Capítulo Dez

Então, mais um capítulo! E com notícias boas: eu terminei de reescrever/revisar Sacerdotisa de Landar! O que significa que ele está prontinho, em um arquivo do word, e seguro, apenas esperando ser postado. A versão final ficou com "prólogo + 18 capítulos + epílogo" e isso tudo vocês verão ao longo desses meses em que postarei a história por aqui.

Sobre esse capítulo... fugas apenas. Boa leitura!


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Quase um minuto depois e meu pobre corpo ainda jazia sufocado entre o peso terrível de meu algoz e a terra fria e úmida. Debati-me sob o desconhecido ― porque pesado daquele jeito provavelmente era um homem ― e acotovelei as costelas com toda a minha classe; eu não queria morrer, ainda mais asfixiada, tão próxima de finalmente ser livre. Então, um gemido escapou da pessoa, que não tardou muito a se afastar, rastejando-se no chão e permitindo que eu respirasse normalmente.

Ainda assim, não havia virado para encará-lo.

Tinha coisas mais importantes, como me erguer e me ajoelhar, para então cuspir as folhas que haviam entrado na minha boca. E, claro, xingá-lo de todo os nomes possíveis que conseguia lembrar no momento; comecei a bater a terra que se alojara nas roupas que vestia e por fim, lembrei de que ainda havia uma identidade a ser revelada. Com o meu fogo, fiz luz. Bastou enfim, virar e dar uma olhada na pessoa que havia me capturado em minha ― quase ― perfeita fuga. Com absoluta certeza, minha expressão inicial não foi nada agradável.

Lucien.

O nome ressoou como um rugido animalesco dentro de minha caixa craniana; não era nem preciso dizer que eu estava louca para vê-lo virando pó, certo? Não só louca, todavia, eu definitivamente poderia realizar tal vontade.

― Eu vou matar você. Quem te deu a permissão para me seguir? ― trinquei o maxilar e aquilo ocasionou uma reação vinda do rapaz; ele pareceu bastante amedrontado. ― Por que veio atrás de mim, ein?

Ainda teve a audácia de sorrir ao ouvir a minha pergunta.

― Você estava fugindo.

Sequer pensei: num piscar de olhos já estava voando no pescoço dele, disposta a estrangula-lo sem remorso. Claro que minha reatividade se ligava ao fato de que eu precisava expressar minha raiva e angustia em relação a Peter de alguma forma ― no caso, tentando matar Lucien. Não era a melhor escolha para o momento, mas o que eu podia fazer? Se não explodisse agora, ficaria bem pior depois. De qualquer modo, sorte a minha e a dele que daquela vez eu não levei a melhor ― o rapaz conseguiu me dominar e eu acabei, mais uma vez, comendo folhas... E com seu joelho em minhas costas.

Furiosa, tentei me contorcer e me livrar daquilo, porém de nada adiantava.

Isso que acontecia quando não se prestava atenção nas aulas de Harmonização.

― Calma, Kate, eu sou seu amigo, esqueceu por acaso? ― a voz dele parecia suave, já seu joelho... era como aço.

― Grande amigo você, que acha que eu devo seguir uma dieta herbívora ― falei, enquanto tossia pedaços de folha. Ao menos aquilo fez com que ele se tocasse de que ficarmos daquele jeito não ajudaria em nada e saísse de cima. A ideia de atacá-lo novamente passou a ser então algo próximo de... intragável. ― O que você pensa que está fazendo? Por que me seguiu até aqui?

― Eu te vi correndo até o estábulo. Estava com cara de quem ia cometer um erro.

― E veio me impedir? ― sorvi o máximo de ar que pode, tentando pensar em formas de escapar antes mesmo que ele dissesse que voltaríamos para Academia. Contudo, sequer precisei disso.

― Não, também fiquei com vontade cometer um ― e ele me deu o sorriso mais safado que tinha, o que me fez, por um momento ― só um momentinho... ― imaginar que tipo de erro ele queria cometer.

