Capítulo Treze
Depois de passar pelo que pareceram horas intermináveis (do nível "Jason saindo e voltando pelo menos quatro vezes para saber se já tinha acabado a tortura") vestindo e tirando peças e mais peças, procurando um carigian que ficasse incrível em mim, nada pareceu bom. Nas opiniões de Valerie e Helena, louca o bastante para aguentar aquilo por vontade própria, ou eu estava parecendo uma anciã, ou a cor me apagava, ou estava largo demais, ou apertado demais. E ainda tinha pelo menos mais dez deles para experimentar... Definitivamente, eu odiava o meu aniversário.
Enquanto eu me despia ao que parecia ser pela centésima vez, minha consorte se aproximou com uma peça marfim de fita verde. Helena disse algo sobre aquele ser maravilhoso, mas eu ignorei, à espera de mais uma decepção. Valerie passou as mangas pelos meus braços e a amarra pela minha cintura três vezes antes de fechar em um laço. Uma parte estava feita. Só faltava a saia e fita na cintura. Levantei os braços enquanto ela passava a saia volumosa pela cabeça, que agarrou na hora de descer pelos meus seios ― isso era um bom sinal. Pelo som de aprovação que ecoou atrás de mim, até então, estava tudo bem; o problema era a fita, que poderia destruir toda a composição. Quando a ruiva começou a circulá-la pela minha cintura e moldá-la, eu já estava querendo arrancar todas as peças e sair dali só com as handark a me cobrir.
Pelo menos ela não tomou muito tempo.
― Pronto ― disse, logo que deu um leve tapa no tecido para ajustá-lo. Mas ela só pareceu ter realmente notado o resultado quando me encarou de cima abaixo. ― Uau.
― É. Uau mesmo. Ficou lindo, Kate.
Observei o reflexo no espelho enorme que havia no quarto de costura do palácio: elas estavam certas, aquilo era definitivamente um "uau". Com um pequeno rodopio, vi os detalhes encrustados em laranja na barra da saia, todavia, ainda faltava algo.
― Ele tem uma sana? ― encarei meus pés descalços e Valerie assentiu, tirando o par de sapatilhas de uma caixa enumerada com um "23". Colocou-o no chão e eu calcei, pensando que em termos de conforto, as sanai haviam melhorado muito. ― Acho que acabou a busca. Finalmente.
Helena sorriu, concordando.
― Se você não tiver nada pra fazer hoje, eu queria aproveitar pra te dar o seu hanir porque acho que amanhã não vai dar tempo ― ela falou, já de pé e braços semi-cruzados.
Aceitei, enquanto Valerie me ajudava a tirar o carigian do corpo.
Minha consorte separou o que eu vestiria e se retirou, no entanto, quando fui começar a colocar minhas roupas comuns, a futura sacerdotisa me parou. Seu sorriso parecia o de uma criança prestes a fazer besteira...
― No lugar que vamos você não vai precisar disso.
― Você espera que eu ande só de handark por aí? ― perguntei; a incredulidade corria pelas minhas veias.
― Não se preocupe, Kate, você não estará sozinha nessa empreitada ― e piscou um dos olhos para mim. Isso antes de soltar o laço que prendia seu vestido e ficar tal como eu.
As handark em sua pele misturavam o tom violáceo da mãe, com o amarelo escuro do pai, dançando em espirais pelo torso, ombros e outras partes. Não poderia negar que era uma visão bonita e que eu não via a muito tempo, desde o início do ciclo; era estranho e engraçado o quão incríveis as handark poderiam ser.
Assim, sem dizer uma palavra então, ela me arrastou pelo braço até o lado de fora do palácio, onde seus dois consortes lhe esperavam. Helena se afastou para dizer algo a eles e voltou até mim, segurando um embrulho nas mãos, que eu não presumi que fosse meu hanir, apenas parte dele. Sua animação parecia escapar pelos poros, mal podia contê-la e eu poderia admitir que me contagiou um pouco também.
Agora sim eu estava curiosa.
― Eu tive muito trabalho para encontrar os ingredientes certos e fazer essa poção ― ela riu, encarando-a fixamente enquanto a seguia até o lugar no qual me levaria.
Uma poção. Os melhores hanir costumavam ser poções; eram os mais divertidos.
Nós entramos por uma bifurcação que levava até a fonte quente, local onde passei parte de minha infância durante a última e mais fria estação. Uma sensação boa transitou pelo meu estômago e sem que eu notasse, comecei a sorrir ― memórias...
