Capítulo 4 || Daniela Muniz

Passei dois dias em casa depois do que aconteceu no meu escritório, assim que voltei a ocupar o meu lugar de direito na presidência da Muniz, eu soube que tudo estava em ordem porque Pedro resolveu qualquer empecilho que pudesse me tirar da bolha onde me enfiei durante aquelas horas. Usei exatas 48 horas para colocar minha cabeça no lugar, tirei o vinho da jogada e fui para a minha terapeuta nos dois dias seguidos. Eu tinha tantas perguntas para fazer para Anne e mesmo assim eu usei uma boa parte do meu tempo para entender o que estava acontecendo comigo em silencio.

A maior surpresa nisso tudo foi descobrir que o que eu sentia por Pedro estava evoluindo, para algo que eu nunca imaginei poder viver, segundo minha psicóloga: Ele pode representar tudo aquilo que você nunca imaginou merecer!

Fui atualizada em tempo real sobre tudo o que acontecia na minha empresa e depois de voltar, tive que marcar uma reunião com Eleanor Muniz para resolver de uma vez por todas essa "suposta dívida" que eles pareciam ter comigo. Adam continuou marcado no fundo da minha alma e aquela cena foi se apagando com as horas que passei colocando minhas inseguranças para fora, depois disso sai com outro antidepressivo e conselhos infindáveis para cuidar do meu coração, se eu fosse Anne no meu lugar, eu já estaria internada em algum lugar onde eu pudesse ser monitorada 24 horas por dia.

Já não havia tanta confiança em mim, eu não sabia como reagir aos novos sentimentos surgindo e o mal que aquilo faria para mim no final. Porque a única coisa que eu tinha certeza estava me devorando, eu não podia e nem iria afundar Pedro nessa bagunça que era a minha vida.

Eu ia me salvar sozinha, como sempre aconteceu.

Pedro Ferraz com seu terno de ótimo corte e seus fodidos óculos de grau presos no seu nariz bonito olha para mim do outro lado da mesa, não houve nenhuma tentativa de conversa sobre o que aconteceu e eu sou grata a isso. Mas agora eu sabia o que estava acontecendo comigo, o porquê de os meus sonhos terem sido substituídos por milhares de coisas que eu sonhava em fazer com ele.

Jade Duarte e sua incrível facilidade para ler as pessoas olhou para mim também, com seus cabelos ruivos contrastando com a luz do sol que adentrava as janelas abertas, sentada ao lado de Pedro. Eu tinha me arrumado para mim esta manhã, levando um pouco mais de tempo para esconder o nervosismo que seria trabalhar o dia todo com ele ao lado, porque tínhamos um cliente em comum com o escritório da minha melhor amiga, e Pedro estava ansioso para trabalhar com a gente. Adorável e perigoso demais para a minha sanidade.

As manchetes dos jornais estavam estampando o escândalo político que tínhamos que abafar e depois resolver, o governador estava sendo acusado de usar o dinheiro público para financiar festas improprias e nós tínhamos a brilhante missão de provar que isso era uma armadilha bem armada do seu concorrente direto nas eleições. Como advogada empresarial não era difícil ver o que o poder e o dinheiro eram capazes de fazer, as pessoas perdiam o controle quando lhe eram oferecidos mais poder do que eles podiam administrar.

E agora o meu adorável cliente precisava ser inocentado ou não seria ele a sentar na cadeira que ocupou durante 10 anos. Pedro puxou um pequeno carrinho para a sala mais cedo com a cafeteira moderna e suas cápsulas diversas, segundo ele o café nos ajudaria a ver a verdade. É o primeiro caso que ele vai me auxiliar por completo, normalmente conto com uma equipe maior para resolver casos nesse nível, mas preciso tentar o homem brilhante por trás das camadas elegantes de tecido. O que me deixa calma é saber que a mentiras demais no ar, o que me ajuda a esconder as falhas na minha própria rachadura.

Desde aquele dia é como se eu estivesse aberta para Pedro e eu ainda tenho medo dessa confirmação.

- Me diga senhor Ferraz - a ruiva estonteante abre um sorriso nada discreto na direção do meu assistente pessoal e joga sua isca friamente calculada depois das horas que passamos analisando as brechas da acusação e colocando anotações em todos os lugares da minha. Mas eu devia saber que Jade nunca brincava em serviço - você está solteiro?