Não permiti que minha imaginação fosse muito longe, afinal, eu ainda estava perto o suficiente da Academia para que tivesse outras surpresas. Eu precisava dar o fora dali e ficar pensando em coisas do tipo só me atrapalharia, por isso, olhei com toda seriedade que podia ter para Lucien e perguntei se ele tinha certeza do que faria. Quando ele confirmou com a cabeça, eu levantei, quase em um pulo e andei para onde Cantara estava: perto demais de Eros.

Podia sentir os olhos do garoto cravados em mim, mas não o encarei, apenas ajeitei a sela dela e conferi se não havia saído nada de minha mochila. Quando soube que estava tudo certo, pisei no estribo e numa subida rápida já estava montada.

Talvez fosse me arrepender daquilo depois, porém, disse as quatro palavras que saíram cortando a garganta feito vidro.

― Você vem, ou não?

Não precisei nem de cinco segundos, logo, já estávamos cavalgando, lado a lado, no silêncio preenchido pelo barulho do galopar; os cascos esmagando as folhas secas.

O miakdrir ainda estava tomando sua força ― fazia um frio intenso, mas nem sinal de que houvera ou que haveria neve tão cedo. Ao menos para onde iriamos, o tempo provavelmente estaria um tanto mais ameno. Em minha mente tentei calcular o quanto de distância estava tomando de Peter, contudo, assim que percebi que aquilo era uma ideia estupida, tentei esquecê-la. Não precisava daquela negatividade toda em minha nova vida.

À minha direita, não dava para ver muito bem o rosto de Lucien: a copa das árvores não permitia que a claridade lunar penetrasse a floresta o bastante. No entanto, algo me dizia que ele estava centrado demais em seu galope para se importar comigo e com o que eu pensasse. Não pude conter um pequeno sorriso; talvez ― apenas talvez ― não fosse ser tão ruim tê-lo comigo...

Ao menos era o que esperava.

Eu soube que havíamos chegado ao nosso primeiro destino quando aquela luz azul horrorosa atingiu a pelagem acinzentada de Cantara. Ainda era fraca, o que significava que estávamos perto, embora não tanto assim; o suficiente para que diminuíssemos a velocidade e preparássemos para mandar os animais de volta para a Academia. Ela conhecia o caminho muito bem (não era a primeira vez que o fazia), o que me preocupava era se Eros seria inteligente o bastante para a seguir. Eu torci muito para que sim, logo que ambos dispararam na direção da qual viemos. Agora, o resto do caminho seria feito todo a pé.

Escondidos por entre os grandes arbustos verdes, observamos aquele muro humano que guardava a nossa passagem para bem longe de Ambrosia. Só precisávamos... tirar o guardião dali; o mais difícil. E essa era a única parte do "plano" na qual eu não tinha pensado. Se ao menos eu tivesse alguém com a habilidade de persuadir... alguém como Lucien. Bem, já que ele queria cometer aquele erro comigo, que fosse até o fim.

― Você sabe o que deve fazer, não sabe? ― virei e o encarei; os dedos corriam pelas madeixas negras e grandes demais de uma forma que parecia quase apreensiva.

Só obtive como resposta seu balançar de cabeça positivo. E então, depois de pensar um pouco, completou: ― Mas... eu tenho uma forma de deixar mais interessante.

― E essa forma seria...?

― Que tal uma encenação? ― ele ergueu as sobrancelhas e quase como num reflexo seu, repeti o ato.

― Não temos tempo para suas brincadeiras idiotas ― resmunguei. O que quer que ele tinha em mente, com certeza não devia ser algo bom. ― Vai, deixa ele desnorteado e volta para buscar suas coisas.

― Tudo bem. Só arranha o meu pescoço antes ― a naturalidade com que Lucien disse aquilo me deixou desnorteada, lembrar o modo como havia me dominado pouco antes, entretanto, fez com que eu até cogitasse a ideia.

Não, parecia insensato demais e mesmo eu sabia disso. Respirei fundo, então, incerta sobre se realmente deveria prolongar o assunto, ou o ignorar e empurrar para que fosse logo.

― O que você pretende? Isso é um tipo de fetiche com violência?

Ele gargalhou tão baixo quanto podia. A última coisa que queríamos era que o brutamontes visse dois jovens confabulando atrás de um arbusto.

― Só faz o que eu estou pedindo ― ele segurou minha mão, tentando não rir.