Apenas quando chegamos lá que Helena me encarou e disse com surpresa e felicidade: ― Você está sorrindo! Pois devia mesmo.
E se enfiou na água fervendo, empurrando o que antes tinha em mãos para o meio da fonte; o embrulho pareceu se dissolver em contato com a água e naquele exato momento, eu soube o que era. Acho que nunca tentei segurar tanto o choro quanto nos segundos em que as cores começaram a explodir e moldar a água em tons e formas.
― Eu vou ser seu fio da vida, enquanto você procura sua mãe em Lancart. Pode não ajudar a diminuir a dor, mas pelo menos vocês vão se rever. ― deu de ombros.
Aquela era uma poção que fazia com que você fosse capaz de falar com os que já haviam morrido. Você submergia nela e com a ajuda de uma outra pessoa fazia um tipo de viagem até a floresta dos mortos. Basicamente, ela era uma versão difícil e obsoleta do que eu fazia, contudo... Helena não tinha ideia do que eu era capaz e havia se dado ao trabalho de achar todos os ingredientes necessários para tentar me ajudar a falar com Alafer uma única vez. E por isso, eu tinha que ser grata a ela.
Saltei para dentro da água e fui até onde estava, abraçando-a sem sequer pestanejar. Ela pareceu estranhar de início, mas depois, devolveu o gesto, enquanto eu dizia initerruptamente "obrigada". Ao me afastar, suas mãos alcançaram meu ombro e Helena me colocou sob a água, como era para ser.
A poção ardeu quando envolveu todo meu corpo e eu tomei pouco menos de cinco segundos para alcançar o estado puro da matéria. A sensação que sucedeu era como saltar de um trem em movimento para o vazio do universo; arrebatadora e então, leve, diferente de como costumava me sentir ao fazer aquilo sozinha. Senti como se tivesse perdido a visão por um momento, quando uma luz fortíssima atingiu minhas pupilas e me impediu de olhar ao redor. O sufocamento me inundou e eu precisei sorver a maior quantidade possível de ar ― foi quando as coisas voltaram ao normal e me encontrei no topo de uma cachoeira, sentada numa pedra, quase caindo.
Com a vertigem me pegando de jeito, joguei o tronco para trás: cai sobre um gramado fofo e do verde mais vibrante que já tinha visto em toda minha vida. Fiquei um pouco feliz por não dar de cabeça em uma pedra. O sol penetrava pela copa das árvores e os raios atingiram a pele; um calor extremamente reconfortante. Só não mais do que a figura que entrou na frente deles...
― Mãe! ― não hesitei em sorrir e logo havia levantado para abraçá-la. ― Senti sua falta. Sempre sinto. ― Seus braços me envolveram meio desconfortáveis e o cheiro que emanava dela não era o usual, mas eu supus que fosse a diferença de "percurso" até chegar ali.
Achei que ela fosse responder com sua doçura, como sempre o fazia, dizendo que também havia sentido minha falta, no entanto, foi em silêncio que ela ficou, durante todo o tempo em que nos abraçávamos. Segurei-a pelos ombros e encarei seu rosto por alguns longos segundos ― tentava entender porque tanta mudez ―, antes que ela me desse um sorriso estranho e acariciasse minha bochecha.
― Você está tão grande. Quanto tempo faz? ― Alafer definitivamente estava muito esquisita. ― Parece que eu estive aqui por séculos, mas eu suponho que você esteja quase virando uma sacerdotisa de verdade, então não faz nem dez anos, não é?
Supus que a expressão que se formou na minha face pareceu confusa o bastante para ela, porque o olhar que havia me devolvido fora no mesmo tom.
― Do que você está falando, mãe? Nós nos vimos não faz tanto, você sabe quanto tempo está em Lancart ― o modo que me encolhi foi completamente involuntário. Algo estava fora do lugar; um desencaixe que não passou desapercebido.
― Uau, você tem um dom da morte. Desde quando pode viajar para Lancart, Katherine? Isso é um tanto surpreendente.
Katherine.
Agora eu estava ficando com medo. Dei um passo para trás, torcendo para que não estivesse muito perto da borda.
Aquela definitivamente não era a minha mãe.
― Quem é você? ― grunhi; uma batida acelerada se fazia no meu coração. Meu peito parecia rasgar tamanha a força com a qual ele ressoava.
