D O I S
Boulder, 2021.
Amarelo.
Tudo era muito amarelo.
A areia, o sol, a pouca grama seca quebrando embaixo de seus pés. Se tivesse que escolher uma palavra para definir aquele lugar, seria amarelo. E quente. Muito, muito quente.
Harry White passou os dedos pelo colarinho da camisa social e tentou afrouxar a gravata. Sentia-se à beira de um ataque cardíaco. Quanto mais quente ficava, mais desejava voltar para a sua caótica e cinzenta Londres, onde sempre estava frio o suficiente para uma xícara de chá. Aquela cidade nunca o deixou desconfortável, muito pelo contrário. Ele costumava saber qual seria o clima da semana inteira sem ao menos checar o jornal. Muito diferente da América. Ali, nem mesmo a previsão do tempo era confiável.
— Eu entendi, Harry. Está calor. Mas já que você me arrastou de volta para esse lugar, não teria alguma observação importante para fazer?
O tom irritado de Annelise fez Harry perceber que estava xingando em voz alta. Revirou os olhos, afrouxando ainda mais a gravata, e fincou os olhos na cena do crime, procurando observações importantes para fazer. Mas não havia nenhuma. Só amarelo. E quente. Amarelo e quente.
Haviam-se passado três dias desde que encontraram o corpo de Christine Roberts na areia onde pisavam, e desde então procuravam evidências que pudessem dizer algo sobre o assassino. Nada apareceu nas fotos, nem nas análises das rochas, então White pensou ter deixado passar alguma informação importante e convenceu Parker a voltar e dar outra olhada.
Perca de tempo.
— É inútil — comentou Annelise. — Não há rastros. Deveria ter alguma pegada ou marcas de pneu, mas está limpo. Podemos voltar quantas vezes quiser, continuaremos na mesma.
White se sentiu ofendido com a acusação implícita em suas palavras. Não era como se pudessem estar fazendo algo mais útil se estivessem em outro lugar. Aquele caso já havia começado em um enorme beco sem saída.
— É um deserto, Parker. Ventou, a areia se moveu e tudo foi apagado. Mas teve alguma coisa, em algum momento, e talvez ainda possamos encontrar vestígios.
Annelise segurou uma resposta ácida antes que ela saísse pela sua boca. Era insuportável quando White ficava de mau humor. Atrapalhava a investigação, a convivência e a sanidade dos dois. Respirou fundo, pensou a respeito e decidiu manter o profissionalismo, transformando a resposta que tanto desejava em uma observação.
— Sabemos que o corpo estava limpo, então temos por onde começar. Eu aposto em um sujeito metódico e atencioso, que cuidou de tudo. Essa foi a semana mais abafada dos últimos dez anos em Boulder. Não ventou tanto assim para que evidências voassem pelos ares.
Como se para ajudar a detetive, uma brisa rara atravessou a área isolada pela faixa policial, fazendo o plástico balançar. Depois disso, tudo voltou a ficar abafado como se o ar do mundo tivesse evaporado. Harry se esqueceu do calor por um instante, levou as mãos aos bolsos da calça e olhou ao redor, para os arbustos queimados e o sol escaldante.
— Você tem razão — disse baixinho, para que ela não escutasse.
Annelise escutou, porém, e sorriu satisfeita. Cinco anos e agora ele admitia quando ela estava certa! Era um avanço e tanto. Uma pena que o êxtase durou pouco. Em um segundo, percebeu que, se aquele palpite estivesse certo, seria bom apenas para o assassino. Sem câmeras ou testemunhas no meio do deserto, a única esperança de conseguirem encontrar rastros estava na cena do crime e, claro, no corpo. Com os dois tão limpos, entraram em um beco sem saída.
— É uma droga. Prefiro os relaxados.
— Precisamos focar no que sabemos — disse White, tentando parecer positivo. Não combinava com ele, mas Annelise prestou atenção. — A autópsia mostrou que Christine já estava morta há pelo menos três dias. O corpo não ficaria tão conservado exposto no deserto, certo?
— Sim, já falamos sobre isso. Temos que encontrar a verdadeira cena do crime. Este foi só o lugar que escolheram para se livrar do corpo.
— Isso. E tem outra coisa. Uma coisa igualmente importante.
Parker levou as mãos aos bolsos da calça também, esperando que ele continuasse.
— O que?
— Um freezer.
— Um freezer?
Agora, sim, White estava animado.
— Isso! Sabemos que Christine morreu três dias antes de ser encontrada, mas ela estava intacta, com poucos sinais de decomposição, segundo o legista. Duas coisas podemos concluir: o corpo não ficou aqui durante esses três dias e, onde quer que tenha ficado, estava em conservação.