Assenti ao me dar por vencida, finalmente; pus um sorriso doce nos lábios e a mão em seu pescoço, acariciando de uma forma que ninguém jamais diria o que eu faria em seguida. Por um momento, hesitei ― sua pele era macia demais, mas afastei aquele pensamento bem rápido, sem vontade alguma de dar margem para qualquer coisa. Então, cravei as unhas em sua nuca e puxei meu braço para baixo com tanta crueldade que ele quase chorou. Jamais admitiria que o brilho aquoso em seus olhos me deu um pouco de alegria; seria maldade demais, até para mim.

― O que você pretende com isso? ― a pergunta saiu num fio de voz.

― Você vai ver ― ele respondeu sem querer prolongar o assunto. Gemia quando passou a mão na ferida escarlate que eu havia lhe deixado. ― Desgraçada. ― Quase ri quando ele completou, em um sussurro indigesto.

Enquanto Lucien atravessava os arbustos que nos encobriam, eu tentei ressaltar, também em tom baixo que fora ele quem pedira por isso. Todavia, já estávamos longe demais um do outro e naquele momento, tudo que eu podia fazer era torcer para que aquilo desse certo; calei. Assim que o guarda o avistou, disse algo para ele, que não escutei por estar longe demais. Também não ouvi o que foi dito por meu companheiro depois e por um instante cogitei dar meia volta e correr para o esconderijo mais perto que tivesse por ali. Mas não foi necessário, afinal, Lucien parecia estar no controle da situação quando acenou para que eu viesse ao encontro dos dois.

Talvez eu fosse me arrepender amargamente, talvez não. Mas a questão é que reunindo toda a coragem que poderia, sai de meu refúgio e em passos incertos, parei ao lado dele, com ambas nossas bolsas nos ombros.

― Essa é minha parceira, como eu te disse. Somos ambos formandos da Academia Ahnkalov, como você pode ver em nossas mãos, não é? ― logo notei os sinais: olhar vago, movimentos lentos e a passividade estampada no rosto. As palavras de Lucien, embora falsas faziam sentido para aquele homem; aquilo era algum tipo de confiança que eu jamais entenderia. ― Você deveria me deixar passar, junto com ela. Eu me chamo Jason e preciso que você indique o portal para... ― Ele me encarou, sem saber para onde eu queria ir.

― Murdoch, em Vroiss.

Minha breve fascinação não me fez perceber que aquilo que tínhamos feito era uma coisa muito, mas muito idiota mesmo. Se a sorte nos sorrisse, o "encantamento" de Lucien seria forte o bastante para que o guardião jamais se lembrasse do que havia acontecido.

Enquanto eu não analisava os contras daquela brincadeirinha, tínhamos nossa resposta, muito positiva por sinal: ― Claro, Jason... Você e sua parceira podem passar.

E foi o que fizemos. Subimos juntos no pedestal do portal, sob o olhar enuviado do desconhecido, cujo papel executara com perfeição. Na bola azulada cristalina que controlava o portal, ele inseriu as informações necessárias para nossa partida; encarei Lucien pelo canto do olho, da mesma forma que ele fazia comigo.

Aquela parecia ser nossa forma muda de gritar "conseguimos".

A estática rapidamente se fez e se foi, numa travessia bem simples que só provocava arrepios e alguns fios de cabelo fora do lugar. O peso que sumiu ao atravessarmos fez com que eu sorrisse feito uma criança, atraindo a atenção do guarda que mantinha seguro o outro lado. Entretanto, ele não se permitiu muito mais do que me olhar de cima abaixo, talvez estranhando minhas peças de roupa de frio; o que logo se confirmou quando ele fez o mesmo com Lucien.

Minha alegria infantil me contagiou o bastante e eu me permiti abraçar o rapaz ao meu lado, que pareceu um bocado surpreso com a atitude que tomara.

― Tão gentil quando consegue o que quer... O que pretende fazer primeiro?

― Dormir ― falei, bem sincera. Tirar o casaco quente foi a única coisa que fiz antes de concretizar o que havia planejado; pude sentir o olhar de Lucien em meus ombros nus, percorrendo cada centímetro da mistura de pele e de handark. A mochila então, voltou para as costas e meus pés seguiram na direção do primeiro hotel que vi por perto. Ou seja, uma catástrofe...