― Você não sabe quem sou eu. ― ela afirmou. Parecia... decepcionada. Mas a expressão deu lugar a um senso de compreensão. ― É claro que você não sabe. Eu só peço que você não tenha medo. E não fuja.
Só o fato da tal pessoa que não era a minha mãe dizer aquilo, eu já senti uma vontade enorme de fugir. Engoli a seco enquanto a falsa Alafer dava dois passos para trás e começava a transformar seu próprio corpo em...
Não.
Não poderia ser.
― Não foge ― a voz melíflua daquele que pareceu ser Éden ecoou pela mata. As palmas estavam erguidas em um sinal de calma ou rendição e eu não consegui segurar o que estava preso em minha garganta.
Aquilo só poderia ser um pesadelo horrível. Eu ainda não havia acordado, estava dormindo no meu quarto e, sufocada por todas as lembranças, meu inconsciente havia decidido que seria divertido confrontar o assassino de Alafer. Cai no chão, afirmando para mim mesma que não havia outra alternativa, que eu não poderia ter acabado parando sem querer no vaso. Sequer olhei novamente para ele, crendo que definitivamente estava dentro de uma droga de pesadelo.
― Eu vou sair daqui, é só um pesadelo, Katherine. Você não está aqui realmente. É um sonho muito realista e horrível. Não é verdade. Você só pode ir para Lancart, entrar no vaso é impossível. Isso não é real.
― Isso é real, Katie ― então ele estava ajoelhado na minha frente, os olhos de fogo laranja mirando os meus com uma seriedade assustadora. ― De alguma forma, você chegou até mim. E você sabe por que?
― Não, eu não sei e não quero ― esbravejei, com uma vontade de vomitar subindo pela garganta sem qualquer pudor. ― Eu quero que você continue morto e bem longe de mim. Eu quero a minha mãe, eu não quero estar aqui. Isso é um pesadelo horrível.
As lágrimas começaram a embaçar a minha vista e eu o odiei mais ainda quando sua mão alcançou as minhas maçãs do rosto e ele as secou. Dei um tapa nela, automaticamente, fazendo com que ele desistisse de me tocar.
Ele não tinha o direito de encostar em mim. Mesmo que isso fosse um pesadelo horrível, eu não permitiria que ele sequer chegasse perto. Eu queria distância daquele assassino, nada mais do que isso.
― Você está cercada de mentirosos, sabia disso?
Levantei meu olhar e Éden ainda estava ali, com seu rosto magro, feições cansadas e amargas, do jeito que eu recordava. Eu o odiava, queria matá-lo, mas não se pode matar o que já está morto, certo? E mesmo assim... havia algo nele que me despertou um tipo de reconhecimento estranho: e não foi o seu olhar de desapontamento, que ficara desde que eu havia me afastado.
Pelos deuses, eu abraçara o assassino de minha mãe.
― E você é um deles. O maior deles ― suspirei.
― Você realmente não sabe de nada, não é? ― ele se sentou na minha frente e repetiu meu gesto, depois jogando seu corpo para trás, eu como eu havia feito antes dele chegar. ― Eu esperava que pelo menos depois que tudo acabasse, você soubesse dos detalhes mais importantes. Eles não tinham o direito de te privar da verdade.
― Que verdade? ― fixei o olhar no seu, atormentada e rezando à Morte para que me tirasse logo dali. Aquilo era punição o bastante para toda uma vida.
― Que eu sou seu pai.
Num instante, eu estava em uma floresta e no outro, novamente sob a água, lutando por ar, fugindo das mãos de Helena, meu fio da vida. Quando o ar veio direto contra mim, eu soube que não era apenas um pesadelo extremamente real que veio me torturar. Por mais que eu aspirasse oxigênio, parecia ficar cada vez mais difícil de respirar; de me manter viva. A única forma que meu corpo encontrou de liberar todos aqueles sentimentos horríveis entalados na garganta foi... chorando.
Agarrei a garota atrás de mim sem nem pensar duas vezes e chorei como um bebê em seu ombro; realmente esperava que ela acreditasse que aquilo tudo era a emoção de ver Alafer. Ela não cogitaria sequer a ideia de que eu poderia ter me perdido no caminho e parado no lar daquele que havia matado a minha mãe e que então, falou que era meu pai.