Annelise começava a ter um sentimento ruim sobre o caso. O pensamento que atravessou a sua mente naquele momento esfriaria o deserto. O modo como Christine morreu, tão brutal, fazia parte de um padrão. A cena de crime também. Poderia estar se precipitando, mas era impossível não pensar em um verdadeiro psicopata.
Não, não podia ser. Mais um, não.
— Ex-namorado ciumento, talvez? — tentou se convencer. — Ele ficou com o corpo por três dias. Talvez não soubesse o que fazer com ele.
White quase se comoveu com a esperança dela.
— Vamos, Parker, você viu o relatório da autópsia. Corte limpo na garganta, do tipo cirúrgico. Não foi uma morte acidental, causada por uma briga, foi premeditado. E, agora, uma cena do crime falsa, sem nenhum vestígio. Ele sabia muito bem o que fazer com o corpo, mas esperou três dias para agir. Por quê?
Nenhum dos dois havia percebido o quanto estavam tensos até o telefone de Annelise tocar, assustando ambos. Harry sentiu aquele ataque cardíaco mais próximo do que nunca e, enquanto a parceira atendia a ligação, se virou para respirar fundo.
— Parker — Annelise praticamente xingou, brava por ter sido interrompida. — Sim. Tem certeza? Certo, obrigada.
A ligação foi tão rápida que despertou a curiosidade de Harry.
— O que foi? Quem era?
— Christine usava um colar de ouro quando morreu. Encontraram uma digital nele.
— Temos uma identificação?
— Não. Mas temos uma combinação.
...
A sede do FBI em Las Vegas ficava bem no centro da cidade, entre um mercado e uma igreja. O prédio não se parecia nada com o da Scotland Yard, sendo muito menos dramático do que o departamento de polícia britânico. Em Las Vegas a agência tinha poucos andares e um estacionamento ao ar livre, com entradas supervisionadas por pequenas cabines: nada hollywoodiano. White esperava elevadores supermodernos e paredes espelhadas quando estava no avião, anos atrás, indo para a América, mas foi totalmente surpreendido.
Quando Annelise parou o carro, White sentiu, mesmo que brevemente, saudades daquele prédio. Apesar de odiá-lo, a sede do FBI tinha seu charme. Já o departamento de polícia da cidade de Boulder era, no mínimo, deprimente. O pavimento térreo parecia a casa de uma família tradicional americana, com as paredes brancas e o gramado se esforçando muito para parecer receptivo. Isso sem falar das escadas. Harry odiava as escadas. Sempre que precisava subi-las, ficava pensando que teria sido melhor perder o emprego, a alma e a reputação em Las Vegas, no caso do Colecionador, a ser mandado para aquele lugar cheio de degraus.
Desceu do carro, junto com Annelise, já extremamente desconfortável. Um grupo de detetives esperava por eles dentro do departamento, ansioso por ordens sobre o que fazer a seguir. Era o primeiro assassinato da maioria daqueles policiais, então White já temia a falta de paciência que teria com todos. Torcia para que Annelise tomasse a iniciativa de liderar a reunião e dar ordens; preferia quando ela estava no comando. Sua parte, que era simplesmente descobrir coisas, ele faria.
A entrada do departamento era repleta de quadros com fotos de policiais aposentados. A maioria deles pertencia à mesma família: os Capaldi. Harry demorou um pouco para entender toda a dinâmica daquela cidade, mas, aparentemente, os Capaldi estavam sempre envolvidos na polícia. Se pareciam muito com os White — pais e filhos seguindo os mesmos passos, essas coisas. Harry não gostava de admitir que sua família era pouco especial, mas a verdade estava naquelas quatro paredes de quadros com descendentes Capaldi em uniformes azuis. Será que eles também tinham o histórico de alcoolismo ou a semelhança acabava no distintivo?
— Bom dia!
Chelsea sorriu atrás do balcão da recepção assim que Parker e White entraram no salão. Ela sempre fazia aquilo, como se realmente gostasse dos dois, ou de estar ali. Annelise respondeu por White, mas continuou andando, obviamente ansiosa para checar os arquivos que a perícia havia enviado sobre a digital do colar de Christine.
Seguiram para o centro do departamento, onde os outros únicos dez funcionários estavam aguardando. Apesar de ficar muito perto de Las Vegas, Boulder era uma cidade pequena, onde quase nada acontecia. Há meses não havia um assassinato para investigar. A morte de Christine fora a primeira coisa interessante a acontecer em um ano.
