Capítulo 5 || Pedro Ferraz

A alguns meses entrei nesse escritório como um simples formando procurando algo para testar os conhecimentos adquiridos durante os anos de faculdade. Trabalhar ao lado de uma das mulheres mais brilhantes da minha área é apenas uma fração dos meus sonhos e quando fui contratado fiquei eufórico para me tornar um advogado brilhante como a senhorita Muniz. Mas com os dias e meses passando comecei a ver, mas do que apenas os processos que eu auxiliava e os cafés servidos nas reuniões da minha chefe.

Daniela Muniz esconde coisas sombrias demais por trás de seus olhos claros e temperamento explosivo. Não foram somente os gritos que acariciaram minhas orelhas que me fizeram ficar atento a qualquer coisa, foi o dia que ela desmoronou em sua cadeira e me implorou para não a tocar. Foi a conexão sentida por ambas as partes depois de um longo dia de trabalho quando fui chamado para jantar pela melhor amiga da minha chefe e receber um olhar atravessado dela. Daniela Muniz parece gritar algo que não consigo escutar e toda vez que entro no seu escritório consigo sentir a intensidade de seus olhos e o barulho dos seus pensamentos de longe. Ela nunca disse diretamente para mim o que aconteceu aquela tarde na sua sala. Sei apenas que sua família influenciou diretamente nisso. Nenhum membro da família Muniz é permitido dentro das dependências da empresa e há um lembrete disso no meu tablet pessoal. Porque não quero ou vou deixá-la sentir o que sentiu aquele dia. Foi algo obscuro... algo nebuloso.

É quase como se eu precisasse cumprir algo para alcançar as barreiras da mulher que ocupa meus sonhos e atormenta até mesmo os meus encontros. A meses não consigo me concentrar em outra mulher, nem mesmo Jade conseguiu despertar o meu corpo para vida e isso está me deixando preocupado para dizer o mínimo.

Porque não é como se tivéssemos um relacionamento que me prendesse a ela. Não acredito no amor como algo feito para mim, mas não descarto essa ideia ao adormecer com seus intensos olhos sobre mim. O que a senhorita Muniz fez comigo? Não consigo entender o que há dentro de seus olhos. Não consigo entender o que sinto ao estar perto dela.

Estamos no meio de uma de suas reuniões diárias e como sempre ela ocupa a ponta da mesma distante e inalcançável, longe de seus clientes e a única pessoa autorizada a se aproximar minimamente dela, sou eu. Depois de servir café para ela e organizar seu laptop e anotações, ocupei meu próprio lugar relativamente próximo dela. Ouvindo-a debater os detalhes do processo com frieza e determinação de uma pessoa que não aceita perder para um de seus maiores concorrentes em nosso meio, Leandro Bonfim é um advogado que constantemente atormenta a dama de gelo e devo dizer que estou excitado para ver os dois na frente de um júri. Duas pessoas que não aceitam perder e um caso delicado que envolve duas famílias importantes do cenário político do país.

Perco entre as anotações que faço, quase perdendo a pergunta feita para mim pelo senhor Torres. Cliente da Muniz a muitos anos e pelo que sei, seu falecido pai ajudou minha chefe a consolidar sua carreira quando ela era apenas uma estagiária no escritório dele. O patriarca da família Torres deixou um legado que foi esquecido pelos filhos, mas que ainda vive dentro da mulher que olha para mim com um olhar afiado.

Se concentre Pedro. Apenas preste atenção na reunião e não no contorno doce dos lábios de sua chefe.

- O que um Ferraz faz trabalhando aqui? - o senhor esboça um sorriso malicioso que alcança meus ossos. Ele sabe quem eu realmente sou? Ou isso é um blefe para nadar pela superfície onde os negócios da minha família estão?

- Gosto de um bom desafio - mantenho o controle sobre minha voz e alfinetou o cliente - gosto de conquistar o meu próprio sucesso sem o sobrenome da minha família influenciando em algo, também.

- Oh, certo... como vai o Miguel? - ele abre um sorriso misterioso que ativa minhas defesas no mesmo momento. O senhor Torres está entrando em território perigoso.

- Miguel está bem, ele vai apreciar saber que foi lembrado por você - o sorriso dele sumiu e a cor no rosto dele também.

Conheço essa expressão e o meu irmão adora se deliciar com ela. A família Torres está devendo para a minha?

Depois que desisti de assumir o meu lugar de direito na família fui impedido de saber os próximos passos de qualquer negócio lícito ou ilícito por segurança. O sobrenome Ferraz já atrai muitos olhares e curiosidade por onde passa. Durante os anos de faculdade conheci pessoas interessadas em conhecer a fortaleza secreta da minha família. Um lugar onde ninguém fora do submundo da máfia, ou sendo um de nossos inimigos pisou. Um local que transformou bastardos e garotos mimados em soldados altamente treinados. Nenhuma pessoa sem autorização conhece o lugar por dentro, o que o transformou numa lenda para o que chamamos de "leigos".

