Capítulo Dois

Obviamente, eu deveria ter imaginado, antes mesmo de Jason aparecer por entre as árvores do bosque e deixar meu estomago a se embrulhar de ódio. Seu olhar indiferente não contrastou com o meu, que deveria estava borbulhando como lava com a raiva que eu sentia de mim mesma. Eu realmente havia sido inocente a ponto de achar que poderia ter desfrutado de um momento alegre com Peter? Parecia que sim...

― Olha só quem está na aula... ― a voz dele serviu de ponto de partida para me fazer voltar a cruel realidade. Com os olhos faiscando, nada mais me impedia de lembrar que alguém me segurava.

Debati-me, numa tentativa de me desvencilhar de Frederick (que pela lógica, era quem me mantinha cativa ali), rosnando como um cão raivoso. Mas ele era mais forte do que parecia e gelado o bastante para que eu acreditasse ser improvável conseguir queimá-lo com minhas chamas ardentes. Contudo, o que custava eu tentar?

O calor amável e seguro me sorriu enquanto eu convertia o ar no combustível necessário para intensificá-lo. Tudo estava tão naturalmente certo, que sequer notei que a melhor maneira de combater o fogo, era com o mesmo; antes que minha vontade pudesse se tornar chama, Frederick fez o que tinha de ser feito. Num segundo apenas, o ahnkalov provou, mais uma vez, porque aquela missão era a sua: o gelo me tocou e ardeu como brasa, com força o bastante para me fazer gritar.

Caída no chão, uma garotinha desamparada, usei minha energia a fim de tentar reaquecer meu corpo e derreter a fina camada de gelo que basicamente explodira sobre minha pele, a partir de onde sua mão houvera me tocado. Não estava funcionando tão bem quanto eu esperava. Com isso, uma estranha sensação de déjà vu me inundou, cuja origem não soube identificar naquele momento e que ignorei logo que o outro abriu a boca para dar ordens.

― Acho melhor você levá-la para a aula ― Jason quase sussurrou. As palavras desencadearam uma única reação em seu companheiro e assim que ele tentou me ajudar a levantar, não permiti. Eu podia fazer aquilo sozinha, não queria e nem precisava dele.

Pelo menos na aula não teríamos que aturar aquilo.

― Vamos, Peter ― grunhi. Uma aura de derrotismo começava a me circundar e ainda que eu não pretendesse deixar que se instaurasse de vez, parecia difícil não o fazer; como eu seria capaz de vencê-los? Bem, pelo menos eu teria tempo para pensar nisso...

― Não. Peter não vai com você. Ele vai ficar porque nós precisamos debater novamente uma questão ― ele rebateu, com um profundo descontentamento.

Só os deuses sabiam o quanto sua expressão entediada me dava vontade de agredi-lo com um galho de árvore até que não sobrasse nada de seu rostinho lindo.

― Eu não permito isso ― esqueci a ardência por alguns segundos e me ergui, com a minha melhor pose de garota orgulhosa.

― Você não entende, Kate? ― o rapaz atrás de mim falou; ao encontrar seus olhos, não vi nada além de seriedade. ― Você não tem mais poder nenhum, sobre a sua vida ou com quem anda, até se formar. Não está claro ainda? A única coisa que você pode fazer agora é ser uma menina boazinha e obediente, e concordar com o que te impõem.

A honestidade nas palavras me deixou embasbacada por poucos segundos, tempo o suficiente para me fazer assimilar aquilo.

Eu não poderia me dar por vencida.

― O que faz vocês pensarem que podem me controlar?

A pergunta era para ter ficado apenas na minha cabeça, no entanto, ela escapou pelos lábios e pairou no ar. Era estritamente retórica, logo, não precisava de resposta alguma, até porque não havia: se minha mãe, a quem eu amava com todo o meu coração, nem sempre tinha a capacidade de evocar meu lado obediente, como aqueles dois pretendiam fazê-lo? Eu mentia, fugia, me escondia, cometia erros e fazia tudo de novo, no fim das contas, afinal, essa era a Katherine e ela não iria mudar só porque o Kalanova achava que colocar dois ahnkalov na minha cola miraculosamente me transformaria na sacerdotisa exemplar que ele desejava que eu fosse.