- Ah, estou? - saiu mais como uma pergunta, ele sorri para ela e um pequeno incômodo se instala no meu peito. Olho para Jade trincando os dentes e o que recebo dela é um sinal de confirmação. Merda! Ela viu algo que deixei transparecer? Provavelmente sim, já que nada passa no radar da senhorita Duarte e sua maquina de detectar mentiras humana.

- Podíamos marcar um almoço ou um jantar, o que você acha? - ela faz a proposta. Finco minha unha na borda da mesa acompanhando a expressão de Pedro como um tipo diferente de tortura para minha mente. Antes de responder ao convite, ele olha para mim e quando imagino que ele vai negar o pedido dele. O homem que não sai da minha cabeça nos últimos meses responde, mesmo que ele não esteja olhando para Jade em nenhum momento no processo de formular as palavras e dizer, é como um recado para mim, como se esperasse uma confirmação minha para prosseguir. Um lembrete tipo: Estou aqui e só você não viu!

- Claro, vou adorar jantar com a senhorita.

- Vai ser divertido e...

- Hm, Pedro? Pode nos deixar sozinhas por alguns minutos? Preciso de um remédio para dor de cabeça se não for pedir muito - o pedido é quase suplicante. Por que estou agindo assim com esse convite da minha melhor amiga para Pedro? Não é como se fossemos algo um do outro, nem ao menos conversamos fora dos limites do escritório. E desde o que aconteceu naquele dia, me fechei ainda mais para qualquer chance de conhecer o homem por trás dos tecidos elegantes e sobrenome importante.

E a culpa é única e exclusivamente minha! Não é apenas pelo fato de ele ser o meu funcionário. Mas sim por tudo o que vem depois disso:

Nenhum beijo. Nenhum abraço. Nenhuma chance de acariciar seus cabelos e dormir no seu peito. Nenhuma chance de nós.

Ainda não sei como Jade conseguiu ficar depois de tudo. A falta de emoções e a vontade assustadora de me esconder do mundo sempre esteve presente na minha vida. Foi por isso que construí um lugar seguro para mim, não somente no escritório, mas a minha casa é assim. Um lugar modificado para suprir todas as nuances dos meus medos. Foi lá que passei os últimos anos presa. Nenhum amigo além dela, nenhuma festa que pudesse haver contato físico. Uma dama de gelo presa no seu castelo de cristal.

Tenho medo de estranhos e o fato de ter contratado Pedro para um cargo que exige um contato mais pessoal ainda me aflige. É o mais próximo que qualquer pessoa, tirando Jade, chegou. Ela estava comigo quando recebi o diagnóstico do psiquiatra. Essa doença se transformou na extensão da minha ansiedade e agora convivo com os dois diariamente.

Não chego perto de nenhum cliente meu, isso é uma cláusula especial no contrato entre cliente-advogado e nunca, em nenhuma circunstância, vou a jantares de negócios sem conhecer o restaurante em questão. Tudo pode ser resolvido online ou com uma simples ligação. Ninguém precisa me tocar, minha mente não precisa sofrer com os gatilhos da lembrança apagada na minha mente que ativa isso.

Sofri muitas coisas na minha infância, mas uma dessas coisas foi apagada da minha mente como uma barreira de segurança que mantém presa esse momento. Foi ali que passei a odiar o contato humano. Não sei o que aconteceu naquele dia, tenho apenas flashes do que pode ter acontecido e durante os anos a terapeuta e a psiquiatra que cuidam do meu caso, tentaram ativar essa memória. Para quem sabe assim, conseguir tratar esse trauma pela raiz da questão, não aconteceu e cada processo foi inútil.

Só havia uma maneira de destrancar essa memoria e nada ultima vez que tentei? Ainda sinto agonia e os gritos no fundo da minha alma.

- Então você gosta dele? - Jade Duarte e o sorriso radiante nos lábios é demais para mim. Penso em trocar a xícara de café por uma de vinho ao lembrar o que temos que fazer durante o resto do dia.

- De onde você tirou essa ideia? - rebato.