Nem mesmo o irmão do capô pode ultrapassar certos níveis dentro daquele QG. E isso se deve a administração de Miguel e sua equipe de confiança, coisa que não precisamos ver para saber que existem.

Quando você nasce em sangue e convive com a máfia diretamente, você é treinado para reconhecer o perigo de longe. Não é porque trilhei o meu próprio caminho com os anos que esqueci os banhos frios ou a primeira vez que manchei minhas mãos de sangue.

Treinado para matar. Treinado para proteger minha família até a morte.

É por isso que sei que há alguma coisa errada acontecendo com a senhorita Muniz, consigo sentir o cheiro de medo a quilômetros de distância e o corpo dela está saturado de medo e incertezas.

Crio um novo lembrete especial no meu celular para ligar para Miguel assim que eu sair daqui. Preciso saber no que estamos mexendo ao pegar esse caso, sinto que algo que esse homem não disse para Daniela e eu vou pegá-lo pelo pescoço na primeira oportunidade que tiver para saber se isso é algum tipo de pegadinha ou qualquer merda assim. Não é porque a família dele ajudou a senhorita Muniz que ele é bom, ou qualquer merda do tipo.

Continuo com a expressão neutra e a troca de olhares rolando pela sala é silenciosa. É como se ele quisesse dizer algo para minha chefe e eu sorrio com isso.

Apenas esperando que ele faça isso.

Mas o senhor Torres acaba escolhendo a alternativa correta ao ocupar seus próximos minutos com a advogada de seu caso. Quando a reunião é oficialmente finalizada, ignoro a saudação falsa do homem que mencionou meu irmão sem um motivo pertinente e por alguns segundos pensei que ele diria

- Como vai o capo da máfia Ferraz? - para a minha chefe.

(...)

- O que foi isso? - é a primeira pergunta dirigida a mim pela mulher exuberante, seu vestido social é simples e igualmente frio. Combinando com seu atual humor.

- Isso o que? A senhorita precisa de algo? - tento escapar do assunto e para o meu azar recebo o arquear de suas sobrancelhas bem-feitas. E isso significa que ela vai amassar minhas bolas até obter a resposta desejada. Dia perfeito para ser assistente pessoal de uma advogada.

- O que o senhor Torres quis dizer quando colocou seu irmão na história? Por que isso deixou você desconfortável? E o mais importante: por que você escreveu uma mensagem no seu celular a alguns minutos atrás?

Daniela Muniz afasta alguns centímetros sua cadeira presidente preta e com toda elegância e calma cruza suas pernas, o salto agulha vermelho aparece e levo isso como uma ameaça do que ela pode fazer comigo. Ainda aguardando minha resposta, ela espalmou suas mãos com unhas afiadas e pintadas de preto na mesa, esse último detalhe envia uma fagulha tentadora pelo meu corpo. Porque imagens dela deitada sobre essa mesa com nada cobrindo seu corpo e esses saltos malditos irão atormentar minha vida pelas próximas semanas.

- Ele provavelmente conhece o meu irmão. Não fiquei desconfortável. Coloquei um aviso no meu celular para ligar para minha mãe quando eu sair do escritório. Algo, mas senhorita Muniz? - respondo tudo com precisão, não deixando margem para erros ou qualquer coisa que possa me denunciar. Ficou visível o desconforto para ela? Pensei que ela estivesse atenta apenas aos detalhes do processo, não a mim.

O tablet que deixei sob a mesa começa a brilhar com o alerta de que alguém da família Muniz acabou de ultrapassar os limites pré-estabelecidos. Isso tira a atenção da minha chefe e seu corpo entra em alerta, e pelo jeito que sua respiração está descompassada ela pode desmaiar como aconteceu a algumas semanas.

Não sei exatamente o que ela tem, pelas pesquisas do google isso pode ser apenas ansiedade, fobia a algo ou até mesmo depressão. Não sou psicólogo ou alguém da área médica o que não me deixa atestar o que assombra tanto a mulher que ameaça minhas barreiras mesmo sem saber.

Uma mulher poderosa é destruída com um simples gatilho que consegue desmontar suas defesas. Algo dentro de mim pegou a responsabilidade de cuidar dela, mesmo que ela nunca me deixe ficar próximo demais e de suas barreiras me manter afastado. Quero ao menos tentar ser seu amigo. Porque Daniela Muniz não parece ter muitos.