Só porque estaria sendo vigiada constantemente, não significava que tudo mudaria, certo?

Eu daria um jeito... Eu sempre dava.

― Peter, ― com dois passos, estava ao lado dele. Inclinando-me em sua direção, ofereci a mão para ajudá-lo a levantar. Sem qualquer hesitação, a aceitou. ― você vem comigo, ok?

Todavia, ao contrário do sorriso gentil que ele usualmente me dava, tudo que recebi em troca foi o atrito das nossas peles quando ele soltou minha mão e deu um passo para trás. Foi quase como tomar uma rasteira: pelo menos a parte do ar se extinguir sem piedade de mim ― no choque entre minhas costas e o chão ― soava exatamente igual.

― Eu não acho que você deva se encrencar mais ainda, especialmente por minha causa. Vai ficar tudo bem, você pode ir sem mim ― e o modo como sorriu apenas com o lado esquerdo da boca me fez querer gritar. Mas a incredulidade finalmente conseguiu me deixar sem uma reação sequer. ― Nós... Vai ser melhor assim.

Aquele deveria ter sido o meu primeiro aviso, contudo, como a boa garota abstraída que eu era, sequer notei a gravidade da avalanche que estava para começar. E eu não estava falando do início iminente do miakdrir...

Uma brisa fria nos atravessou e eu não soube como questionar aquilo, muito menos consegui angariar forças para impedir Frederick de me guiar para longe deles, de volta ao prédio da Academia, onde era para eu estar há tempos.

As grandes perguntas que iniciaram o pulsar em minha mente ao sair daquele estado inteiramente confuso foram: por que Peter ficara? E o que Jason queria falar com ele? Pois eu sequer conseguia começar a imaginar um motivo sensato para aquilo. Será que Jason ia obrigá-lo a se manter um tanto afastado com o intuito imbecil de que seria melhor para a minha "proteção"?

De qualquer forma, eu não precisaria me preocupar com Peter no fim das contas ― eu sabia exatamente como fazê-lo contar, caso não o desejasse.

Os corredores nada amistosos me receberam e por mais que tudo que eu pudesse pensar fosse em correr para bem longe, a ideia impertinente de que ele transformaria o chão em gelo ― e que eu escorregaria sem classe alguma ali ― me domou.

Minha liberdade parecia mais restringida a cada segundo. E junto a ela a aura de derrotismo crescia numa velocidade assustadora: eu não sabia como parar aquilo! Só compreendia que não poderia deixar Kalanova vencer no jogo da minha vida. Havia algo que poderia ser feito e eu só precisava descobrir o que.

Algum ponto fraco que eu pudesse explorar nos ahnkalov...

― Finalmente te encontrei!

As palavras quebraram o silêncio e meus pensamentos escaparam como fumaça, sem eu ter a chance de realocá-los de volta em seus lugares.

Helena veio com a sua placidez de sempre e eu parei (junto à Frederick), esperando por ela, que caminhava rápido. Quando sorriu, tirei alguns instantes para pensar em como não era nada parecida fisicamente com a mãe, cuja frieza era assustadora.

― Eles disseram que você estava na enfermaria e depois no dormitório, na aula. Eu rodei o prédio principal duas vezes e ninguém tinha visto você ― ela tomou fôlego, antes de pausar e ponderar por pouco. ― Desculpe... Você está bem? ― E ao receber minha confirmação com a cabeça, prosseguiu. ― Bem, com o seu retorno, nós pensamos em fazer uma confraternização. Faz tempo que não fazemos isso, não é?

― Verdade ― respondi, sem saco algum. Eu odiava ter que me reunir com pessoas que no geral, não se gostavam tanto, mas que precisavam se aturar, porque no futuro, seria bem pior. Não era nada divertido, exceto pela bebida.

― O que acha de hoje à noite? É muito cedo?