Ele não era meu pai, só estava tentando me atingir e eu sabia disso muito bem. Alafer jamais cogitaria ficar com uma pessoa horrível como aquela, eu conhecia minha mãe melhor do que ninguém. Isso era impossível de acontecer.
Nós ficamos ali, abraçadas, eu chorando, até o sol estar no pico, até a neve voltar a cair, até respirar ser uma opção novamente. E ela não precisou dizer nada, porque o conforto que me dava foi o suficiente; eu estava grata pela sua tentativa de ser útil e não iria estragar aquilo. O mundo podia acabar ao meu redor e eu não iria soltar aquela a quem sempre fui capaz de chamar de amiga.
Por mais estranho e fora do comum que aquela palavra pudesse parecer para mim.
Ao menos, quando Jason e Chris chegaram, eu já havia me acalmado e nós só estávamos conversando sobre banalidades; eu não queria que ela percebesse que havia algo de errado. Ele trouxera um casaco para mim (como se eu precisasse de um) e assim que me sequei com o meu próprio calor, o vesti. Helena decidiu aproveitar mais um pouco do calor com seu consorte e eu só pude acenar quando parti com o ahnkalov.
― Você está bem? Seus olhos estão vermelhos ― ele foi direto e eu evitei encará-lo. Embora houvesse algo de genuíno naquele rompante de preocupação, não permiti que aquilo se prolongasse.
― Sim, é só o frio que resseca a minha vista ― nem pensei muito na resposta. Não estava com vontade inventar qualquer coisa que ele saberia que era uma mentira.
O silêncio pairou sobre nós, não falamos mais uma palavra sequer. Eu não queria conversar com ele, nem com mais ninguém. Tudo que desejava era me trancar no quarto até que fosse inevitável ficar ali.
Assim que bati a porta atrás de mim, um sentimento de exaustão quase me fez desabar ao chão; eu não permiti que isso acontecesse. Quis vomitar, mas também não o fiz e nem o faria em momento algum. Porque eu era forte, filha de Alafer ― apenas dela ― e eu ficaria bem, não é?
Sim, eu ficaria.
Era uma pena que por mais que eu tivesse que dormir, ainda havia um banquete oferecido por Elai esperando por mim e pelos outros convidados...
Por enquanto, faria com aquele o mesmo que fiz com todos os outros sentimentos: ficaria guardado em algum lugar inalcançável da minha mente, onde não mais me machucaria. Tão simples como piscar os olhos.
― Você está linda ― Valerie disse assim que terminou de ajustar o corpete do meu vestido para o evento da noite (o mesmo que estava no armário pela manhã). Eu ainda não havia olhado, mas por mais que não achasse válido confiar em sua opinião levemente imparcial, graças aos seus sentimentos, acabei por fazê-lo.
E não houve motivos para me arrepender; ela não mentira ou ficara cega pelo seu afeto. Eu realmente estava linda com aquele vestido verde água que a costureira real criara especialmente para a minha pessoa. Era o tipo de vestimenta que dava vontade de ficar girando na frente do espelho, ainda que eu não o tivesse feito; não estava tão aérea assim.
Era o vestido de uma princesa e talvez eu não o merecesse, no entanto, fiquei muito feliz por tê-lo usado, já que o corpete definira suavemente as curvas de meu corpo e acentuara a finura de minha cinturinha. Já a saia era leve e desfiada, de modo que minhas pernas não ficavam na clausura e eu poderia até correr se quisesse. Acho que se ele não fosse feito pelo tecido cheio de brilhantes e não parecesse a cauda de peixe, perderia boa parte de seu charme.
Se o meu vestido era assim, eu só poderia me perguntar: como seriam os das outras?
― A rainha mandou alguns conjuntos de joias para você experimentar ― e minha consorte me trouxera de volta ao mundo real; instantaneamente eu parei de focar no meu reflexo.
Claro que ela havia mandado...
Desde que nos conhecemos, Elai fazia questão de me tratar como se fosse minha segunda mãe ― mesmo que eu não merecesse tal tratamento. O vestido era algo no qual ela não poderia oferecer unicamente para mim, mas eu sabia que ela daria um jeito de contornar isso. Era certo que ela não colocaria algumas de suas magnificas joias nas mãos das outras meninas, afinal, só eu era a filha de Alafer. E só a mim seu afeto era direcionado, ainda mais após a morte de minha mãe.