Nos instalamos no mesmo quarto, em camas separadas, simplesmente visando a maior economia possível, afinal, eu não tinha tanto dinheiro assim, muito menos ele. Não poderia afirmar se fora o colchão empoeirado e desconfortável ou o cheiro de mofo que me fez ter uma péssima noite de sono, mas... Naquela noite eu tive apenas um sonho muito estranho com Caleb. E eu nunca havia sonhado com ele antes, por mais que quisesse.

― Eu estou melhorando nisso ― ele mal conteve o orgulho que tinha de si ao abrir um sorriso que definitivamente não era comum de ver em seus lábios.

Vestia o uniforme da Academia, cada pedacinho dele arrumado com uma perfeição tamanha; sem vincos, sujeiras ou rasgos para macular aquela peça de roupa. Até mesmo o broche com o emblema escolar estava cravado no local e com a inclinação certa, coisa que nenhum aluno conseguia fazer, só que não Caleb... O rapaz sempre se portava de acordo com sua "posição".

O cenário era meu quarto, meio bagunçado, da mesma maneira que eu o havia deixado naquela madrugada. Eu estava sentada na cama, algo a parte que não tem peso, quase volitando sobre ela, e vestida com o pijama que colocara para dormir há algumas horas; já ele, permanecia encostado na escrivaninha com os olhos fixos em mim.

― No que? ― perguntei e senti que havia um tom intimo demais nas palavras... o tipo de coisa que eu ainda não tinha com ele.

Seu olhar parecia um mero deboche a mim, contudo resolvi que ignorar aquilo seria o melhor a ser feito. Mantive-me uma estátua, paralisada e em silêncio, ainda esperando a sua explicação, que não demorou muito a vir.

― Em invadir sonhos e transportar as pessoas ― perdi a atenção de seus orbes esverdeados que se fixaram no que havia fora dali; a neve caindo sobre o campo verde e cinza da Academia. Eu ainda não entendia muito bem do que ele estava falando. ― Bem... Eu sei onde você está.

Com aquele tom convidativo, eu não tive culpa do modo como agi depois.

― Sabe? ― mordi o lábio inferior, uma mera provocação; eu podia tê-lo pelo menos nos meus sonhos, não é?

― Ah... Eu sei sim. E agora... enquanto o seu corpo gostosinho ― só ali eu podia ouvir ele me elogiando dessa forma... E admirando também. ― dorme em um hotel vagabundo em Murdoch, sua "alma" está aqui comigo na Academia.

Eu parei de joguinhos provocativos.

Como diabos ele sabia que eu estava em Murdoch... e principalmente, naquele hotel fuleiro, eu não saberia dizer. Lucien teria sido burro o suficiente para trair minha confiança e falar para aquele cara onde estávamos? Se sim, ele morreria em minhas mãos antes que pudesse começar a explicar.

― O que você quer dizer com isso? ― respirei fundo, torcendo para que fosse apenas um sonho muito do ruim. Então, ele se aproximou de mim; um toque em meu rosto que nunca existiu: sua mão me atravessou como se eu fosse névoa.

― Eu quero dizer que eu também sei brincar. Mas não se preocupe... Eu não pretendo contar a nenhum dos dois onde está o lindo brinquedinho de olhos verdes que eles acham que têm.

Antes que eu pudesse lhe responder a altura, a porta se abriu com brusquidão e no batente dela, parou Frederick; a ideia de ter os dois ao mesmo tempo veio e foi tão rápido quanto uma batida de coração. Pelo rosto vermelho e a testa suada era quase certo afirmar que ele havia corrido ― para me ver? ― e muito.

Como se eu não existisse naquele sonho, o guerreiro simplesmente ignorou minha presença e se direcionou à Caleb.

― Você viu... ― começou, mas não terminou. Outra ideia lhe passou pela mente. ― O que você está fazendo aqui?