Minha pretensão inicial era fazer o que sempre fazia: dizer que não sabia se estaria ocupada, e que confirmaria o dia em que estaria livre; adiar aquilo por tempo o bastante para organizar uma rota de fuga, tal como as que usara em outras ocasiões. No fim, marcaríamos uma data bem distante, com tempo o suficiente para que eu pudesse preparar o corpo e mente para a sessão tortura. Peter mal sabia quantas vezes eu o havia usado como desculpa...

― Eu acho que...

― Nós vamos nos certificar de que ela vá ― Frederick me cortou antes que eu pudesse negar e eu segurei meu ódio, transformando-o em um sorriso amigável, como se concordasse com aquilo.

― Hoje está ótimo ― pigarreei e assenti, mentindo na cara dura e segurando a vontade de virar com uma cotovelada na cabeça dele.

Aquele dia estava ficando cada vez mais detestável...

Quando Helena se despediu e foi embora satisfeita, eu o encarei com o olhar mais mortal que tinha.

― O que te faz pensar que tem o direito de falar por mim agora? ― dei um passo em sua direção e a proximidade, mais uma vez, fez com que a ideia de que já o havia visto antes se chocasse contra mim; franzi a testa.

Frederick... de onde eu conhecia esse nome e esse rosto?

Ele sorriu, parecendo se divertir com a minha raiva.

― Kalanova disse que enquanto nós te acompanhássemos, deveríamos garantir que você cumprisse com os seus deveres. Participar de confraternizações é um deles.

Claro que aquilo tinha de ser uma imposição da pessoa que sentia prazer em tornar a minha vida uma miséria. Ingenuidade...

― Vocês não podem me obrigar a ir ― cruzei os braços, meu olhar ocultava um desafio; ou talvez não ocultasse tanto assim...

Afinal, ele espelhou os movimentos e logo, também ostentava a mesma expressão e pose: ― Eu tenho certeza de que o seu lado que reconhece o dever não vai permitir que você o desonre assim por pouca coisa.

Respirei fundo, muito fundo, intrigada e furiosa com o que ele dissera, até porque, não era nenhuma mentira. Uma coisa era fingir que já tinha um compromisso, outra era faltar deliberadamente uma confraternização. E, por isso, não importava o que eu quisesse, aquela vozinha irritante que soava como uma Alafer mais incisiva, iria piar no meu ouvido e dizer que eu precisava honrar meus compromissos.

Mas para a minha "sorte", quem disse que eu precisaria fazê-lo?

Depois de passar intacta pela aula da nossa amada língua mãe ― o vroisi ―, então um período debatendo sobre política, e por fim, herbologia e suas especialidades, eu ainda tinha mais uma matéria me separando do ócio. Eu sempre gostei dos ensinamentos que nossa instrutora de Harmonização passava, mesmo que geralmente eu saísse sangrando dali, por não ser tão boa quanto deveria naquilo. Porém, daquela vez, graças a concussão, fui colocada de lado, em suas palavras, "para buscar a equilíbrio interior e oferecer o melhor que minha mente podia para o meu corpo", o que significava ficar sozinha em um lugar calmo e meditar, coisa que supostamente não era para ser tão difícil.

A verdade é que eu não era uma guerreira ― não havia nascido para aquilo ― e por mais que treinar fosse uma parte importante da vida de um ambrosi, já não fazia sentido. Nós éramos pacíficos e a guerra que o maldito Éden havia começado, fora a primeira e a última a acontecer no nosso mundo.

Ninguém mais precisava morrer.

Portanto, concordei em me abster e escolher um canto tranquilo, onde não houvesse ninguém para sangrar sobre mim, e sentei. Enquanto tentava me focar e deixar a paz me invadir, não pude me impedir de observar meus colegas de classe que, ao contrário da minha pessoa, definitivamente eram bons naquilo.

Havia uma garota ― consorte de Helena, se não estava enganada ―, Nádia era seu nome, que parecia dançar com seu oponente. Ela dominava uma técnica própria dos elementais do ar, dotada movimentos graciosos e ágeis, e sem brutalidade nenhuma, conseguia derrubar quem estivesse na sua frente. Era bizarramente incrível, não havia como negar. Com aquela visão em frente, eu só podia encarar a estranha corrente prateada que adornava o meu pulso e que me impedia de usar minhas habilidades durante uma batalha. Isso significava que eu era tão ruim quanto uma garota com metade da minha idade, que estava começando o treinamento agora. E isso era muito desanimador.