Não importava o quanto eu tentasse fugir, a rainha daria um jeito de tentar me confortar, apesar de ser tão boa nisso quanto eu. Elai nascera para ser rainha, para ser guerreira; jamais para ser uma mãe. Eu só esperava pelo dia em que ela perceberia.
Mas enquanto isso não acontecia, eu não negaria que o colar pequenino com o formato de lua crescente e uma pedra branca ficaria lindo no meu pescoço. Portanto, permiti que Valerie o colocasse em meu pescoço e essa seria a única joia que eu colocaria naquela noite ― ao menos era o que eu pensava...
Mal Valerie prendera o xale branco em meus ombros, uma batida ressoou na porta dos aposentos.
Se fosse há um mês, seria Peter avisando que já estava esperando por mim para me acompanhar até o evento. Só que dessa vez, não houve elegância ou delicadeza; Jason ― meu acompanhante selecionado por Kalanova ― escancarara a porta sem que ninguém tivesse permitido e, em um dia normal, eu teria reclamado de sua falta de educação evidente. Porém... ele estava perdoável.
As pessoas não tinham noção nenhuma da dificuldade que era odiar um homem capaz de ficar encantador em um smoking. Ainda mais quando ele parecia tão mais sedutor do que de costume... Se havia uma coisa boa que a Terra tinha, era essa peça de roupa. Não poderia reclamar desse costume mais atual.
― Está na hora, Kate.
Do jeito que ele estava, uma partezinha mínima de mim queria que o "está na hora" fosse para algo mais interessante como "hora da gente encontrar um quarto vazio", o que não seria muito difícil se se achar ali. Pena que era só mesmo para "hora do banquete".
Jason ofereceu o braço a mim e eu o aceitei, enlaçando-nos.
Ele estava particularmente cheiroso naquela noite, ajudando mais ainda a crescente vontade que estava se instalando. Eu o segurei com força, feliz, de certa maneira, por só ter de suportar a sua companhia durante o tempo em que ficaria ali. A calma que ele emanava era melhor do que a agitação usual de Freddie, embora este fosse mais solidário às minhas vontades. Eu não teria saco para ouvir as besteiras aleatórias que ele gostava de falar.
Ainda que estivesse apenas de acompanhante naquela noite, Jason parecia mais alerta do que nunca. Não sei se era pela posição tensa enquanto caminhávamos ou olhar atento para todos os lados, entretanto, eu repensei sobre o que Caleb havia dito no carro; será que existia algo? Será que Jason estava a par do que quer que fosse e temia que algo pudesse acontecer?
O silêncio me pareceu cada vez mais incômodo e isso não passou despercebido...
― O que foi, pirralha? ― ele falou sem ao menos me encarar. ― Roubaram seu lanche? ― E então eu bufei, esquecendo as preocupações da noite. ― Ah, aposto que está irritada porque eu não disse o quanto você está bonita nesse vestido, não é?
― Claro que não. Sua aprovação para mim é igual a nada.
Aquilo o fez rir e eu me limitei apenas a revirar os olhos.
Eu não estava vestida nem para ele, nem para ninguém. Talvez para Pete, se ele estivesse comigo, mas fora isso: ninguém.
Do quarto onde eu fui colocada para o salão de banquete o caminho era relativamente curto, portanto, não foi um percurso muito longo para chegarmos lá. Quando ele soltou meu braço, achei que tivesse a intenção de não entrar comigo, como os outros consortes provavelmente haviam feitos. Afinal, ele não era o meu consorte.
Eu estava enganada.
― Eu não leio mentes como o Freddie ― começou, enfiando a mão no bolso de sua calça, como se procurasse por algo, o que de fato estava fazendo. ― Então não vou saber se você estiver se sentindo mal ou desconfortável. ― Sua mão saiu dali segurando algo prateado do bolso; eu não soube dizer o que era de início, mas quando ele puxou meu pulso e a prendeu ali, entendi: era uma pulseira. ― Ela é especial. Se você não suportar mais, e estivermos longe um do outro, solte ela. Vou prestar atenção em você e arrumarei uma desculpa para te tirar dali. ― E com a última parte sussurrada, lançou um meio sorriso agradável para mim.
E eu nem ao menos pude agradecer àquela rara demonstração de preocupação com meus sentimentos; quase um milagre se tratando dele...