- Senhorita Muniz? - chamo seu nome baixinho, colocando o celular no ouvido para conversar com a equipe de segurança do prédio. Ninguém de sua família pode chegar aqui, ninguém tem o direito de destruí-la dessa maneira. Daniela não olha para mim, ela está olhando para um ponto atrás de mim fixamente como se sua mente estivesse submersa em alguma lembrança vivida. As pontas dos dedos trêmulas no tampo da mesa e o bloco de notas vai ao chão quando um pequeno grito reverbera de sua garganta. -Javier? Mantenha quem quer que seja longe do andar da senhorita Muniz. Pode usar a força se for preciso, apenas mantenha quem quer que seja longe daqui - assim que desligo a ligação ela parece voltar ao normal. Quando olho para o movimento de seus lábios percebo que ela está contando devagar, controlando a própria respiração para não perder o controle novamente.

Com uma nova ideia em mente e a sensação de que ela não deseja ir para lugar nenhum depois de saber que algum familiar dela está por perto. Começo a falar com ela como se nada tivesse acontecido, como se eu não tivesse visto o ataque de pânico que atormentou seus últimos minutos. Ela não precisa de ninguém questionando o que aconteceu com ela agora.

- Que tal comida italiana?

- Oi? Como assim?

- Podíamos pedir comida italiana e assistir Criminal Minds - reconhecimento passa pelos seus olhos e ela entra na conversa. Ignorando seus próprios medos ao me deixar chegar perto de suas barreiras.

- Aprecio uma boa massa e uma taça de vinho pode nos fazer bem. A apenas um problema... - fico tenso rapidamente para relaxar logo em seguida - Estou na última temporada e essa é minha série favorita - Daniela Muniz sorri para mim e isso é gravado em tantos ângulos na minha mente que fico fraco por alguns segundos.

- Podemos começar ela novamente, o que a senhora...

- Daniela!

- Como?

- Me chame apenas de Daniela, senhor Ferraz - por que ouvir ela dizer isso conseguiu desestabilizar toda minha postura?

- Apenas se a senhorita me chamar de Pedro.

- Claro, Pedro - Daniela se coloca de pé e diz ao sair da sala - Vamos para a minha sala, lá é mais confortável do que aqui - eu a sigo já fazendo o pedido de alguns pratos italianos e duas garrafas de vinho. Deixo que ela se acomode em sua sala quando o celular toca com a confirmação de que o homem que estava atrás de Daniela tinha ido embora.

- Vou fazer apenas uma ligação e já volto - ela questiona com o olhar mas confirma com um gesto simples ao falar.

- Irei dispensar minha secretária pelo restante do dia. Sinto que essa maratona vai demorar para terminar - sou agraciado por outro pequeno sorriso e com isso lhe dou as costas. Sentido o movimento frenético dos meus batimentos cardíacos e o sorriso que não sai dos meus lábios enquanto a ligação para Miguel começa.

Assim que a voz rouca e cansada do meu irmão mais velho domina a ligação, soltou uma respiração profunda procurando acalmar minhas emoções e as perguntas que me incomodam a semanas.

- O que fiz para ser agraciado com uma ligação sua, irmãozinho? Cansou de ser um mero assistente? - a ironia nas palavras dele e a leve risada no final é o que chamo de lar. Minha família é a base de tudo na minha vida, e mesmo renegando a parte dolorosa e sombria que nos acompanha a gerações. Ainda sou um Ferraz e a família sempre vem em primeiro lugar.

- Miguel, seu grandíssimo idiota. Como estão as coisas?

- Estão bem, o que aconteceu? - ele é direto, porque estou em horário de trabalho e ele provavelmente está na fortaleza treinando algum soldado ou apenas dando ordens para seus homens.

- Preciso investigar uma família.

- Qual exatamente? Porque desde a última vez que nos vimos eu não tinha uma bola de cristal.

- A família Muniz, preciso saber de cada passo dado por eles nos últimos anos. Pode me ajudar nisso?

- Poder eu posso, mas vai ter um preço interessante.

- O que você quer?

- Eu quero saber por que você está interessado em saber detalhes da família da sua chefe.

Uma hora, mas tarde, o primeiro episódio da série policial começou a passar no projetor da sala da senhorita Muniz. Ela estava diferente sem os saltos e os cabelos presos em um coque frouxo. As embalagens do meu restaurante favorito estão espalhadas perto de nós. Sem os sapatos e o cabelo preso, me permiti apreciar um momento leve com ela. Depois de meses eu tive a oportunidade de ficar perto dela, talvez conhecer os seus medos e gostos.

Foi uma das tardes mais interessantes da minha vida e os sorrisos discretos dela não conseguiram esconder que ela gostou de assistir sua série favorita com seu assistente pessoal que havia visto suas barreiras caindo aos poucos. Quando me deitei para dormir aquela noite, seu perfume estava preso na minha camisa social e cada segundo que passei ouvindo seus comentários sobre os episódios e seu crush num dos personagens da série ficaram marcados na minha alma.

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