- Talvez do brilho nos seus olhos. Oh, temos também a forma como aquele jovem rapaz parece admirar as curvas admiráveis de sua chefe, faltando apenas que a baba escorra ou talvez ele queira arrancar de suas roupas e pá - minha melhor amiga começa a rir sem parar. A tanta luz nos seus olhos que às vezes fico assustada com a vida presente ali. Somos parecidas em algumas coisas, como por exemplo as curvas delirantes e sensuais de ambas e a admiração que vem junto com o sucesso em nossas respectivas carreiras. Duas mulheres forjadas de diferentes maneiras, com seus próprios traumas e medos. E o lado que invejo de Jade, ela definitivamente ama viver. Ela não esconde sua felicidade de ninguém e tudo o que ela quer, ela tem.

- Isso é loucura, sua ruiva maluca.

- Maluca? Sou a sanidade em pessoa - ela joga os cabelos para o lado e finca seus saltos no chão ao se levantar e começar a andar pelo amplo espaço do meu escritório. - Agora vamos para o que realmente importa, o que você sente por ele?

- Eu? Nada - por que a mão na cintura e as sobrancelhas arqueadas dessa mulher conseguem destruir minha postura de advogada? Ah, sim porque ela é a única que conhece os meus traumas, minha melhor amiga e confidente a anos - Tá, eu sinto uma admiração por ele e é só.

- Ah, eu super shippo vocês dois juntos - Jade começa a dar pequenos pulinhos no chão animada. Ignorando o salto altíssimo que ela está usando. Sanidade em pessoa? Sei.

- Shippo? O que isso significa?

- Sério Daniela? Tá ficando velha amiga, isso significa que vocês dois combinam.

- Você bebeu?

- Ainda não... você pediu para que eu estivesse sã e aqui estou eu - com a mão no coração e um olhar profundo ela joga uma de suas pérolas - Sem nenhuma gota do néctar criado pelos Deuses. Dionísio estaria decepcionado com essa purificação toda - Jade cita o Deus do vinho, um dos deuses mais importantes da mitologia e que por ironia do destino criou a bebida favorita da minha amiga.

- Você devia voltar para terapia amiga, está precisando - coloco uma perna sobre a outra, apreciando a troca leve de farpas e o momento leve que atravessa a sala.

- O mundo precisa de terapia, por que eu seria diferente? Agora anda, coloque seus sentimentos glaciais para fora. Quero cantar lerigou para as teias de aranha e as próprias aranhas presas dentro das suas calcinhas de vó.

- Ei? Elas são calcinhas muito confortáveis.

- Será que o senhor Ferraz também acha isso? Falando no sobrenome dele, o que um Ferraz faz trabalhando como assistente no seu escritório?

- Essa é a pergunta que vale 1 milhão de dólares.

- Por quê?

- Porque não sei te responder o que ele faz trabalhando para mim. Nossas conversas se resumem a trabalho e trabalho - fica evidente na minha voz o quanto odeio isso. Eu quero e não quero ficar próxima demais dele e isso é aterrorizante.

- Ouvi algumas coisas sobre a família dele e posso dizer que aquele homem deve limpar a bunda com notas de 100 - Jade sussurra como se não estivéssemos sozinhas aqui - Por isso perguntei, mas quem somos nós para dizer algo? Conquistamos sucesso com nosso próprio esforço e nunca dependemos de ninguém para isso.

- É sobre isso amiga.

- Mas porque você não o convidou para sair? Não é como se você fosse tímida ou algo assim.

- Você sabe muito bem o porquê, há muita coisa em jogo aqui e não tenho saúde mental para aguentar outra rejeição - confesso para ela, suspirando alto - depois de tudo o que aconteceu quero distância de rostos simpáticos e gestos gentis superficiais.

Ficamos presas em um silêncio breve até Jade voltar a falar, quebrando minha passagem até as lembranças do que aconteceu no meu passado.

- Eu vejo algo em Pedro Ferraz, amiga, e posso jurar que não há nada de superficial nesse homem forte, com carinha de santo e talvez uma pegada fatal. Se joga nesse nele, migles.

- Você sabe que eu não posso, Jade!

A porta de carvalho se abre e Pedro a atravessa com duas sacolas nas mãos e dois pequenos vasos de cactos. Minha boca se abre brevemente quando a confusão fica evidente no meu rosto e no de Jade.

- Precisa de ajuda, senhor Ferraz? - Jade oferece já indo na direção dele. Continuo sentada de maneira confortável no meu lugar, sentindo vontade de tocar levemente nos dedos de Pedro como Jade fez ao tirar os pequenos vasos de suas mãos.

