza do contato lhe trouxe uma gama de arrepios no local e, por um segundo, ele imaginou como seria se San o beijasse naquela região. O coração palpitava, porque de repente aquele inverno não parecia tão frio assim.
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