— Temos que tentar falar com a mãe de Christine outra vez — Harry sentou em sua mesa. — Ela deve saber de alguma coisa.
Annelise bateu o dedo indicador em seu ombro, lembrando-o da reunião, e Harry se obrigou a levantar.
— Certo, atenção aqui — chamou, mas todos os policiais da sala já estavam com os olhos nele. — Como sabem, Christine Roberts foi encontrada morta alguns dias atrás. Designamos tarefas para a maioria de vocês, mas temos pouca coisa para trabalhar no momento. Algumas informações da perícia estão chegando aos poucos, talvez as mais importantes, então precisamos que fiquem preparados para entrar em ação. É isso, obrigada.
Assim que White se virou e encarou Annelise, deu de cara com uma expressão indignada.
— Isso foi você instruindo a sua equipe?
— Foi. Por quê?
— Você é horrível — ela não mostrou gentileza. — Não passou qualquer ordem, e esse era o único ponto de falar com todo mundo. Temos uma dúzia de colegas de turma para entrevistar, por que não mandou que se dividissem em grupos?
White suspirou.
— Porque eu sempre faço as entrevistas com os colegas. Não confio nessas pessoas lidando com suspeitos. Com certeza deixariam passar alguma coisa.
— Vai demorar muito mais para fecharmos esse caso, Harry, se não aprender a trabalhar em equipe.
Não era a primeira vez que White escutava aquele discurso, então simplesmente a ignorou e voltou a se jogar na cadeira de sua mesa.
— Já te mandaram os detalhes sobre a combinação da digital?
Annelise revirou os olhos, totalmente contrariada, mas não discutiu: sabia que não adiantaria nada. Sentou em sua mesa, que ficava a um corredor de 30 centímetros da de White, e espiou o computador. Tinha um e-mail novo.
— Sim, está aqui — então digitou algumas coisas, analisou o arquivo e limpou a garganta. — Combina com uma digital encontrada em um outro corpo, anos atrás, em Las Vegas.
Houve uma pausa para a leitura do restante do arquivo, mas Annelise não voltou a falar. De repente, parecia nervosa, engolindo a seco e apertando o mouse contra a mesa.
— O que foi, Parker? Está tendo algum tipo de derrame?
— Adivinha de quem era o corpo onde encontraram a digital de Las Vegas?
Ele deu de ombros.
— Não faço ideia.
Annelise desviou os olhos do computador. Sua expressão era de total espanto. Harry não a via assim há muito tempo.
— Amanda Colton.
Todo o calor de Boulder desapareceu e, subitamente, a sala ficou fria. White sentiu um pequeno choque percorrer o seu corpo, quase como se alguém tivesse lhe dado um soco no estômago, e lutou para conseguir falar normalmente.
— O quê? Me deixa ver.
Ele empurrou a cadeira de rodinhas onde Annelise estava sentada e tomou a frente do computador, analisando os arquivos enviados pela perícia. A primeira página era o resumo público da investigação sobre o psicopata conhecido como Colecionador De Ossos, que atuou em Londres e em Las Vegas em um período de aproximadamente 20 anos. Ele parou de ler. Não precisava continuar. Fizera parte, assim como Annelise, da equipe de detetives que agiram no caso quando ele foi transferido para Las Vegas. A digital no colar de Christine combinava com a digital encontrada na última cena de crime deixada pelo Colecionador, antes dele desaparecer. Na época, não conseguiram uma identificação para ela, claro, mas sabiam, de alguma forma, que pertencia ao assassino.
Harry ficou completamente confuso por vários instantes.
Não fazia sentido.
— Quer dizer que ele voltou? — perguntou, mais para si do que para Annelise. — Mas a morte de Christine está fora do Modus operandi do Colecionador. Ela... Não pode ser. Simplesmente não pode.
Era impossível que, depois de tantos anos, o Colecionador decidisse trocar de estilo. Por que ele faria uma coisa dessas? Por que não colocaria os ossos de Christine em um saco? E por que deixara uma digital?
— Talvez ele tenha cansado do que fazia e decidiu mudar — Annelise propôs.
White ficou, mais uma vez, ofendido.
— Um assassino em série passando por uma crise de meia idade? Pelo amor de deus, Parker!
— Então qual é a sua teoria?
White já abria a boca para gritar qualquer coisa, mas se interrompeu. Não tinha uma teoria. Pela primeira vez em muito tempo, pouco sabia o que pensar.
— E se não for a digital dele? — acabou propondo.
Annelise franziu a testa e inclinou um pouco o corpo para frente, como se fosse um segredo.