- Obrigada, senhorita Duarte - Pedro captura meus olhos com os seus e meu coração começa a empurrar o frio para longe - Trouxe algumas caixas de remédio para dor, água com gás e quando estava voltando para o escritório parei no semáforo e um senhor estava vendendo esses cactos. Foram o melhor investimento do meu dia - ele abre seu sorriso magnífico e outra parte do meu corpo desperta ao contemplar o contorno rosado de seus lábios completados pela carga dentária perfeita do senhor Ferraz - Um é para a senhorita Duarte e o outro para você, digo para a senhorita Muniz - ele se atrapalha e é adorável demais para esconder um pequeno sorriso.

Fecho o mesmo quando os olhos claros dele ficam espantados com algo no meu rosto. Ele perdeu a voz e se Jade não tivesse tirado as sacolas e os vasos de sua mão eles estariam no chão agora mesmo.

Nos próximos minutos ficamos presos nos relatórios e informações sobre o cliente e as acusações dirigidas a ele. Pedro colocou sua cadeira próxima a mim e uma ou outra vez encontramos o contato visual um do outro. Jade sussurrou "Esse é pra casar" duas vezes nas últimas horas e posso ter quase enfiando as unhas na minha melhor amiga.

O vaso adorável com o cacto que ganhei de presente enfeitando minha mesa. Quebrando um pouco os tons frios sobre cada superfície, está conseguindo iluminar o ambiente, como Pedro Ferraz faz.

Quando o dia é encerrado e já estou pegando minha bolsa para sair do escritório, Pedro entra no meu escritório e pela leve surpresa nos seus olhos ele não esperava me encontrar dentro do meu próprio escritório.

- Posso ajudá-lo com algo?

- Esqueci minha carteira dentro de uma das sacolas - ele aponta para os pacotes no chão ao meu lado.

- Oh, claro... pode pegar - uma mecha do meu cabelo solta do penteado e nesse breve segundo quebro nosso contato e quando volto a prestar atenção nele, sua respiração está acariciando minhas pernas onde a saia termina. Pedro Ferraz está ajoelhado aos meus pés e o efeito de vê-lo assim é arrebatador para a minha calcinha que adorou ver a intensidade inflamando seus olhos - Eu-eu... - esqueço de respirar ou o que eu tinha para falar, estamos presos em uma bolha gostosa e excitante apenas pela leve carícia de sua respiração perto de mim, então ele faz novamente e quase imploro para ele chegar mais perto com suas mãos em mim e sua boca podendo conhecer o que ele desejar.

O jeito como Pedro me olha é uma dança explícita sobre o efeito que estou causando nele. Meu assistente pessoal acaba de destrancar um lado meu que ficou trancado por muito tempo, estou molhada e louca para desbravar o que vem a seguir, mesmo que seja perigoso. Mas ter ele de joelhos na minha frente, perto demais do meu corpo também é, perigoso e excitante.

O que é a vida sem um perigo memorável para guardar no fundo da alma? Porque a minha vozinha interior acabou de imaginar a língua e os lábios carnudos desse homem dentro da minha calcinha, levando meu juízo e bom senso para o espaço. O que Pedro esconde debaixo de seus ternos caros? Minha boca fica molhada para desvendar com ela cada pedacinho dele.

Bastou um leve momento sozinhos e eu esqueci a parte sensata na minha mente e estou cativa dos seus olhos e respiração. Uma mulher pode gozar apenas com isso? Porque acho que sim.

Mas como tudo na minha vida, a tensão se dissipa quando Jade e seus saltos clicam no chão e sua voz ultrapassa as paredes do andar. Mas nada me deixa esquecer sua respiração quente, o curvar de seus lábios e a forma como ele mordeu seus lábios ao levantar-se lentamente do chão e fugir da minha sala de forma rápida e desconcertada. Eu estava uma bagunça completa e mais uma vez sem entender o que estava acontecendo comigo. Com a minha mente reprisando a cena e uma melhor amiga curiosa ao meu lado, eu tentei esquecer a excitação que dominou todo o meu corpo, do calor que era ficar tão próxima a ele e o mais interessante: eu não tive nenhuma crise de ansiedade mesmo estando próxima a ele, apenas o desejo derretia meu autocontrole e só consegui imaginar ele e eu e talvez a superfície mais próxima.

Eu o queria, mesmo que fosse proibido e perigoso demais.

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