Caleb sorriu mais uma vez, olhando para mim (no caso, a cama), e piscou de uma forma discreta que o outro sequer percebeu. Ao se direcionar para a porta, num caminhar muito do sem vontade para passar por uma de minhas sombras, respondeu-lhe à pergunta que fora feita: ― Eu vim atrás de umas anotações para a aula de história que a Katherine pegou emprestadas comigo, mas não as encontrei. Por sinal, já vai começar.

Um único olhar amistoso para Freddie, que se afastou para que ele passasse, e tratou de sair logo dali. O ahnkalov deu dois passos em direção a cama e desistiu de chegar mais perto que isso; tomou o lugar de Caleb ao encostar na escrivaninha com um semblante explodindo de preocupação ― tive um pouco de pena, apenas um pouco. E ainda assim era como se não me visse ali. Mas que algo estranho ele logo sentiu, eu poderia garantir, pois o modo que suas sobrancelhas se juntaram e como olhou ao seu redor, banhado em suor e confusão... Eu vi em seu rosto a certeza de que algo ali não estava certo. E não é que ele tinha razão em se sentir de tal modo?

Então, tudo pareceu tremer, para enfim, desmoronar ao meu redor, onde tudo acabou por se tornar uma imensidão negra. Eu provavelmente acordaria em alguns minutos e passaria o resto do meu dia imaginando se fora ou não imaginação... Coisa que eu realmente fiz: se Caleb de fato tinha a habilidade de mexer com os sonhos das pessoas, coisa que não era impossível, como sabia onde estávamos?

Eu passei o dia todo que se seguiu na companhia de Lucien, cujos conhecimentos sobre os locais de Murdoch me surpreenderam um bocado, só que, mesmo ele sendo muito solicito e falando coisas interessantes, não dava para parar de pensar em Caleb. Em como estava misterioso ― e, tudo bem, sexy ― com o lance de poder me levar junto a ele, e tudo mais. Caso fosse verdade, acabei por me questionar se na próxima noite faria o mesmo e ao menos me daria algumas respostas para as muitas perguntas que tinha agora.

Eu ainda não havia perguntado ao meu companheiro de viagem se ele já dera com a língua nos dentes. Simplesmente me recusava a acreditar que Lucien seria tão traíra a ponto de revelar nosso paradeiro para alguém em quem não confiávamos. Se queria que eu fosse pega, porque não ir direto à Jason ou Freddie e terminar com a minha esperança de um pouco de liberdade? A ideia soava até estupida quando eu racionalizava aquilo e me tocava de que não houvera um instante desde que havíamos chegado que ele estivera longe do meu campo de visão.

Naquele momento, por exemplo, estávamos juntos sentados num banco em algo que parecia uma pequena campina com uma estátua ao centro. Ele havia começado a contar a história daquele lugar e a única coisa que eu fazia era assentir, fingindo que prestava atenção; minha mente estava na Academia. E claro, sorrir quando ele também o fazia.

Ele teria sido muito desatento se não tivesse percebido eventualmente o quão desfocada eu estava.

― Você não está aqui ― Lucien falou naquele tom suave, que beirava ao sedutor.

― Como? ― perguntei, as sobrancelhas erguidas como se dissessem "estou prestando atenção"; mais uma vez o sonho pulsou em minha mente. ― Estou sim.

― Não, não está não. Eu estou a quase dez minutos falando sobre como gostaria de te levar de volta para o hotel e fazer tudo o que sempre quis com você. E minhas únicas respostas são sorrisos e concordâncias com essa cabecinha vazia ― ele empurrou minha cabeça com o seu indicador e sorriu. ― O que está acontecendo?

― Nada. É só que...

Parei, voltando-me para a cena que ainda me assolava.

― Só que o que?

― Você... ― levantei e comecei a andar para qualquer direção. Levantei o tom de voz para que pudesse ser ouvida. ― Deixa, não é nada importante, depois eu te falo.

Alguns segundos e Lucien se juntou a mim para então, caminharmos juntos. Ele me olhava, parecendo confuso com minha falta de resposta concreta, embora não tivesse insistido mais no assunto. Por mais que eu tivesse medo e não confiasse muito nos outros, algo me dizia que ele era digno daquela pequena centelha de fé que eu depositava.