Fechei os olhos e tentei me concentrar. Não era nada fácil não poder alimentar a chama e assim, obrigá-la a conservar o mesmo tamanho: saber que ela estava ali só dificultava mais a ideia de que eu não poderia brincar com ela graças ao grilhão colocado ali pela instrutora, minutos antes. Até mesmo respirar uma, duas, três, quatro vezes não adiantava muito ― soava falso... ― e após um tempo, ficara insuportável; eu estava queimando. Mas não era um fogo amarelo e laranja, tremulando, que eu amava e que me circundava com sua vida e calor inabalável, e sim uma consequência da pancada que me fizera passar a manhã na enfermaria ― e talvez eu devesse mesmo ter ficado por lá.

A dor pungente se espalhou pelas têmporas, buscando o caminho ao resto de minha cabeça, instalando-se sem pretensão de partir. Eu senti como se me chutassem incessantemente; um ardor cruel me rasgava e fazia implodir uma bomba incontáveis vezes. Por um segundo achei que meu mal, na realidade, fosse o fogo: incapaz de ser domado, querendo escapar ― e eu quis lhe oferecer a liberdade, no entanto, eu não era páreo para a corrente, já tomada em fraqueza pela dor. Graças a isso, tudo que pude fazer foi me inclinar, a face voltada para o chão, e agarrar um punhado de terra por entre os dedos, rezando aos deuses para que me tirassem daquele sofrimento.

Eles atenderam, não antes de eu vomitar amargamente, e então, desmaiei.

Ao despertar, muito tempo mais tarde, a noite já se fazia ― eu até podia ver o nascer de uma das luas (não soube dizer qual, ainda zonza, naquele momento) ― e eu me encontrava deitada em um leito na enfermaria. As informações e memórias vieram rápidas e enquanto meus olhos se acostumavam com a claridade da não tão grande sala, eu tentei recuperar o ar que cismava em fugir dos meus pulmões.

As juntas da mão direita formigavam e eram banhadas por um calor que eu desconhecia ― dava para sentir meus dedos umedecidos por uma substância que não assimilei de imediato. Somente depois que pude me situar, a compreensão me atingiu: eu realmente estava tão mal a ponto de precisar daquele tipo de ajuda? A tigela com a mistura de ervas (e provavelmente uma ajudinha extra de Candice) que repousava embaixo de minha mão dizia que sim. Acreditava que era por sua causa que eu já não me sentia um completo lixo e nem vomitava meus órgãos.

― Finalmente ― ouvir e então, absorver a presença de Peter foi um consolo. Se seu rosto não estivesse um pouco embaçado, poderia afirmar com absoluta certeza que ele ostentava pura preocupação.

Eu tentei sussurrar algo, porém minha garganta soava estranha e tudo que pude emitir fora um grunhido. Não que isso o tivesse incomodado.

― Você desmaiou durante a aula ― ele disse e eu assenti. ― Eu tentei te ajudar, mas estava longe demais.

No instante em que a sua mão tocou na minha ― a que estava livre ―, um alivio reconfortador me preencheu. Aquela sensação que se tem quando as coisas de alguma forma parecem estar certas e que você gostaria que não se alterassem.

Às vezes soava bobo, entretanto, estar com Peter tinha a tendência a ser assim.

O atrito das peles era certo e no silêncio daquele lugar quase vazio, eu recuperei aos poucos a capacidade de ver detalhes e a voz que agora não mais precisava sair pela minha garganta. Com o eco vazio, era mais fácil tornar palpáveis os sentimentos que eu, ao menos, não admitiria, enquanto os lábios de Peter colados nos nós dos meus dedos gritavam os que ele sempre fizera questão que eu soubesse.