— Seria muita coincidência, não acha? A mesma digital em duas cenas de crime diferentes, e as duas de alguém que não é o assassino.
— Só estou dizendo que pode não ser o Colecionador. Explicaria por que Christine não está em um saco de papel.
O jeito como ele falava aquelas coisas nunca agradava Annelise. Ela voltou a se afastar de White, contendo o impulso de repreendê-lo, e pensou sobre a possível coincidência.
— Precisamos de mais do que isso — decidiu. — É muito pouco para tomarmos qualquer decisão.
Harry se afastou da mesa, deixando o espaço livre para Annelise retomar as atividades em seu computador. Ao redor deles, o escritório estava silencioso, quase vazio. A equipe havia saído para almoçar depois da catastrófica reunião.
White queria acreditar que a digital era pura coincidência, mas Annelise estava certa. Era perfeitamente possível que o Colecionador houvesse retornado às atividades com uma pequena remodelagem. Não tinha para onde fugir. Precisava ser racional e aceitar que, se havia outra vítima, era sua culpa. Não o capturara quando tivera a chance e agora estava tudo em suas mãos, todo aquele inferno outra vez.
Depois que o FBI encerrou o caso do Colecionador por falta de avanços, Harry pensou que nunca mais precisaria lidar com aquela investigação. A maior falha de sua carreira ainda o assombrava. Ele nunca conseguiria esquecer das notícias, dos jornais e das pessoas que esperaram anos por uma derrota o culpando. As coisas que ele fez no passado, as pessoas que irritou e os sistemas que burlou foram expostos e White, mesmo com todos os seus esforços e mesmo depois de quase morrer por aquele caso, foi penalizado. Annelise, claro, também se prejudicou. Ela teria saído imune, mas, depois do último incidente do caso, naquele fatídico dia que pôs tudo a perder, ambos foram afastados e enviados para Boulder.
Foi a única maneira de não perderem seus empregos.
Então, por esses e outros motivos, White não queria se envolver com o Colecionador outra vez. Estava tentando recomeçar naquela cidade minúscula, cuidando de arrombamentos e violência doméstica. Ele não precisava de um assassino em série acabando com a sua carreira de novo.
O telefone de White tocou, vibrando sobre a mesa de madeira. Foi o segundo ou terceiro susto do dia e ele pensou que estava começando a ficar velho e fraco.
Estou esperando.
Era tudo o que tinha na mensagem.
Merda.
Estava atrasado.
— Preciso sair — White se levantou tão rápido que assustou Annelise. —Assim que eu voltar conversaremos com a chefe. O FBI pode querer saber sobre essa digital.
A expressão de desconforto no rosto de Annelise foi o suficiente para White saber que ela havia pensado nas exatas mesmas consequências que ele.
— Nos encontramos em uma hora.
Harry dirigiu por alguns poucos quilômetros até o aeroporto internacional de Las Vegas. De carro, deveria demorar pouco mais de vinte minutos, mas ele andava tão devagar que levou quase uma hora. Sentia-se uma criança escondendo coisas dos pais. Suas mãos apertavam o volante com tanta força que poderiam quebrá-lo a qualquer momento, e a buzina, extremamente útil por todo o caminho, começaria a falhar se ele continuasse exagerando nos xingamentos a outros motoristas.
Era um péssimo dia para o Colecionador decidir voltar.
Na verdade, ele não poderia ter escolhido um dia pior.
A mensagem que Annelise lhe enviou quando Harry estava no meio do caminho também não ajudou. Ela dizia que o FBI já estava sabendo sobre a digital encontrada no colar e queria uma reunião com os detetives de Boulder. Todos os relatórios e detalhes da perícia estavam sendo enviados por fax naquele exato momento, oficializando a relação de Christine com o Colecionador. Aquela garota estava a uma investigação de se tornar mais uma vítima do assassino em série e a um procedimento formal de virar mais um peso na culpa de White.
Como a mensagem passava apenas aquela informação, Harry não sabia qual seria o seu papel e o de Parker a partir dali. Seria normal que fossem excluídos da investigação, mas ele duvidava. Christine era de Boulder e o corpo fora encontrado muito longe de Las Vegas. Além do mais, só a digital não faria o FBI se interessar de verdade pelo caso. Todos os recursos para prender o Colecionador foram encerrados, e mover uma equipe para reabrir a investigação sairia muito caro. White e Parker continuariam no caso até chegar perto, então os federais assumiriam para a prisão final.
Tudo, claro, se fosse mesmo o Colecionador.
Outra mensagem.
Se apresse.