Era estranho pensar que daqui a um tempo, muitas coisas poderiam mudar. Eu, ele, e os outros sacerdotes e sacerdotisas víamos com nossos próprios olhos o modo como nossos pais ― e tia ― tratavam uns aos outros. Ninguém diria que as pessoas das quais ouvimos tantas histórias sobre seus feitos ainda quando estavam na Academia, hoje tratam umas as coisas como se andassem sobre uma camada de gelo fina; salvas as raras exceções. Eu sempre me perguntava em qual parte do caminho aprenderíamos as misteriosas artes da traição e desonestidade, e quando começaríamos a pisar em qualquer um para fazer as coisas do nosso modo. Éramos sete, no início de um jogo de manipulação continuo que se estenderia pelas próximas gerações; uma grande e imunda dança onde a música nunca para de tocar. E por enquanto, eu estava muito bem sem me deixar levar pelo ritmo da canção.

Pouco tempo depois, havia começado a escurecer ― grandes nuvens de cor grafite se apoderaram do até então lindo céu azulado ― e logo uma garoa começou a cair, transformando-se, enfim, numa tempestade violenta. Lucien e eu fomos para a área mais comercial da cidade, onde nos abrigamos sob um toldo de uma loja de doces, esperando que a chuva terminasse para que pudéssemos voltar ao hotel. Mas ela não parecia ter um fim próximo, nem mesmo quando ambos já nos encontrávamos encharcados e morrendo de frio, o que fez com que entrássemos no estabelecimento. Gastamos dinheiro que quase não tínhamos com balinhas de carameladas que custavam mais do que a diária de onde nos hospedamos.

Por mais que as balas fossem gostosas, eu queria tomar um banho, deitar naquele colchão duro e dormir até que meus ossos não aguentassem mais ficar na mesma posição. Se eu soubesse que o tempo em Murdoch ficaria assim, jamais teria cogitado a ideia de ir para lá, afinal, eu preferia andar por aí em um dia quente e acolhedor. Não sob uma chuva incessante e insuportável, ainda mais com uma pessoa que não conseguia ficar cinco minutos calado.

Assim que terminamos o último saco de balinhas, eu me levantei da mesinha alta pronta para enfrentar a chuva. Lucien me segurou, perguntando se eu tinha mesmo coragem de ir naquele tempo e eu sabia que não seriam algumas gotas caindo em mim que me fariam continuar ali. Soltei-me dele e sai, caminhando em direção ao lugar de onde viemos, calculando que, se eu andasse rápido, chegaria em menos de vinte minutos.

Mas demorou mais do que isso, já que nós nos perdemos algumas vezes.

Só quando finalmente chegamos, que chuva já estava em seus momentos finais, naquela mesma garoa fina em que começara. Eu pingava, parecia um cachorro ao me sacolejar, incômoda com a sensação da agua fria no meu corpo; o que sobrara eu fiz evaporar com o calor, mas já havia irritado o gerente do hotel. Corri com Lucien para o quarto, assim evitando a bronca que ele gostaria de ter dado e talvez uma expulsão.

Não poderia negar que foi divertido o jeito que começamos a rir no instante que bati a porta. Ele começou a tirar o casaco molhado, e eu fui abrindo os botões da blusa que vestia por cima da regata a fim de colocar algo mais seco. As gargalhadas morreram no exato segundo que as peças de roupa que me restavam foram ao chão; ignorei o olhar satisfeito dele ao me ver realizando aquele ato. Entretanto, não posso dizer que ficaria contente se ele não o tivesse feito...

Ser desejada era quase como respirar para mim. Sem isso, talvez, eu acabasse definhando e morrendo ― um pequeno exagero. Mas era bom saber que pelo menos Lucien me queria... Se bem que era Lucien. E Lucien gostaria de qualquer garota que aparecesse na sua frente, já que nunca foi muito exigente.

Não tardei a colocar um vestido que trouxera comigo. Ele era pequeno o suficiente para que boa parte de minha coxa aparecesse, mas grande o bastante para cobrir tudo que houvesse de significativo. Estar vestida com mais do que minhas handark não o impediu de me encarar o quanto fosse preciso e eu estava indisposta a aturar a observação dele, como se fosse a droga de uma sentinela.