Eu só notei que havia pegado no sono quando acordei na manhã seguinte, sem Peter ao meu lado, com uma irinidrir depositada no lugar onde ele antes estivera. Eu nem sabia que elas já estavam florescendo... Aquela era a única flor que nascia durante o miakdrir: sua abertura se iniciava junto à chegada do frio e a vida ia embora com ele. Por causa de sua cor ― vermelha na base das pétalas e alaranjada nas pontas ― meu consorte brincava, desde que éramos crianças, que as irinidrir eram minhas e por isso, desabrochavam para e junto a mim.

O fogo no frio, em suas próprias palavras.

Com o início da estação, não era de se estranhar vê-las me esperando; sempre um presente dele, que aprendi a apreciar com o tempo. Afinal, era bom saber que mesmo que não estivéssemos juntos, eu ainda permanecia intocável em seus pensamentos.

Aproveitei que meu corpo já não sentia nem um pouco de cansaço ou dor e me estiquei para alcançar o presente, acariciando o veludo das pétalas com a ponta de meus dedos ao pegá-lo.

Olhando de perto, dava para entender por quê aquela flor era como eu: ambas éramos tocadas pelo fogo, mesmo nascendo em tempos frios, e vibrantemente belas. E ainda assim, mortais... Se fervida ou exposta a muito calor, uma irinidrir libera uma fumaça tóxica que, caso inalada, queima as vias aéreas de quem a respira.

Já eu, queimava outros lugares.

― Como se sente? ― Jason perguntou, em pé ao lado da minha cama, olhos fixos em mim, e com os braços cruzados; desviei o olhar para o creme de frutas que uma das enfermeiras me dera para comer. Ele chegara (sozinho) pouco depois de eu acordar e apreciar o gesto de Peter por algum tempo, e só se pronunciara quando a mulher saiu de perto de nós.

― Incomodada ― respondi, antes de colocar um pouco daquela "iguaria" na boca.

― Com o que? ― ele rebateu sem nem me dar tempo de processar a mistura de sabores que me explodia estranha na língua. Aquilo definitivamente não poderia ser qualificado como "bom".

Engoli rápido, um pouco faminta e sem vontade de ter que confrontar o gosto daquilo por muito tempo.

― Você me olhando.

Assim que as palavras saíram dos meus lábios, os olhos obscuros pareceram faiscar, logo, haviam tratado de buscar um outro ponto de observação. Agradeci mentalmente a ele, enquanto devorava o que as enfermeiras chamavam de alimento nutritivo. Não tomei muito tempo para acabar e ao fazê-lo, virei-me na direção do ahnkalov.

― Você veio me vigiar? ― com esse questionamento, tornei-me, mais uma vez, alvo de sua análise inconveniente. Apenas não permitiria demonstrar que o gesto me incomodava tanto assim; cravei meus olhos nos seus e assim fiquei.

― Não. Eu não creio que você seja estupida o bastante para fugir da enfermaria. Ao menos não depois de passar mal daquele jeito ― e suspirou, parecendo entediado. ― Só quis ter certeza de que você estava melhorando.

Até parece que eu iria acreditar naquilo...

― Obrigada pela consideração ― sorri falsamente, sobrancelhas erguidas, e bufei. ― Me sinto muito melhor agora que você expressou sua preocupação com a minha saúde.

Só que quando ele segurou uma risada, eu não senti raiva, apenas me toquei que havia uma coisa importante na qual minha mente se absteve na noite passada. E que não ajudava em nada minha popularidade com pessoas importantes ali.

― Droga... A confraternização ― revirei os olhos, falando comigo mesma. Mas aparentemente, alguém precisava responder por mim...

― Fica tranquila. Eles adiaram para amanhã ― e quem se deu ao trabalho foi Frederick, ao aparecer por detrás da cortina que me separava dos outros leitos.

Logo que seu rosto cruzou meu campo de visão, quis grunhir.

Já estava ficando cansativo ter que reencenar a mesma sensação sempre que ele aparecia na minha frente e aquilo realmente estava começando a me irritar. Ainda mais quando o rapaz sorria para mim como se nem soubesse a tortura que era não saber.