Assim que ele segurou e levantou minha mão, eu senti uma faísca fraca e gostosa brincar na pele nua e fazer com que a mesma se arrepiasse descaradamente. Como um raro domador da eletricidade, aquilo só poderia ter sido de propósito e por isso, o encarei com os olhos apertados em busca de uma explicação; aquele tipo de atitude vinda dele com tanto atrevimento era atípica. Algo parecia estar para acontecer. Entretanto, tudo que recebi foi uma piscada e fui mantida de molho até a hora em que nos separaríamos; foi lá que ele resolveu falar algo.
― É só uma provinha do que vai acontecer hoje à noite ― e sorriu, safado...
Ah-há.
Ali estava o Jason que eu conheci em uma noite que pareceu não ter fim.
Com isso, as portas se abriram e revelaram todos os Sacerdotes e Sacerdotisas ao lado de seus respectivos filhos e consortes; eu era a última a chegar, como sempre. Mas nenhum deles parecia se importar com isso. Bem, quase... Minha querida tia Irina tinha aquele típico olhar mortal direcionado a mim, com os olhos verdes que herdou de nossa família. Se o "te mato" escondido no gesto fosse concretizado, ela realizaria seu sonho: ficaria como a representante de Landar até que um de seus (futuros) filhos chegasse aos vinte e um. Minha tia era uma pessoa extremamente fria, que vivia para suas funções antes e depois da morte de Alafer. Nós nos dávamos tão bem que na maior parte do meu tempo, eu esquecia que ela sequer existia e que eu ainda tinha algum membro da família vivo.
No nosso caminhar elegante, ignorei sua fúria aparente ― nem ela poderia acabar com o meu bom humor. Embora eu soubesse que em algum momento ele me abandonaria e eu acabaria aquele jantar desejando botar o palácio abaixo na base do fogo. Só bastava desejar que não chegasse a esse ponto...
Quando Jason soltou minha mão, a primeira e única pessoa que veio falar comigo foi Helena, apesar de Lucien também ter tentado vir a mim; sem sucesso ― deveria agradecer aos deuses, já que falar com ele estava fora da minha lista de prioridades. Ele fora impedido pelo pai, austero como sempre, enquanto ela dava passadas rápidas e segurava a barra do maravilhoso vestido violáceo para conseguir vir mais rápido. Vi que sua mãe assentia de leve para mim com um sorriso sacerdotal típico ― algo soando como condescendência ― por pura educação; devolvi no mesmo tom. A futura Sacerdotisa de Andora parecia satisfeita em me ver e confesso que fiquei feliz por saber que pelo menos alguém ali apreciava a minha presença.
― Meu Deus! Você está encantadora! ― ela riu e me fez dar um meio-giro. Fiquei feliz por ela não estar me tratando como uma criancinha por causa do que havia acontecido durante parte da manhã e à tarde.
― Você também ― encarei-a de cima abaixo; seu vestido tinha um corte sensual: apenas um dos ombros nus, uma perna para fora. Ela geralmente não costumava usar coisas muito reveladoras, mas não parecia nem um pouco incomodada com o que vestia. ― E Elai? Quando vem?
― Não sei ― suspirou. ― Acho que não deve demorar muito já que você chegou. ― E completou, invadindo minha cabeça com sua voz doce: ― E muito bem acompanhada, por sinal.
Eu odiava quando ela fazia isso, no entanto, devido ao conteúdo de sua invasão, eu não consegui não rir. A malicia de seu comentário me lembrou da outra vez em que fiquei com Jason, de como parecemos concordar que ele me era uma opção viável. Às vezes eu achava que em questões sexuais, a meiga Helena poderia ser pior do que eu com seus consortes. Ainda que quando estivessem em publico, mal a tocassem ― apenas andavam ao seu lado como sombras apaixonadas e protetoras. Portanto, seria impossível não achar aquilo no mínimo... divertido.
Entretanto, a encarada de cima abaixo que deu em Jason foi mais chocante do que as palavras ditas apenas para mim. Eu pretendia lhe dizer para levar ele como seu, tamanha a ousadia, mas não houve tempo para isso.
Por uma porta do lado oposto à que eu e o ahnkalov entramos, foi anunciada a chegada da Rainha Elai. Eu teria ficado feliz por sua vinda, se não soubesse quem estaria a acompanhando naquela noite e sempre.
Então, ao invés de sorrir, engoli a seco e me preparei para o que viria a seguir.
Donovan.
erif;m�=1V�O
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top