― Quer me falar alguma coisa? ― cruzei os braços, fazendo com que meus peitos ficassem maiores do que eram. Não era intencional... Bem, talvez sim.

Ele ficou olhando durante um bom tempo para os meus seios antes que pudesse me responder algo incoerente: ― Nada.

― Então qual o problema? ― com um suspiro, me virei para pegar uma toalha; meu cabelo ainda pingava um pouco e eu precisava secá-lo de alguma forma. Assim que a enrolei na cabeça, obtive minha resposta. Ele simplesmente falou que eu não entendia, enquanto pegava a outra toalha que havia no quarto. ― Não entendo o que?

― Que o problema não é o que quero dizer ― ele disse, voltando-se a mim. Secou apenas o suficiente para que as madeixas não pingassem. ―, mas sim, o que pretendo fazer.

Nem tive tempo para raciocinar, Lucien simplesmente arremessou a toalha em uma das camas e veio até mim, em passos largos e firmes. Não entendi porque, mas minha respiração parou por um instante, assim que senti o toque frio de suas mãos no pescoço e me olhou daquela forma profunda que eu o vira fazer diversas vezes com pessoas que raramente se deixavam levar. O modo como umedeci os lábios ao fixar nossos olhares me fez lembrar de algo: eu esquecera o quão sedutor Lucien poderia ser.

Quando sua respiração deslizou por meu rosto, quente, eu soube que não havia mais volta para mim. A única coisa que queria, foi a que ele fez. Eu não entendi porque me senti tão bem quando sua boca veio de encontro a minha. Só soube que, talvez lá no fundo, tivesse o desejo de compreender porque ele era tão popular, tal como eu. E definitivamente, enquanto ele me empurrava e apertava contra a parede, eu saquei a razão.

E saquei...

E saquei.

Até que o gerente veio reclamar conosco por causa do barulho.

Por um segundo, eu pensei que vestir e me fugir seria uma opção válida, mas tudo parecia tão confortável. E por isso, me permiti relaxar e depois, dormir ao lado de Lucien, que tinha o braço me rodeando o corpo como se quisesse me absorver para dentro dele. Não era de todo ruim, mas ao menos eu deveria ter colocado alguma peça de roupa; era o que faria se soubesse as duas coisas que aconteceriam depois.

A primeira delas foi o momento constrangedor que tive ao ser transportada ― de novo ― para o meu quarto na Academia... nua. Sim, completamente despida, sem nem mesmo a companhia das minhas handark. Só eu e minha nudez; quer dizer, eu, minha nudez e... Caleb, os três no mesmo maldito quarto.

E nem isso foi o suficiente para que fosse olhada com um rastro de anseio uma vez sequer; seus olhos sustentaram os meus por todo o tempo, como se meu corpo fosse abominável. Se não soubesse o quanto ele se divertia com suas consortes, juraria que não gostava de mulheres, porém... talvez eu fosse uma exceção.

― Acho que você deveria cortar a sua boa noite de sono com o Lucien ― de alguma forma, aquele nome soou repleto de desgosto em seus lábios. ― e sair de onde está o mais rápido possível. Sozinha. ― Franzi o cenho, ainda com o olhar no seu. Mal consegui perguntar o porquê. ― Porque eles já te rastrearam e provavelmente, já estão bem perto de você ― ele foi em minha direção e me tocou com a ponta dos dedos a testa, parecendo definitivo. ― Acorde e corra. Se vista antes. Aí sim, você pode correr. ― Definitivo o suficiente para que eu despertasse.

Com os olhos abertos, me vi na escuridão do quarto, sentindo o odor de mofo e suor. Ao fundo, um burburinho começava: som de passos, vozes, e a respiração de Lucien, quieta. Quando me toquei do que estava para acontecer, nem tive tempo de pegar meu vestido no chão; a porta se destrancou com um clique e foi aberta por fora, fazendo um barulhinho extremamente irritante. Só não irritante o bastante para acordar Lucien.

A única coisa que o despertou foi a luz, vinda do corredor. E, é claro, o pigarro que o guerreiro na nossa frente soltou ao nos pegar juntos, nus, na cama.

Eu era tão sortuda...

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