Ele ficou sério por um instante e me olhou, da mesma forma que eu imaginava que estava o encarando ― parecia uma tentativa de um reconhecimento que não vinha de jeito nenhum. Contudo, logo a ideia havia ido embora e eu só conseguia me perguntar: de onde nos conhecíamos?; não deveria ser tão difícil assim!

― Você... ― estudou aqui na Academia?,era o que eu pretendia perguntar. No entanto, as sílabas não se permitiram escapar e apenas o "você" ecoou no ar, sem sentido algum e com intenções o bastante.

Os dois se entreolharam, como se entendessem perfeitamente o que havia ficado no ar e eu senti raiva por se a única estar confusa. Na verdade, não era só aquilo que sentia: também estava cansada de não poder mais ficar sozinha com meus próprios pensamentos. E mal fazia um dia desde que eles haviam entrado em minha vida.

― Precisa de alguma coisa? Pode falar ― Frederick soara sincero e talvez até fosse.

Eu só queria que não estar enganada.

Decidi, por fim, oferecer o consolo necessário à minha mente bagunçada por um dèjá vu constante.

― Você estudou aqui na Academia, não foi? ― afirmei com uma certeza que não tinha, torcendo para que fosse aquilo.

Quando ele concordou bem de levinho com a cabeça e deu um sorriso amigável, eu quis gritar por estar certa, porém, conservei minha energia. Se eu me mostrasse muito enérgica, dificilmente um tempo de paz me seria concedido, então, só digeri a informação com a alegria requerida e contida.

Não sabia que era uma ótima fisionomista...

― Não é pra tanto... ― ele, então, falou baixo, mas captou minha atenção.

― O que disse? ― retruquei, os olhos nos seus, em mais um desafio silencioso.

― Você não é uma ótima fisionomista ― seu tom era o de alguém ofendido ― a alegria parecia ter batido a porta em sua cara ―, o que me deixou um tempo confusa, caso não tivesse completado com a frase seguinte: ― Se fosse, teria lembrado de mim logo que me viu. Ao invés de ficar me olhando com esses olhos verdes curiosos e se afogando na ideia de que na verdade não faz nenhuma ideia de onde me conhece. Nem pelo meu nome, Kate... Achei que pelo menos merecesse um pedacinho da sua memória, logo eu que...

E ele parou.

E eu lembrei, sem nenhuma graciosidade, do porque ele não me soava nada estranho: porque não era. Não era um aluno que estudou ali e eu vi de relance algumas vezes no campus da Academia, ou que falou comigo uma vez na minha vida e nunca mais; Frederick fora um pouco mais que isso, eu ousaria dizer.

Tinha razão para estar ofendido, mas eu não o admitiria...

Ele foi um dos que me "ajudou" a treinar para que pudesse criar calor a partir do meu próprio corpo ― não quem me instruiu sobre como fazê-lo, todavia, suas tempestades de gelo em salas vazias me ajudaram muito, além de quase causarem as mortes de nós dois: eu, hipotermia, ele, a ira de Alafer.

Mas ao invés de apreciar aquele momento como algo lindo e nostálgico "oh, querida pessoa de minha infância" apenas lhe respondi, sem dó algum: ― Você era muito mais baixo e tinha um cabelo esquisito ― E dei de ombros. ― Seu rosto mudou muito também.

― Já você parece a mesma, só não tem mais a cara de criança ― Frederick sorriu e se aproximou, sem medo, parando ao meu lado na cama.

A satisfação em seu rosto esvaneceu a medida que os nossos olhos, completamente desprovidos de pudor, fundiam-se um no outro. Eu sustentei ele, e ele a mim, pelo que pareceu um infinito sufocante, cuja profundidade só se partiu assim que os orbes da cor de um mar tempestuoso desceram até encontrar a minha boca. E dali, a indecisão o corroeu: não sabia se mirava meus lábios ou os olhos...

Uma batida de coração desapareceu no meio do caminho e tão rápido quando a conquistei, perdi sua atenção, ao mesmo tempo em que Frederick deu um passo para trás e engoliu a seco tudo que pretendia; ao menos foi o que supus depois.

Ah.

Então eu vi ― ali estava a fraqueza que podia explorar.

E definitivamente... Eu adoraria fazê-lo.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top