Harry pensou em responder, mas continuou com a atenção no trânsito. Normalmente ele ignoraria todas as regras para elaborar um xingamento em emojis — arte que aprendera com Kate, enquanto ficava de guarda na recepção do hotel até sua mãe retornar —, mas aquele dia já estava ruim o suficiente. Não precisava bater o carro ou atropelar uma senhora e piorar tudo.
Quando entrou em Las Vegas, demorou apenas dez segundos para desejar voltar a Boulder. A cidade havia se tornado amaldiçoada, com uma casa de filme de terror. Lhe passava as piores sensações e lhe embrulhava o estômago apenas olhar para os prédios, sempre lembrando do quanto andou e buscou através daquelas ruas. As cenas de crime ainda viviam em sua memória, como se o mapa de Las Vegas agora estivesse cravado em seu cérebro. Não conseguia se livrar.
Se sentiu aliviado ao entrar no aeroporto. Felizmente, estava vazio. Apesar de Las Vegas ser a principal atração dos turistas da região, as coisas ficaram calmas depois do Colecionador. Harry gostaria de dizer que as pessoas se afastaram por medo, mas ninguém deixou de ir aos cassinos quando a chacina começou. O problema estava na pós tragédia, na não captura do assassino. Depois que as pessoas entenderam que o Colecionador não seria preso, pararam de visitar a cidade. A diversão acabou quando perceberam que estava realmente em perigo.
Colocou os óculos escuros e desceu do carro. Procurou pelo maço de cigarros no bolso do paletó e o encontrou junto com um sentimento de culpa. Há anos tentava parar de fumar e há anos falhava. Sabia que em sua atual condição de saúde poderia morrer se não interrompesse aquele vício, mas sempre que tentava dar um fim acabava voltando atrás.
Caminhou até a entrada do aeroporto, que estava movimentada. Não chegava a ser uma multidão, mas o incomodava. Harry havia desaprendido a ver tanta movimentação desde que passara os últimos meses em Boulder. A única aglomeração daquela cidade estava na igreja, e ele não era exatamente religioso.
Talvez devesse começar a rever alguns conceitos, principalmente em relação à sua fé.
Porque naquele momento, enquanto passava pelas portas do aeroporto, ele pensou em pedir algo a Deus. Algo simples, mas impossível, que mudaria a sua vida para sempre, que o tornaria menos miserável.
Não teve tempo de ao menos tentar, porém. Enquanto andava, uma voz chamou o seu nome e o trouxe de volta para a sua realidade sombria e sem fé. No mesmo instante, se arrependeu. De tudo, desde que saíra de Londres até o momento em que respondeu a primeira mensagem recebida no seu telefone. Quis voltar atrás, mas era tarde depois, então se virou para as cadeiras da sessão de desembarque. Lá estava uma garota de cabelos castanhos, apoiando os pés em uma pilha de três malas, com um livro nas mãos.
Por um momento Harry só ficou ali, parado. Então o cigarro queimou os seus dedos e ele acordou. Piscou, afastando qualquer traço de emoção que pudesse denunciar como aquilo era absolutamente devastador, e tentou parecer neutro quando Melanie White andou em sua direção.
Tudo nela estava diferente, mas Harry ficou incomodado ao perceber que aqueles olhos ainda o afetavam. Não era sobre o que via, mas sobre o que sentia: um absoluto vazio; perca de esperança. Como se, em algum momento, a vida pudesse ter sido melhor para ambos. Principalmente para ela.
— Pai! — Melanie sorriu. O sorriso não o incomodou; o matou. Machucou como se fosse uma faca. Era simplesmente o mesmo de quando ela tinha dois ou três anos. Como se fosse a mesma pessoa, apesar dele saber que não era.
Harry White voltou a pensar em Deus quando os braços da garota caíram ao seu redor, formando um abraço. Daquela vez, o pedido foi puro e simples: queria um jeito de lidar com o que estava por vir. Um jeito que, de preferência, não o matasse.
x x x
Nota da Autora
ANDY PARA O ANDYVERSO!!! Como vocês estão???
Tivemos neste capítulo uma volta significante, que espero que tenham gostado. Eu tô muito eufórica com essa personagem djdkdkd mal vejo a hora de mostrar para vocês tudo o que aconteceu desde o fim de quem matou Sofia?
Lembrando que, se você quer conteúdo exclusivo sobre o universo de histórias, lancei esse mês o meu clube de leitores! Passa lá pra dar uma olhada! O prêmio desse mês foi uma carta da Marie para o Harry, qual nos dá algumas pistas sobre o porquê de ela estar em SdO. Link na minha bio!
Beijao.
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